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'Liga no Brasil está atrasada e é necessária', diz executivo da Globo
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Maior compradora de direitos esportivos do Brasil, a Globo acompanha com atenção as negociações e divergências para formação da Liga para organizar o Campeonato Brasileiro e o calendário do futebol. Ambos os pontos têm a possibilidade de impacto considerável nas competições, afetando o seu valor comercial.
Em entrevista ao blog, publicada em duas partes, o diretor de direitos esportivos da Globo, Fernando Manuel Pinto, mostra-se otimista sobre a formação da Liga: aponta que é uma evolução necessária para o país. Ao mesmo tempo, ressalta que não dá para fazer 'meia liga ou duas ligas em um evento', isto é, ter apenas uma parte dos clubes para organizar o Brasileiro.
Lembremos, os clubes das Séries A e B estão divididos em dois grupos no momento. De um lado, os times paulistas e cariocas, menos o Fluminense, que formam a Libra (Liga de Clubes do Brasil). De outro, um grupo de 25 clubes - entre eles, Fluminense, Inter e Atlético-MG - que questiona a divisão de dinheiro proposta pela Libra.
Sobre o calendário, Fernando Manuel detalha que o cenário ideal seria um Brasileiro estendido por toda a temporada, como já é feito com a Libertadores e a Copa do Brasil. A Globo já deixou claro que vai priorizar a compra de direitos de competições nacionais e internacionais, como essas três, com Estaduais em segundo plano. São justamente os Estaduais que atrapalham a expansão da Série A. Veja a segunda parte da entrevista com o diretor da Globo:
Blog: No mercado, observa-se uma tendência de crescimento dos valores pagos por TVs pagas com um dos objetivos de explorar os direitos dentro de seus canais de streaming. A Globo não obteve direitos da Libertadores para isso, mas os tem no Brasileiro e os explora no Premiere. A Globo fará alguma mudança na sua estratégia de exploração de jogos, hoje divididos nas plataformas TV aberta, Premiere (canal pago), SporTV (TV a cabo)? Há possibilidade de exploração no futuro de jogos exclusivos dentro da sua plataforma de streaming Globoplay?
Fernando Manuel Pinto - Você sabe, atuo aqui no último terço do campo, na relação e negociação com o futebol em si? Globo tem áreas competentes que lidam com a estratégia de distribuição, construindo os produtos em si e os levando ao público.
Agora, você está certo quanto ao aquecimento do mercado entre as plataformas pagas, mas o quadro se verifica também entre os players de oferta gratuita de conteúdo, seja na aberta tradicional ou no streaming. Futebol gera alavancas e relevância aos negócios, tanto para venda de publicidade quanto de assinaturas. A Globo tem mirado direitos de forma estratégica, responsável. Uma equação de oferta de conteúdo e resultado geral. Muitas vezes alcançamos o objetivo da aquisição de direitos que perseguimos, noutras não. Infelizmente, perdemos o último Mundial de Clubes, por exemplo. Não dá para buscar tudo, digo todos os eventos ou todos os direitos de cada evento, o que força a fazer escolhas. Igual no futebol em si. Cada jogo é uma batalha. O calendário é longo.
Blog: Apesar de ter as três principais competições do país, a Globo tem um número menor de jogos em TV aberta durante os três primeiros meses da temporada, de fevereiro a abril, porque não tem mais os Estaduais do Rio e de São Paulo (no Paulista, tem os direitos para o Premiere). A Globo entende que essas competições não valem mais o que era pago pelos seus direitos na TV aberta? A volta da Libertadores e eventual manutenção da Copa do Brasil suprem a necessidade de jogos nesse período? A existência de programas de entretenimento, Big Brother como exemplo, ameniza a redução de jogos?
Fernando Manuel - Como disse, tem se buscado modelos eficientes, com responsabilidade e foco, não apenas no produto final oferecido, mas também no resultado geral dos negócios. Buscar tudo seria maravilhoso, mas será que funciona, no final das contas, pagar por tudo? O portfólio de futebol da Globo é forte e integra a oferta da empresa junto de outros grandes conteúdos.
Passamos a focar nas competições nacionais e internacionais? Sim, e antecipamos que isso ocorreria. Ainda assim, quando se revelou viável de parte a parte este ano, adquirimos Estaduais para exibição local na aberta e nacional no Premiere. Foi o caso do Mineiro, do Gaúcho, Pernambucano e Catarinense, por exemplo. Esses Estaduais foram exibidos pelas emissoras ou afiliadas da TV Globo nas respectivas praças. Fizemos com os clubes e federações parcerias ao redor das vendas do Premiere para levar ao público o maior e melhor pacote do Paulista, além do Mineiro e do Gaúcho.
Blog: Como a Globo acompanha as negociações de clubes das Séries A e B para montarem uma Liga de clubes do Brasil para organizar o Brasileiro? Já houve conversa com algum dos dois grupos de clubes - Libra e Forte Futebol? Para a Globo, como produto, um campeonato vendido inteiro pela Liga seria mais atrativo do que a venda fragmentada atual por clubes ou mesmo por blocos de clubes?
Fernando Manuel - Acompanho com atenção e certo otimismo. O surgimento de uma Liga no Brasil está mais do que atrasado e é necessário. Até pouco tempo ouvia dúvidas de que deveria existir uma Liga no Brasil e pouquíssimo empenho dos envolvidos. Soava estranho, até porque há décadas o mercado internacional evolui tendo na atuação das Ligas sua grande força. Hoje, há empenho dos clubes, uma sinalização da CBF, uma expectativa do mercado. Esse ambiente de discussão e criação das SAFs também ajudou, creio. A Globo mantém diálogo constante com os clubes e quem procura atuar com eles. O futebol é importante para a empresa.
