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Rodrigo Mattos

REPORTAGEM

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Como os clubes da Série A articularam a Liga para organizar o Brasileiro

Rodolfo Landim e Guilherme Bellintani, presidentes de Flamengo e Bahia, falam sobre criação da Liga de clubes - Igor Siqueira/UOL Esporte
Rodolfo Landim e Guilherme Bellintani, presidentes de Flamengo e Bahia, falam sobre criação da Liga de clubes Imagem: Igor Siqueira/UOL Esporte

16/06/2021 04h00

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Só se soube que os clubes tinham decidido criar uma liga para organizar o Brasileiro pouco tempo antes de eles entregarem à CBF uma carta comunicando esta decisão. Era o ato final de um desgaste entre times e a confederação que acabou resultando em um processo rápido de decisão. Era preciso tomar nas mãos o principal campeonato do país como ocorre na elite do futebol.

Como se deu este processo? As explicações que serão dadas a seguir vêm dos próprios dirigentes que participaram dos eventos dos últimos dias e foram ouvidos pelo blog.

Primeiro, a pandemia de coronavírus uniu os clubes brasileiros de elite. Houve uma facilidade maior para reuniões por serem virtuais o que as tornou mais frequentes. Ao mesmo tempo, havia problemas em comum: uma queda acentuada de receita que colocava a atividade em risco. Era preciso achar novas rendas.

Neste contexto, a relação com a CBF foi se desgastando. A entidade prometera um calendário de 2021 sem coincidência de datas entre jogos da seleção e dos clubes. Entregou um cronograma que morde 18 rodadas do Brasileiro por causa da pandemia e da Copa América. Não abriu mão de jogadores, foi intransigente. A falta de diálogo com o então presidente da CBF, Rogério Caboclo, ficou latente em reuniões com misto de autoritarismo e desconexão da realidade.

Para piorar, Caboclo enfrentou uma grave crise instalada por dois meses na entidade até que uma funcionária o acusou de assédio sexual na Comissão de Ética. Ele foi afastado do cargo no domingo, dia 8 de junho. Na visão dos clubes, abriu-se um vácuo de poder com o Coronel Nunes de volta à presidência. Na prática, vice-presidentes tocavam a entidade.

Os clubes começaram a discutir por telefone que não poderiam ficar omissos. Foi marcada uma reunião virtual para sexta-feira, dia 11. O encontro foi mantido em sigilo. Dali, saiu uma premissa: os clubes precisavam ocupar espaços de poder no futebol e a confederação estava frágil. Não havia ainda uma decisão de qual o caminho exato.

Os clubes pediram uma reunião com a CBF para terça-feira. Iriam se encontrar no dia anterior. Na noite de segunda-feira, no Hotel Windsor Marapendi, na Barra da Tijuca, presidentes de 13 clubes já se reuniram presencialmente. Estava ali a maioria da Série A e os outros acompanhavam as discussões. Já decidiram que era preciso criar uma liga para tomar a organização do Brasileiro. Houve contatos com dirigentes da confederação para antecipar em parte o teor das demandas.

A conclusão era de que só assim os clubes poderiam aumentar suas receitas de fato ao explorar o principal campeonato sem a ingerência da entidade. Era preciso agir agora. Os clubes da Série B foram contatados por meio do presidente do Avaí, Francisco Battistotti, que é presidente da associação de clubes que já foi a Primeira Liga. Seriam convidados e integrariam a liga. Sinalizaram positivamente, embora ainda não individualmente.

Na manhã de terça-feira, uma nova reunião com 19 clubes da Série A —exceção do Sport— selou as duas pautas prioritárias: 1) a fundação da liga seria montada para organizar o Brasileiro preferencialmente em 2022. Assumiria tudo do campeonato. 2) Os clubes exigiriam a mudança da eleição na CBF para voltarem a ter voto igual a federações estaduais. Foi definido estrategicamente que as pautas seriam poucas e objetivas, focadas só no mais relevante.

À tarde, os dirigentes de clubes chegam à CBF. São recebidos pelo presidente interino Coronel Nunes, outros vice-presidentes e o secretário-geral, Walter Feldman. Apresentam a carta. O Coronel Nunes se retira alegando que tem que proteger sua saúde. Menciona a covid, seu médico veta reuniões com mais de 30 pessoas. Causa desconforto entre os clubes.

Em seguida, Feldman faz um discurso citando avanços na gestão da CBF. Sua fala é recebida com descrença. Mas, no geral, a reunião se dá de forma tranquila, sem confrontos.

Os dirigentes da CBF dizem que vão analisar o pleito. Mas que só pode haver uma resposta completa quando o problema de Caboclo estiver resolvido, o que só aconteceria dali a mais 21 dias após a definição do seu afastamento provisório. O entendimento na confederação é de que não há como dar uma posição sem uma definição do poder. Por enquanto, há posições diversas na cúpula, e nenhuma resistência ainda montada ao projeto.

Formalmente, a CBF tem a prerrogativa de barrar a liga juntamente com as federações Estaduais. Seu estatuto lhe dá exclusividade na organização de competições nacionais, e só a Assembleia de federações pode aprovar ligas.

Dirigentes de clubes saem com a certeza de que a CBF não tem poder de contê-los. A ideia é tocar a montagem da liga, contratação de executivos, formação de empresa etc. A decisão unânime é ninguém volta atrás ou recua.