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Rodrigo Mattos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

CBF tem dinheiro para criar auxílio emergencial para o futebol na pandemia

Rogério Caboclo, presidente da CBF - Reprodução
Rogério Caboclo, presidente da CBF Imagem: Reprodução

03/04/2021 04h00

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O futebol brasileiro vivenciou um festival de transferências de jogos para tentar fugir às restrições impostas por autoridades pela pandemia de novo coronavírus. Jogo do Paulista no Estado do Rio, partidas remarcadas e canceladas, e até um time que viajou três Estados para voltar para casa em meio a um surto de covid. Esse movimento foi liderado pela CBF em meio ao momento mais grave da pandemia com entre 2 mil e 3 mil mortes por dia.

O desespero para jogar "de-qualquer-jeito-como-onde-der" foi simbolizado pela reunião entre clubes e a CBF. No encontro, cujo vídeo foi vazado, o presidente da confederação, Rogério Caboclo, deixava clara sua pouca disposição para sequer discutir qualquer opinião que defendesse a paralisação do futebol. Foi ríspido com quem ensaiou discordar.

Sem debate, o futebol parou total ou parcialmente apenas nos locais onde as autoridades foram mais duras, como São Paulo. Os cartolas ignoram o quadro geral sanitário do país: a maioria dos Estados continua com filas em UTIs e infecção em alta. Como argumento, apresentam protocolos que se revelaram falhos fora do ambiente do futebol e a necessidade de jogar para pagar salários.

A tese de que "o futebol não pode parar ou jogadores e clubes ficarão em dificuldade" é similar à posição defendida pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Outra similaridade entre a CBF e o governo federal é a resistência em botar a mão no bolso para ajudar os necessitados para que esses possam deixar de trabalhar para se preservar em meio a uma crise de saúde.

Ao contrário do governo federal, a CBF não sofre com falta de dinheiro. Seu último balanço publicado de 2019 - o do ano passado ainda não está disponível - indicava R$ 696 milhões em caixa. Sim, a entidade detinha esse dinheiro no banco. Não é preciso ser um gênio para saber que esses recursos são da confederação, mas pertencem, de direito, ao futebol brasileiro. Foram gerados graças à formação de atletas que transformam a seleção em um negócio rentável.

Em meio à pandemia do ano passado, após Fifa e Conmebol darem contribuições, a CBF lançou uma linha de crédito para clubes no valor de R$ 100 milhões. Eram empréstimos para serem pagos sem juros. Aos times de séries inferiores, com a C e D, a confederação injetou recursos no caixa. Fez o certo, mas foi tímido.

Com as segundas e terceiras ondas de covid, governos pelo mundo não têm se poupado em esforços para auxiliar a população mais pobre. E não faltam necessitados no futebol. Um relatório da EY, contratado pela CBF, aponta que 55% dos atletas recebem até R$ 1.000. Outros 33% ganham salários entre R$ 1 mil e R$ 5 mil. Uma terceira faixa de 4% tem salários entre R$ 5 mil e R$ 10 mil. Ou seja, é apenas um em dez atletas que ganha salários acima desse patamar.

O estudo da CBF registra ainda que há 11.683 atletas com contratos ativos. Uma conta simples nos mostra que, portanto, eram 10.748 jogadores que têm salários menores do que R$ 10 mil. São esses que precisam de ajuda para parar o futebol. Pois bem, se a CBF pagasse um auxílio de R$ 1 mil para cada um, gastaria R$ 10,7 milhões por mês.

Jogadores não são os únicos profissionais que vivem do futebol. Considerando as equipes diretamente ligadas ao campo, há comissões técnicas de diversos tamanhos nos clubes. São 847 clubes profissionais ativos no Brasil - segundo federações, esse número é menor na realidade. Considerando um total de 10 profissionais por time, seriam R$ 8 milhões por mês para bancar essas pessoas por mês - retiremos da conta equipes das Séries A e B, mais ricas.

Na pior hipótese, em que o futebol parasse por três meses de novo, a CBF teria de gastar R$ 60 milhões para bancar todos os jogadores com contratos ativos e boa parte das comissões técnicas com uma ajuda mínima. No total, a confederação usaria menos de 10% do que tinha em caixa ao final de 2019. Seria uma solução muito mais justa do que fazer esses atletas ficarem viajando pelo país sob o risco de se infectarem.

Claro que, em paralelo, a confederação poderia abrir novas linhas de crédito para clubes grandes na paralisação ou injetar dinheiro em times mais fracos. Um programa de auxílio bem feito não chegaria nem a um terço do seu caixa.

Está descrito no estatuto da CBF como uma de suas funções: "administrar, fomentar, difundir, incentivar, aperfeiçoar e fiscalizar a prática formal de futebol não profissional e profissional, em todo o território nacional". Não haveria nada mais efetivo para fomentar o futebol brasileiro em meio a uma pandemia do que manter seus jogadores saudáveis e com as barrigas cheias. Certamente seria mais útil do que reuniões on-line para dizer que os clubes "estão fudidos" se o futebol parar.