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Rodrigo Mattos

Reação de confronto de Neymar constrange liga francesa a agir sobre racismo

Neymar discute com Alvaro Gonzalez durante partida do Campeonato Francês -
Neymar discute com Alvaro Gonzalez durante partida do Campeonato Francês

15/09/2020 05h00

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No final de semana, o atacante Neymar, do PSG, foi expulso após dar um tapa no zagueiro Alvaro Gonzalez, do Olympique de Marseille. Após o jogo, no Twitter, disse de forma indignada que foi uma reação a ser chamado de "macaco" pelo jogador espanhol e rebateu a defesa do rival na rede social. Sua atitude de confronto gerou o debate e a investigação pela Liga Francesa em torno da acusação de racismo.

Não foi a primeira vez que Neymar sofreu esse tipo de preconceito. Já ocorreu em um jogo da seleção diante da Escócia em 2011 quando lhe jogaram uma banana e quando estava no Barcelona por torcedores locais. Suas reações foram sempre de lamentar o racismo, mas tentar seguir a vida sem maiores polêmicas. Quando Daniel Alves foi o alvo das bananas, participou ativamente da campanha "Somostodosmacacos" com hashtag e apoio.

Essas atitudes geraram algum debate momentâneo, mas não foram tão a fundo para gerar um constrangimento a atos racistas. Ressalte-se que Neymar se posiciona como quiser, e não vai ser a mídia ou colunistas que vão dizer como ele deve agir. O que podemos é só analisar quais as consequências dos seus atos. E sua reação atual gera efeitos bem diferentes das anteriores.

Após o jogo, Neymar disse no Twitter: "VAR pegar a minha "agressão" é mole ... agora eu quero ver pegar a imagem do racista me chamando de "MONO HIJO DE PUTA" (macaco filha da puta)... isso eu quero ver! E aí? CARRETILHA vc me pune.. CASCUDO sou expulso... e eles? E aí ?"

Depois disso, González colocou um post no Twitter em sua defesa com foto com colegas negros. No texto, afirma que tem uma carreira limpa e que não é racista. Bem, em nenhum momento nega que tenha chamado Neymar de macaco que é a questão de fato neste episódio. A posição do Olympique é similar: não rebate a acusação específica, só evoca um passado do clube de luta contra racista e defende a reputação do seu jogador.

Neymar respondeu a Gonzalez com novo confronto: o desafiou a assumir o que tinha falado e disse que não aceitava o racismo. Não recebeu resposta. Posto o conflito, a Liga francesa terá de apurar o caso.

E o futebol francês tem um problema sério com o racismo. Matéria do "New York Times" de 2018 mostra que houve 74 casos de racismo em ligas amadoras de futebol da França até então. O jogador da Guiné Sissoko, de uma liga amadora, quase foi morto por torcedores que começaram com ofensas e terminaram com ameaças de faca: ele foi espancado.

É um ambiente que se repete em outros países europeus com mais manifestações racistas em campo do que no Brasil. Não, isso não quer dizer que por aqui não há racismo. É obvio que existe um racismo estrutural no futebol brasileiro quando observamos que dirigentes e técnicos são em sua maioria brancos, como já se discutiu por aqui no blog. E, sim, já houve episódios que geram reações indignadas como a de Aranha após ser ofendido pela torcida do Grêmio - lembre-se, ele reagiu e o clube acabou eliminado. Enfim, essa face exposta de ofensa racista na cara é mais comum na Europa.

As ligas tendem a dar punições tímidas ou acomodar as questões como já aconteceu em diversos países. Árbitros são coniventes, fazem vista grossa. Quando a Fifa mandou parar jogos por racismo, houve resistências em algumas ligas. Existe, sim, punição prevista. A pena máxima por racismo é de dez jogos de suspensão na França, similar à aplicada no Brasil.

Mas, como em outros lugares da Europa, os casos de acusações racistas só ganham manchetes e repercussão quando os jogadores adotam atitudes de aberto confronto como sair de campo, agredir o rival, chorar, ir para cima de torcedores. Foi o que Neymar fez.

Em texto posterior, o brasileiro fez uma reflexão se agiu certo ou errado ao agredir González e se mostrou, de certa forma, arrependido. Neymar, que se declara negro neste manifesto, ainda justificou sua revolta porque viu que as autoridades ou não percebiam ou fingiam ignorar as ofensas racistas.

Fato é: a atitude de confronto dele foi diretamente responsável por gerar um constrangimento na Ligue 1, em González e no Olympique a ponto de que tiveram que se mexer. Além disso, deu uma dimensão ao episódio do tamanho da sua gravidade real, gerando novo debate sobre o racismo no futebol. É um efeito bem maior do que as propagandas politicamente corretas feitas por entidades esportivas.