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Rodrigo Mattos

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Dívida do Galo cresce mais do que Cruzeiro: R$ 355 mi só em contratações

Rafael Menin, vice-presidente do Conselho Deliberativo do Atlético-MG - Bruno Cantini/Atlético-MG
Rafael Menin, vice-presidente do Conselho Deliberativo do Atlético-MG Imagem: Bruno Cantini/Atlético-MG

24/04/2021 04h00

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Com Thiago Fernandes e Guilherme Piu

Durante a sexta-feira, o Atlético-MG apresentou seus números financeiros: um crescimento da dívida líquida de R$ 456 milhões em 2020. Essa explosão é maior do que a vista no rival Cruzeiro em 2019, ano da derrocada azul. E é um débito cujo crescimento é causado pela gastança em contratações promovida pelo mecenas da família Menin. Ressalte-se que o Galo tem, sim, um plano para resolver o problema. Mas é bem arriscado.

Em seu balanço, o Atlético-MG registra uma dívida líquida de R$ 1,2 bilhão ao final de 2020, o que representa um aumento de 38% em relação ao ano anterior. Isso ocorreu principalmente pelos empréstimos feitos pela família Menin para contratações e pagamento de despesas. Para se ter ideia, só o débito em transferências é de R$ 355 milhões a ser pago durante o ano de 2021. São R$ 105 milhões só em débitos com agentes e jogadores.

Comparando com seu rival, o Cruzeiro teve um crescimento de R$ 278 milhões no ano de 2019 em que acabou rebaixado no Brasileiro e com seus dirigentes investigados pela Polícia. Naquele ano, o Corinthians acumulou uma alta de R$ 288 milhões em seu débito.

É preciso reconhecer que, ao contrário dos outros dois clubes, a diretoria do Atlético-MG apresentou um plano para tentar quitar esses valores a longo prazo, 2026. A estratégia foi mostrada no "Galo Bussiness Day". Não é fácil, no entanto, atender as premissas dos dirigentes atleticanos. Por quê?

Uma dívida pesa sobre um clube de acordo com sua receita. A relação de débito e receita do Galo é próxima de 4, isto é, precisaria de quatro anos de renda para pagar tudo. Neste cenário, o investimento feito em contratações representa uma alavancagem considerável para um clube cujas receitas recorrente anuais (sem vendas de jogadores) costumam girar em torno de R$ 300 milhões. Em 2020, esse valor foi bem menor: as rendas se limitaram a R$ 137 milhões, afetadas pela pandemia (o resto da receita foram vendas ou reavaliações patrimoniais).

Como contraponto, o Galo aponta que tem patrimônio e portanto capacidade de pagamento. "Temos sim, dívida, mas também temos patrimônio bem maior do que o passivo do clube. Temos patrimônio líquido positivo", diz o diretor de finanças, Paulo Braz, no evento atleticano.

O Galo aponta ter patrimônio de R$ 1,3 bilhão. Só que esse valor foi obtido em boa parte por reavaliações da sua parte do shopping e na arena, isto é, no papel sem ganho real. Fora isso, houve as contratações que encorparam o elenco. Ou seja, desta forma, o clube diz que houve crescimento de mais de R$ 500 milhões em patrimônio. E isso vai gerar dinheiro de fato para pagar contas e dívidas?

É a primeira premissa discutível do plano atleticano. O Galo avalia seu elenco em R$ 630 milhões (nem tudo foi contabilizado no patrimônio). Mas, em um mercado de futebol recessivo, será mesmo que o clube atingiria esse valor com a venda de todos os seus jogadores? Lembremos que há grande incerteza sobre o valor de cada jogador no mercado.

De resto, os dirigentes do Galo deixam claro que pretendem vender ativos para pagar uma parte da dívida. E o ativo mais atraente é a outra metade do shopping. Seu valor gira em torno de R$ 300 milhões. É suficiente para pagar as dívidas?

