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Rodrigo Mattos

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Uefa cria elite isolada na Euro enquanto pregava igualdade contra Superliga

Aleksander Ceferin, presidente da Uefa - Harold Cunningham - UEFA/UEFA via Getty Images
Aleksander Ceferin, presidente da Uefa Imagem: Harold Cunningham - UEFA/UEFA via Getty Images

04/07/2021 04h00

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A realização da Euro e da Copa América em paralelo cria uma comparação cruel para o torneio sul-americano. A impressão é que um campeonato é a Série A e outro, a Série B. É até difícil avaliar o nível da seleção brasileira jogando contra adversários que não demonstram a mesma qualidade das melhores equipes do mundo.

Nem sempre foi assim. É fato que a Europa teve todos os semifinalistas da última Copa-2018. Mas, nas edições anteriores, havia sul-americanos - dois em 2014, o Uruguai, em 2010. E, mesmo no último Mundial, os sul-americanos até deram um trabalho nas quartas e oitavas a seleções de elite europeia.

A partir daí, houve um distanciamento entre os continentes nos últimos anos. E uma das principais explicações está na decisão da Uefa de criar a Liga das Nações. A competição é um torneio só entre seleções do continente que ocupa todas as datas-Fifa e teve sua primeira edição disputada entre 2018/2019.

Ora, com todas as datas-Fifa ocupadas pelo torneio, as seleções europeias praticamente não enfrentam mais times de outros continentes entre as Copas do Mundo. Não é à toa que o técnico da seleção, Tite, já apontou o fato de não conseguir marcar jogos com equipes do velho continente. Não há datas.

Obviamente, a Europa já era a elite do futebol mundial com a maior concentração de seleções em alto nível. Jogando entre si, tornam-se mais fortes. Já os times de outros continentes não conseguem testar suas forças, não percebem de perto evoluções táticas e a tendência é ficarem para trás.

É um efeito parecido com a NBA no basquete. Quando os jogadores da Liga passaram a atuar nas Olimpíadas, isso aumentou o nível das outras seleções pela interação com os norte-americanos. De início, eram lavadas. Depois, os EUA continuaram superiores, mas a distância diminuiu.

No final da linha, a medida da Uefa isola e elitiza o futebol de seleções de seu continente em relação aos outros, quase como uma reserva de mercado. Obviamente, tem ganhos financeiros com isso com a venda dos direitos de televisão e patrocínio da Liga das Nações.

É irônico notar que trata-se da mesma Uefa que combateu a criação da Superliga de clubes - torneio inventado por 12 superclubes que não teria rebaixamento e seria disputado de forma isolada. A alegação era de que os clubes queriam criar uma elite apartada do restante do mundo do futebol. "O egoísmo está substituindo a solidariedade, a ganância mais importante do que a lealdade e os dividendos mais importantes do que a paixão", disse na ocasião o presidente da Uefa, Aleksander Ceferin. Ressaltou que os clubes deveriam respeitar as tradições do futebol que construíram suas grandezas.

Pois bem, a Liga das Nações da Uefa é um torneio egoísta que não mostra nenhuma solidariedade com os outros continentes, em que a ganância fala mais alto, e que não respeita a tradição de que o futebol é global em confrontos durante quatro anos, não só na Copa. Como resultado, Ceferin conseguiu montar sua elite de seleções apartada do mundo. E lucra com isso com um torneio de elite como a Euro que se torna sem concorrência no mundo.