Topo

Rodrigo Mattos

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Dívidas na Fifa geram cenário nebuloso para futuro das SAFs

Ronaldo Fenômeno conversa com técnico cruzeirense - Gustavo Aleixo/Cruzeiro
Ronaldo Fenômeno conversa com técnico cruzeirense Imagem: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

05/04/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

As SAFs (Sociedades Anônima do Futebol) têm responsabilidade pelo pagamento das dívidas dos clubes por meio de receitas e dividendos. Mas as associações continuam a ser, de fato, as devedoras. Essa estruturação jurídica gera um cenário nebuloso sobre os débitos na Fifa dos times - pendências que podem inviabilizar o futebol das empresas.

Até agora clubes grandes como Botafogo, Cruzeiro e Vasco já assinaram acordos para vendas de suas SAFs - os dois últimos ainda não têm contratos definitivos. Os negócios foram feitos com base na Lei da SAF. Mas já existe discussão em tribunais sobre a possibilidade de se cobrar as empresas por dívidas das associações.

O principal desafio, no entanto, é relacionado aos débitos na Fifa e no tribunal da CBF. As pendências nos tribunais na entidade são relacionados ao não pagamento de clubes, jogadores ou agentes. Pela legislação da Fifa, há uma possibilidade, no artigo 24bis do código disciplinar, de que clubes insolventes possam ter suas cobranças e punições suspensas.

Esse cenário gera uma série de questões: a SAF é a sucessora das associações perante os débitos na Fifa? Em caso de recuperação judicial, a associação ou clube pode ter punições na Fifa suspensas? A SAF pode priorizar o pagamento de débitos esportivos em relação aos outros credores se estiver incluída em um processo de centralização de débitos ou de recuperação judicial? O clube pode ficar impedido de pagar e ser punido?

Ouvidos pelo blog, os advogados Pedro Teixeira e Carlos Eduardo Ambiel, especialistas em legislação esportiva, entendem que há questões em abertos por conta de a lei ser bem recente.

"Com relação ao RCE (Regime Centralizado de Execução), a Lei 14.193/21 criou esse instituto muito recentemente e a Lei é muito lacunosa em diversos pontos, principalmente, quanto aos créditos que são submetidos (ou não) ao procedimento", disse Pedro Teixeira. Ele entende que os tribunais do Brasil devem seguir o que já vem sendo praticado em regimes de recuperação judicial, isto é, incluir todos os débitos dentro da cobrança na fila de outros credores - assim, estariam dentro as dívidas da Fifa.

"Sobre o tema, no âmbito do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), que atua, a nível internacional, como "Suprema Corte", onde os casos relacionados ao futebol são julgados em instância final e que impõe as chamadas "dívidas FIFA", é possível concluir que nos casos de clubes envolvidos em processos concursais (semelhantes à recuperação judicial/extrajudicial), o pagamento da dívida imposta pelo tribunal arbitral, em tese, deveria ser realizado na forma do plano negociado entre o clube e seus credores, respeitada, assim, a lei concursal vigente do país de origem da entidade desportiva", completou.

Em resumo, os débitos da Fifa teriam de ser pagos dentro dos processos de recuperação judicial. A questão é se os tribunais da Fifa irão ou não suspender as punições aos clubes/SAFs. Afinal, o clube não estaria deixando de pagar imediatamente por sua vontade, mas por regra da Justiça.

O advogado Carlos Eduardo Ambiel entende que casos de dívidas dentro do RCE (centralização judicial dos débitos) não devem gerar suspensão das cobranças. Mas é possível que isso ocorra com os casos de insolvência. Com Ronaldo, o Cruzeiro já optou pela recuperação judicial. Aí há outra discussão é se a SAF é sucessora dos clubes dentro do sistema desportivo e dos tribunais da Fifa.

"É difícil afirmar com certeza, pois caberá aos tribunais administrativos da FIFA a interpretação do alcance da expressão "situação de insolvência". Em regra, a insolvência atingiria aqueles clubes que se encontrem em situação de falência ou, para o caso brasileiro, também de recuperação judicial, procedimento que pode até resultar em falência, com a liquidação de ativos da associação. No entanto, não me parece que a adoção do Regime Centralizado de Execução, previsto na Lei das SAFs, será considerado uma modalidade de insolvência", analisou Ambiel.

E completou: "Sem prejuízo, a SAF é a sucessora dos ativos desportivos e, como tal, passa a fazer parte do sistema federativo. Ou seja, quem fica sujeito às decisões dos tribunais da FIFA é a SAF, mas quem continua com as obrigações de pagamento em juízo ou normalmente solicita recuperação judicial é a associação. Como são pessoas distintas, acredito que a FIFA não considerará a SAF em uma "situação de insolvência", a não ser que considere que o fato de a SAF ser responsável por parte da divida da associação pode colocá-la nessa situação. Acredito que não seja o caso mas, diante da peculiaridade do modelo brasileiro, será necessário esperar para ver como o Tribunal da FIFA receberá esses pedidos."

O advogado Pedro Teixeira também entende que a SAF é sucessora do clube nos débitos na Fifa. Ou seja, estaria sujeita a punições deste no âmbito esportivo. Segundo ele, um ofício da CBF corrobora essa posição em relação aos débitos no CNRD (tribunal da CBF para dívidas entre clubes, jogadores e agentes).

"Nesse ponto, é importante destacar que a FIFA conceitua "clube" como entidade desportiva membro das associações nacionais vinculadas a ela e, mais precisamente na forma do art. 20 do seu Estatuto, identifica os clubes como entidades dotadas de personalidade jurídica própria, independente da forma jurídica que adotem para se organizar e adequar às leis dos país de origem. Isso significa que, de acordo com a interpretação literal do Estatuto da FIFA, corroborado por algumas decisões já proferidas pela FIFA, a entidade desportiva que sucederia outra e, assim, assumiria a exata posição, numa perspectiva estritamente desportiva, do clube substituído, seria, assim, responsável por todas as obrigações não cumpridas pela entidade desportiva originária."

Atualmente, há mais perguntas do que certezas sobre como funcionará o pagamento dos débitos da SAF, e os conflitos entre a Justiça nacional e as cortes esportivas. "Portanto, os entendimentos em âmbito "administrativo" do futebol (FIFA/TAS/CNRD) podem desafiar a aplicação das regras dispostas em lei pelo Congresso Nacional", completou Teixeira, que destaca que as questões são importantes em clubes com alto nível de endividamento.