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'Quero árbitros esquecendo do VAR para decidir', diz chefe de juízes da CBF
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Com Igor Siqueira
Após seis anos na Conmebol, o ex-árbitro Wilson Seneme assumiu o cargo de chefe de arbitragem da CBF. Havia uma diferença marcante entre a condução do apito nas duas entidades. E Seneme deixa claro que chega à confederação para uma mudança radical: redução do uso do VAR a lances excepcionais, menos intervenção com marcações de falta. Seneme quer ver mais jogo.
É o que contou em entrevista ao UOL Esporte. Essa entrevista será publicada em duas partes, uma com questões do VAR e condução jogo. A segunda parte vai tratar de discussões disciplinares e relacionamento com clubes.
A gestão Seneme começa às vésperas do Brasileiro da Série A, que começa neste sábado. O ex-árbitro deixa claro que suas mudanças exigem certo tempo. Não por acaso fechou um contrato de quatro anos com a CBF, com liberdade para trocar equipe e conduzir o quadro de árbitros.
Além da Conmebol, Seneme tem uma participação grande nas discussões de arbitragem da Fifa. Suas orientações sobre as modificações na arbitragem nacional são também pautadas pelo que conversa no exterior. Veja abaixo as principais perguntas e respostas com Seneme:
Blog: Seneme, vou começar perguntando sobre algo que vejo como bem diferente do que era feito na Conmebol para a CBF, que é o VAR. Me parece que na Conmebol é bem menos intervencionista. Primeiro, gostaria de saber se você concorda com essa percepção? E se você tem intenção de fazer algo mais parecido com a Conmebol, com menos participação?
Seneme: Vou responder a segunda primeiro. Eu quero fazer um VAR mais parecido do que eu fiz na Conmebol. Essa é a primeira resposta. A sua primeira pergunta: na minha opinião, eu comecei com o VAR no começo porque a Conmebol foi a primeira confederação continental que implementou o VAR. A gente adquiriu bastante experiência. E o resultado final da quantidade de revisões que existe no jogo passa muito por dois fatores: 1) A fortaleza e a segurança que os árbitros de campo estão trabalhando. Quanto mais se mantém desfocado do VAR, se mantém querendo tomar decisões, assumir responsabilidade e querendo viver o jogo, você diminui muito a margem de erro. Você leva só para a margem de interpretação, que passa a não ser intervenção VAR. 2) O VAR entenda que ele é um assistente. Assim como um bandeirinha que tem faltas que são do árbitro, tem outras que ele pode colaborar. Mas não é papel do bandeirinha marcar falta. O papel do bandeirinha é o lateral e impedimento, e o árbitro faltas. O VAR tem que se localizar como assistente. A decisão não é dele, não é ele que está apitando o jogo. É diferente. Apesar de ele tomar uma decisão se o árbitro vai revisar uma jogada ou não, ele parte de uma decisão. Ele analisa a decisão que o árbitro tomou. Ele tem que avaliar se essa decisão é interpretativa ou se é um erro. Um erro grave desse árbitro que está tomando. O que a gente vê, não estou fazendo referência ao Brasil, os VAR, ante a uma dúvida, dar uma segunda chance para o árbitro. E isso não corresponde.
Blog: Situação duvidosa então você entende que não corresponde ao papel do VAR?
Seneme: Não sou eu que entendo. O VAR é isso. É assim o VAR. Por isso que se o árbitro do campo tem as mesmas instruções, a mesma interpretação, o VAR participou da mesma interpretação, isso é como um bluetooth vai estar ligado (entre as partes). Eu identifico conceitos que o árbitro também identifica. Se você tem essa conjunção, automaticamente, você tem um resultado com menos revisões. Ninguém pode chegar em uma reunião de árbitros e falar 'Gente, vamos diminuir as revisões' Que sentido tem isso?
Blog: Vira o número pelo número.
Seneme: Exato. Isso vira uma estatística para depois. Não existe isso.
Blog: O que você quer é comunicar ao árbitro quando ele deve fazer ou não a revisão e naturalmente aconteça isso?
Seneme: O que quero é ver árbitros esquecendo do VAR para tomar uma decisão. Que ele busque a melhor decisão para o jogo. E que o VAR entenda o seu papel que é ser uma assistente do árbitro que busca um erro claro dele. Se não houve um erro claro, é uma situação que pode ter interpretações, a gente não está falando de uma situação VAR. Ao longo do tempo, não é de um dia para o outro. Ao longo do tempo, as pessoas vão entendendo. 'Neste lance aqui não vai ter VAR' 'Ah, mas pegou aqui?' 'Não vai ter VAR aqui' Se você passa a mensagem de que na dúvida ele vai ver, aí cara você vai ter um jogo parado, discutido, brigado, e não jogado. Se você tem um árbitro forte no campo, o jogador respeita o árbitro. O jogador sente quando o árbitro está bem no jogo. O jogador olha e fala 'O cara está bem'.
Blog: Os árbitros brasileiros estão muito distantes desse ideal?