Falamos com clubes e agentes relacionados aos dois grupos que você cita, ainda que não haja ainda qualquer negociação em curso, já que os clubes, de forma geral, sinalizam que neste momento priorizam a centralização dos direitos. Não existe 'meia liga' ou duas Ligas no mesmo evento. Ou haverá uma entidade de clubes, com gestão completa do campeonato e de seus ativos e que alinhe aspectos institucionais com CBF ou o futebol brasileiro seguirá sem experimentar os benefícios da estruturação de eventos esportivos que impulsiona marcas mundo afora.
A formação de grupos ajuda hoje no encaminhamento das discussões, mas isso deve ser evitado como fim. Grupos de clubes ou vendas individualizadas podem não dividir adequadamente direitos nem resultar em algo construtivo ou racional. Podem acabar dividindo é o futebol, o que é perigoso e ineficiente para os clubes, ainda que agentes de mercado possam lidar, se adaptar a isso se for o caso.
Blog: Além dos movimentos para criação da Liga, a CBF tem uma nova presidência com a eleição de Ednaldo Rodrigues. Um dos temas a serem discutidos é o calendário. Como o calendário do futebol anual impacta a exploração dos direitos dos jogos adquiridos pela Globo? Poderia haver uma distribuição melhor de jogos do que a atual?
Fernando Manuel - O calendário é de atribuição da CBF e dos clubes. É como o futebol decide ter seu produto organizado e oferecido ao público e ao mercado. A Globo e demais players de mercado, exibidores ou patrocinadores, avaliam os produtos expostos na prateleira e reagem a ela. É o que, às vezes, chamo de 'resposta comercial', comprando ou não determinadas propriedades e calibrando os investimentos. Conmebol, por exemplo, colhe hoje frutos da reestruturação de seu calendário, estendendo tanto a Libertadores quanto a Sul-Americana durante toda a temporada, desde 2017. Acertou em cheio. A CBF com a Copa do Brasil também, antes até, quando evento passou a ser mais extenso e embarcou os clubes da Libertadores. O público e o mercado responderam.
Olhando para o Campeonato Brasileiro, acho que faria sentido como produto esportivo, para o público, e também comercial, adotar algo similar: ocupar datas durante toda a extensão da temporada. Geraria atenção dos torcedores para o nosso futebol de forma nacional o tempo todo, via a competição mais forte. É a que tem regularidade de jogos e clubes teriam melhores condições para priorizar aquela que é a competição mais valiosa.
Teria também impactos positivos na geração das diversas receitas pelos clubes, contribuindo para maior equilíbrio inclusive, entre clubes e distribuído ao longo de todo o ano. Cada produto regional tem potencial comercial limitado pela respectiva região. Inevitável.
No hipotético cenário de um Brasileirão de ano todo, jogado principalmente nos finais de semana, outras competições se encaixam ainda melhor nas datas de meio de semana. A Europa faz assim e tem dado muito certo, né? Os Estaduais poderiam ser realocados em datas de meio de semana, da mesma forma que a Copa da Liga Inglesa é jogada na Inglaterra, por exemplo. Aqui, as competições da Conmebol e Copa do Brasil já jogam e são extremamente bem-sucedidas. Daí para o nacional em um ou dois finais de semana e faz neles as finais dos Estaduais, como Libertadores e Sul-Americana. Seria um barato, diversas disputas de título regional em mata-mata, animando clubes e torcedores em meio à dura e longa disputa do Brasileiro, que é de pontos corridos, onde foco de alguns está no título, mas de outros está nas vagas das Copas ou na luta contra rebaixamento.
Atenderia público e mercado tão bem ou melhor do que hoje, em que ficam ali no começo do ano, com clubes ainda se estruturando e muitos já pensando em outras competições, no auge do verão e ainda espremendo o Brasileirão. Jogar menos e melhor.
Blog: Houve um aumento da concorrência pelos direitos de televisão no Brasil desde 2016, com a Warner, e se acentuou em anos recentes com SBT, Record e plataformas estrangeiras, como Amazon, Paramount, entre outras. Os valores pagos pelos direitos das competições nacionais aumentaram por conta dessa concorrência? Como a Globo vê esse novo cenário de mercado?
Fernando Manuel - Sim, forte concorrência, mas não é algo exatamente novo. O mercado responde ao que tem valor, e futebol é valioso, ainda que tenha que seguir aprimorando como produto para ser ainda melhor. Tudo que é forte tem potencial e o dever de seguir evoluindo. A qualidade e agilidade do jogo em si e do VAR, a estética dos palcos, maior dedicação ao combate à pirataria e atenção a tudo que possa impactar para quem investe no produto e sua exclusividade, na capacidade de fazer negócios com o ativo. Em tese, só se paga por aquilo que se pode extrair resultados.
Quanto ao impacto nos investimentos, acho que tivemos casos e casos. Até porque, nessa dinâmica de compra e venda de direitos, há elementos estratégicos preponderantes. Tanto para estruturar, embalar o produto e vender direitos, quanto para disputar sua aquisição e ofertar ao público. Já vi produto bom, vendido por gente competente, flopar, fracassar no processo de venda, por exemplo.
A Globo corre na sua raia, se esforça e usa suas alavancas estratégicas nas corridas que avalia que caiba correr e não dá para estar em todas. Escolhas precisam ser feitas. Creio que os demais players façam o mesmo em suas respectivas raias também. É a dinâmica de um mercado como esse, cada vez mais maduro.
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