De Silva a David Luiz, o que importa é a emoção
Eu tinha 15 anos. Nem sonhava que um dia seria jornalista, mas o Flamengo já era minha paixão. E Walter Machado da Silva, o Silva, o Batuta, camisa 10 do Flamengo, era meu ídolo - morava perto da minha casa, em Ipanema, e batia bola com a gente, nas areias da praia!
Ele tinha acabado de voltar do Barcelona e, depois de um amistoso espetacular, no Maracanã, contra o Cruzeiro, de Raul, Tostão, Dirceu Lopes, Natal etc., o esquadrão que desbancara o Santos de Pelé do posto de melhor do Brasil, (foi 5 a 1 para o Mengo, com dois gols do Batuta), veio a estreia no Campeonato Carioca.
Claro, lá estava eu na arquibancada. E o jogo foi amarrado, truncado, o ataque rubro-negro insistia, mas a defesa banguense resistia. Até que veio o corner, aos 44 do segundo tempo. Néviton (um ponta-esquerda pra lá de mais ou menos) bateu, Silva ergueu-se acima dos zagueiros, como um deus alado, e testou firme. Flamengo 1 a 0 e uma enorme explosão da arquibancada, lotada de rubro-negros, como eu.
Voltei para casa levitando. Me sentindo o mais feliz dos seres humanos. E, no dia seguinte, lá estava eu na banca de jornal, para comprar todos os matutinos e seguir saboreando aquele triunfo épico, heroico, inesquecível. Mas não foi bem assim que ele foi retratado. Jornalões como O Globo e, principalmente, o Jornal do Brasil, desancavam a atuação rubro-negra.
Como assim? Indignei-me. E nunca esqueci que o texto do JB era assinado por Sandro Moreyra, que oito anos depois eu reencontraria na redação da Avenida Brasil, então como estagiário do jornal da Condessa. Quando o vi, confesso, tive ânsia de cobrar aquela crônica! Mas me contive.
O tempo passou e, com o traquejo da profissão, pude perceber, então, que existe um jogo do torcedor e outro do crítico. E muitas vezes eles são completamente distintos.
Revivi aquela cabeçada de Silva, na de David Luiz, no derradeiro lance da duríssima partida com o Bahia. Pouco importa se o meio-campo baiano dominou o carioca a maior parte do confronto. Já não é importante se o primeiro tempo do time de Tite foi inferior ao de Rogério Ceni.
Tampouco se Bruno Henrique e Gabriel parecem cada vez mais pálidas sombras do que foram na espetacular temporada de 2019 - e também na de 2020, quando se tornaram bicampeões brasileiros.
Fato é que o Flamengo, esfacelado pela Copa América e por contusões, completou a terceira etapa de sua dramática "travessia do deserto" (os 10 jogos que fará sem os seus cinco selecionados) com admiráveis 7 pontos conquistados em 9 possíveis. Excelente marca que o mantém na liderança.
O coração dos rubro-negros explodiu, uma vez mais, com uma cabeçada salvadora na bacia das almas (a outra foi do jovem Évertton Araújo, contra o Athletico Paranaense). Porque esse grupo tem provado ser digno da camisa que enverga e do hino de seu clube que diz que sua glória é lutar.
E David Luiz talvez seja, hoje em dia, a sua mais perfeita tradução.
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