Do total de R$ 1,2 bilhão, o Galo afirma que 42% são de dívidas onerosas, isto é, bancos, débitos na Fifa, fornecedores etc. Ou seja, há cerca de R$ 500 milhões que precisam ser pagos ou solucionados de forma urgente. O balanço do clube indica um valor ainda maior: R$ 615 milhões a serem pagos em 2021, neste ano.

Gestor do Galo, Rafael Menin admitiu que esse é o principal problema: "A gente evoluiu pouco. No aspecto financeiro, de fato, a gente deveria ser mais rápido para debelar esse passivo. De fato, é um passivo grande. Olhando o número, a fotografia do número assusta. O Atlético tem patrimônio, venda de produtos, matchday. Dá para colocar aquele plano para rodar. Temos que ter muita governança", diz o empresário.

Segundo ele, o Atlético-MG pagou R$ 100 milhões em dívidas na Fifa nos últimos 12 meses. E tem contratos da Globo adiantados até 2023. Assim, o clube, que já tem receitas limitadas, não receberá o seu principal contrato. "Atlético tem que interromper esse ciclo que tira dinheiro do clube todos os anos", completou.

A segunda premissa discutível, portanto, é se o Galo resolve a maior parte da dívida onerosa com a venda do shopping. Para isso, a operação terá de ser muito bem executada com a obtenção de descontos e alongamentos dos débitos. Mas o problema não acaba aí.

Outra dívida é com a família Menin e com Ricardo Guimarães, dono do BMG. O total no balanço é de R$ 324 milhões. Na apresentação de negócios do Galo, a afirmação é de que o valor é maior - 36% da dívida líquida - o que deve se explicar por contratações a serem pagas. A diretoria classifica esses débitos como não onerosos porque não há juros, nem há prazo. Mas, em algum momento, terá de ser pago já que Menin afirma que não quer ficar fazendo doações "ad eternum" e pretende que o clube ande com as próprias pernas.

A projeção atleticana é que sua dívida seja reduzida à casa de R$ 340 milhões em 2026. Para isso, quitaria os débitos onerosos e a maior parte dos empréstimos dos seus mecenas.

Mas as receitas atuais não cobrem os custos do Galo. Houve superávit em 2020 só por causa de laudos de reavaliação de patrimônio e da venda do shopping. O resultado recorrente - receitas garantidas menos despesa - foi negativo de R$ 276 milhões. É verdade que teve um efeito da covid, com perdas de renda e transferência de parte delas para 2021.

Mesmo assim, o Galo atualmente não gera receita suficiente para bancar a folha de seu elenco, por isso, precisa de empréstimos também para pagar salários. Ou seja, não sobra dinheiro. "O desafio agora é produzir receitas para manter o clube em alto nível e cobrir essa folha de pagamento", diz o diretor Paulo Braz.

A terceira premissa discutível do plano atleticano, portanto, é se o Galo conseguirá aumentar receitas para resolver seu passivo. Há uma aposta clara na venda de jogadores e na Arena MRV, que estará pronta ao final de 2022. É estimada uma receita de R$ 66 milhões com o estádio, um cenário bem, bem otimista já que o Corinthians gera essa renda líquida com sua casa.

Há outra aposta de que a melhoria do desempenho esportivo vai gerar mais receitas com premiações e participações em campeonatos relevantes como a Libertadores.

Feitas todas as contas, será necessário que muitas projeções positivas se confirmem para o Atlético-MG ser bem-sucedido em seu plano para resolver sua dívida bilionária. Atualmente, o que existe de realidade são R$ 1,2 bilhão para pagar e uma receita diminuta para cumprir compromissos. E o histórico de que nenhum clube com esse nível de endividamento teve um futuro seguro no futebol brasileiro.

PS: O Atlético-MG ainda não publicou o seu balanço de 2020, mas a reportagem do UOL obteve o documento.