Seneme: Não é que estão distantes. Para eu estar aqui, e essa mudança que aconteceu na arbitragem brasileira, é porque a coisa não estava bem. Por que, se não, não havia necessidade de mudar. Eu não posso estar aqui para fazer o que estavam fazendo. E, sim, é uma referência que eu tive, que me deu a impressão. E, naturalmente, os árbitros do campo estavam muito mais fragilizados e sem credibilidade. O que a gente quer a partir de agora é fortalecer esse árbitro. Que ele tenha força, personalidade, a estrutura de uma autoridade em campo, não autoritário. E que seja respeitado pelas suas decisões. E que o VAR seja um seguro para o jogo. O jogo, em princípio, não deveria terminar todo o jogo com uma revisão. Em princípio, não deveria ser isso.
Blog: Deveria ser um fato excepcional
Seneme: Exato. Foi criado para as coisas excepcionais e escandalosas que, na história do futebol, marcaram. O que fez a UEFA implementar o VAR nas eliminatórias? Não tinham VAR. Só tinha a Sul-Americana. Foi aquela jogada do gol de Portugal que a bola entrou.
Blog: Assim como a Escócia ficou fora antes (da Copa).
Seneme: Então, esse tipo de jogada. O que a UEFA fez, próxima rodada das eliminatórias, começou com VAR. É para isso o VAR: para escândalo, para jogadas grosseiras. Jogadas finas, do jogo, é de contato. É um esporte de contato físico. Para mim, pode ser um contato de falta. E para você, pode não ser que derruba o jogador.
Blog: Aí vou entrar na segunda questão: a arbitragem da Conmebol me parece menos intervencionista também em relação ao jogo de falta, número de faltas. Você talvez tenha um limite em países europeus onde há pouca falta, o Brasil está no limite onde tem muita falta. E a Conmebol está no meio, mais para a Europa. Em uma leitura grosseira. É o que você quer?
Seneme: O que quero é ver jogo. Quero que os árbitros olhem para os jogadores e falem 'Joga, não fala'. É isso que eu quero. Que os árbitros tenham isso como espírito, que queiram ver o jogo, buscar o jogo. Que o jogador queira jogar. Da minha parte, arbitragem é isso. Estou falando quase a mesma resposta (do VAR). Por que se tenho um árbitro forte é uma sequência lógica. Ninguém chega em uma reunião e fala: 'Gente, vamos marcar menos falta' Como assim? Falta é falta, você não marca menos ou marca mais. Marca as que são.
Blog: Mas pode haver uma revisão com os árbitros indicando o que é falta ou não?
Seneme: Se um jogador comete muitas faltas, tem que ser advertido com amarelo. Agora imagina se os 22 jogadores cometem muitas faltas, você acaba o jogo? Você vai acabar o jogo? É isso que o bom senso diz? Não. Isso criou uma dificuldade para o árbitro. O Árbitro tem que ter essa fortaleza das decisões que estão no limite - o cara caiu por um agarrãozinho ou caiu porque viu a camisa sendo puxada. Por que se ele caiu porque viu a camisa puxada, não é falta. Está na regra do jogo. Isso está na regra, escrita, que agarrões e empurrões, só são considerados faltas se impedem o adversário de jogar. E é isso que a gente quer que o árbitro aplique. Essa coragem e força de aplicar esse tipo de critério. E o jogador vai entender. E a gente vai ver mais dinâmica. Não tem perfeição. Estou falando e parece muito fácil.
Blog: Em termos de estrutura, o Ednaldo tinha prometido uma reestruturação da arbitragem. O que ele combinou contigo?
Seneme: A minha conversa com o presidente Ednaldo foi bem simples e rápida. A gente vai ter liberdade para trabalhar. Eu tenho uma linha de trabalho, de departamento e filosofia. Vai ser necessário mudanças de pessoas, de comportamento, estruturas. Em princípio, pela conversa que tivermos, a gente vai ter liberdade. Eu fui contratado por quatro anos, não por quatro meses.
Blog: Ele teve esse compromisso com você?
Seneme: O meu contrato é de quatro anos. Vou cumprir meu contrato. Vou implementar uma nova filosofia de arbitragem na CBF.
Blog: Agora, Seneme, não é difícil implementar uma nova filosofia em um quadro de arbitragem muito grande como é o da CBF? Na Europa, trabalha-se com quadros menores, 20, 30 no máximo?
Seneme: Os árbitros na CBF são divididos em categorias. Vou rever essa categorização. E vou institucionalizar o perfil do árbitro moderno. Qual o perfil do árbitro ideal, tecnicamente, fisicamente, psicologicamente? Qual a facilidade de comunicação, com tecnologia? A gente precisa selecionar para cada árbitro. Os árbitros da Série C e D não podem transformar do dia para noite para Série A. A Série A o árbitro que apita tem que comemorar, como na Premier League. Ele tem que se sentir valorizado. As conquistas que ele vai ter ao logo da carreira, que vai desenvolver sua carreira. A Série B, é extremamente importante, o árbitro da Série A vai estar disponível para a B.
Blog: Tem um tamanho ideal?
Seneme: Se me perguntar o número ideal, é de 40 árbitros. Mas temos que avaliar se temos qualidade para 40. Um jogo que sai muito errado ele condena muitos que foram bem. Então, a gente precisa cuidar muito desses jogos. E que os árbitros da Série B, com potencial, que alguns jogos com potencial aproveitem e demonstrem não em um jogo, mas em uma sequência da temporada. Aí ele vai comemorar aquele jogo da Série A quando chegar. Todo processo tem que ser respeitado.
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