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E não é que Beckenbauer conhecia Caban?

Foi-se o supercraque alemão Franz Beckenbauer, curiosamente dias depois de Zagalo. Os dois e o francês Didier Deschamps, ainda vivo, são os únicos futebolistas da história a terem conquistado títulos mundiais por suas seleções como jogadores e técnicos.

Não vi o Kaiser jogar ao vivo, mas fui grande admirador de seu futebol elegante e preciso pela telinha da TV. Quase sempre com a camisa alemã, como nas Copas de 70 e 74. Um monstro! Pelo Cosmos e pelo Bayern, tive pouquíssimas oportunidades de vê-lo pois naquele tempo não havia a riqueza de transmissões internacionais como agora.

Guardo de Beckenbauer, entretanto, uma deliciosa história. Verdade, lenda, meio a meio? Pouco importa. Até hoje, todos nós que a vivemos na redação do Globo e no México damos gargalhadas ao lembrá-la.

O ano era 1986. Editor de esportes do Globo há três anos, pela primeira vez, como jornalista, eu não iria à Copa do Mundo - em 78, estivera na Argentina, e em 82, na Espanha. Sempre como repórter.

Por decisão do histórico diretor Evandro Carlos de Andrade, o editor de esportes do jornal, àquela época, não podia ir aos Mundiais. Era mais importante comandando e coordenando tudo da sede.

Da formação da equipe de enviados especiais, à pauta, passando pelas escolhas dos textos e fotos até à diagramação das páginas, o dia a dia do editor era puxado, mas entusiasmante. E a ele me dediquei com paixão.

Escalada a equipe, entretanto, na última hora percebi que o destacado para cobrir o grupo da Alemanha, em Querétaro, era o nosso correspondente em Recife, José Menezes, que não constava da minha lista original.

- É "peixe" do Caban. Não te mete - me sussurou ao ouvido meu fiel escudeiro, o saudoso Antônio Roberto Arruda.

Explicação obrigatória: Henrique Caban era o poderosíssimo superintendente da redação do Globo, braço-direito do Evandro. Mandava mais que o editor-chefe do jornal. Quando disparava, aos berros, os seus famosos esporros, a Irineu Marinho (rua onde ficava a redação) tremia e até os contínuos se escondiam.

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Achei prudente não me meter mesmo, até porque Menezes era bom jornalista e sua entrada na equipe não provocara a saída de nenhum dos que eu escalara. Em frente.

À medida que a Copa ia rolando, entretanto, uma pauta que passara ao Menezes, no primeiro dia, ia sendo sistematicamente adiada, embora a cobertura dele da seleção alemã, como um todo fosse correta.

O que eu pedira? Uma grande entrevista exclusiva com Franz Beckenbauer, que dirigia a Alemanha em sua primeira Copa como técnico (acabaria vice-campeão para a Argentina de Maradona e campeão, quatro anos depois, sobre a mesma adversária, na Itália).

Sim, eu sabia que não era uma pauta simples, apesar de os tempos serem outros, onde jornalistas, jogadores e treinadores tinham uma convivência bem mais próxima. Inclusive nos Mundiais.

E dia após dia ficava eu na boca do telex (não havia internet, nem celular, amigos!) esperando o material do Menezes e nada! Após uma semana de Copa, perdi a paciência, me enchi de coragem e fui falar com o Caban.

- Olha, estou pedindo desde a chegada deles no México uma entrevista com o Beckenbauer e o Menezes está me enrolando e não manda. Foi você quem o escalou. Dá pra resolver?

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O superintendente me fuzilou com o olhar, bufou, e disse apenas:

- Deixa comigo!

Deixei e, dois dias depois, entrava no telex o tão esperado pingue-pongue com o Kaiser. Uma delícia de entrevista. Ufa! Curioso, Arruda telefonou para o quarto do Menezes no hotel e lhe perguntou:

- Como você conseguiu, afinal?

E o pernambucando, do outro lado.

- Não tive outro jeito! Cheguei perto do alemão e mandei baixinho: "Beckenbauer, conhece Caban"?

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O resto é história. Ou lenda...

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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