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Rodrigo Mattos

REPORTAGEM

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Bahia terá estilo de jogo como City e reforços decididos por plano global

Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, discursa durante DIa de Bahêa Especial - Felipe Oliveira / EC Bahia
Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, discursa durante DIa de Bahêa Especial Imagem: Felipe Oliveira / EC Bahia

30/09/2022 04h00

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A negociação entre Bahia e o Grupo City demorou praticamente um ano: partiu do desinteresse para um proposta concreta para compra da SAF. Durante este período, houve concorrência de outros clubes brasileiros que conversaram com o grupo de propriedade do Sheikh Mansour, de Abu Dhabi. Mas, aos poucos, a diretoria do Bahia e o City foram encaixando seus planos até se alinharem pela oferta de R$ 1 bilhão anunciada na última sexta-feira (23), em sessão do Conselho.

Em entrevista ao blog, o presidente do Bahia, Guilherme Bellintani, conta como foi o processo de negociação, como serão investidos os R$ 500 milhões em contratações, como o estilo de jogo do Bahia terá de se adaptar ao Grupo City, o destino de R$ 200 milhões extras para infraestrutura e quais as expectativas esportivas para a parceria.

"Não vamos ganhar o Campeonato Brasileiro todo ano, ou ter o domínio pleno do futebol brasileiro. Não é isso o projeto. O projeto é ter uma dimensão nacional. É estar de forma recorrente na Libertadores, após alguns anos de projeto, de forma recorrente no continente", contou o dirigente.

A previsão de orçamento de gasto mínimo de futebol com a parceria é de R$ 120 milhões ou 60% da receita, fora os reforços. É um patamar entre até o décimo na tabela de gastos, na visão de Bellintani. Mas sua aposta é de que o know-how e tecnologia do Grupo City para o futebol façam a diferença para alçar o clube a voos altos.

As contratações, por exemplo, serão feitas com base no scout do grupo City. Os jogadores que chegarem para compor o elenco terão de adaptar ao estilo do Manchester City, que atualmente é decidido pelo técnico Pep Guardiola e seu jogo de ataque por posição. E o próprio treinador a assumir o Bahia também será escolhido com o mesmo critério.

Ressalte-se que, após a apresentação do projeto, ainda será preciso aprovação da venda da SAF a ser feita pelos sócios do Bahia. Antes disso, o Conselho Deliberativo fará um parecer com uma recomendação para os sócios. Veja abaixo as explicações de Bellintani:

Blog: Como foi o primeiro contato com o City? Foi o Bahia que procurou o grupo ou o contrário?

Guilherme Bellintani: Depois da aprovação da Lei da SAF -participei bastante da aprovação da Lei da SAF- a gente começou, eu e o Vitor Ferraz (vice do Bahia), conversamos como víamos a lei e qual movimentos faríamos. Pensamos que deveríamos trazer para o torcedor do Bahia o melhor projeto possível para que ele avaliasse, para não fazer uma avaliação genérica. O ideal era que fosse feito como um caso concreto. Discutimos 15 dias, organizamos uma lista de parceiros em potencial. E colocamos no topo desta lista o City Football Group. Se fosse o ideal, seria o City. Não queria um fundo só com cheque. Queria dinheiro, projeto e know-how. Colocamos o City. Conseguimos uma interlocução com o grupo. Conversamos em outubro de 2021. A reação inicial foi que já estavam com conversas iniciais e não tinham interesse de conhecer o Bahia. Pedi para mandar as informações sobre o clube com compromisso de que lessem. Mandamos as primeiras informações. Pediram informações complementares e mandamos. Mandamos informações complementares que estavam bem completas. Essa parte foi bem importante pois foram informações com transparência e com consistência. Era um clube auditado, dívida conhecida, controlada. A partir de novembro, teve uma conversa. Em dezembro, assinamos uma cláusula de confidencialidade. Estava ganhando corpo. Em fevereiro, teve um acordo de MOU (Memorando de Entendimento).

Blog: Havia clubes brasileiros concorrendo com o Bahia?

Bellintani: Diria que estávamos concorrendo até os últimos momentos. Até maio e junho, havia outros clubes trabalhando nesse projeto e com conversas em andamento. O que combinamos é que eles compartilhariam com a gente quando parassem de conversar com outros clubes. Então, foi em estágios. Primeiro momento, desinteresse (pelo Bahia). Segundo momento, passou a ser avaliado sem ser prioridade. Terceira, como clube de prioridade que estavam em negociação. Quarto, tinha conversa única só com o Bahia.

Blog: Qual foi a estratégia que deu vantagem ao Bahia nesta concorrência? Por que entende que o City escolheu o clube?

Bellintani: A qualidade das informações. A gente foi muito reto e direto no que a gente pretendia. A conversa inicial foi muito parecida com o termo final do negócio. Mesmo que muita coisa foi negociada durante o caminho. Queremos um clube forte, investimento em futebol, mais vencedor do que é hoje, queremos tecnologia. Estamos disposto a abrir mão sobre controle do futebol. Vocês (City) precisam ganhar dinheiro no projeto, não vemos como abutres. Não temos problema em ceder 90% da SAF. A terceira foi o clima, isso pesa na negociação, com clima positivo sem parecer que outro está querendo se aproveitar. É difícil fazer com quem tem muito dinheiro e quem negocia por uma torcida grande. Foi uma negociação leve para não inviabilizar o negócio. A visão deles é que (o Bahia) tem o potencial muito maior do que é hoje. É diferente de investir em um clube com potencial já alcançado. Está longe de estar no teto.

Blog: O City Group tem o hábito de montar times para serem satélites e não competitivos, com exceção do Manchester e, em menor escala do New York City. Por que entende que o acordo com o Bahia é diferente?

Bellintani: Não há compromisso contratual de que o Bahia estará como vencedor no topo do futebol brasileiro. O que quero dizer como vencedor? Não vamos ganhar o Campeonato Brasileiro todo ano, ou ter o domínio pleno do futebol brasileiro. Não é isso o projeto. O projeto é ter uma dimensão nacional. É estar de forma recorrente na Libertadores, após alguns anos de projeto, de forma recorrente no continente. Ser mais competitivo na Sul-Americana em um primeiro momento. Não há o projeto de ser o maior. Mesmo para esses resultados que a gente projeta, é preciso no mínimo de dez anos, ser bem competitivo nacionalmente. Se essa competitividade vai dar título, não sabemos. Orçamento e investimento é o que nós vemos. Não nos coloca entre o primeiro e o quarto (orçamentos). Nos coloca entre o quinto, oitava ou décimo. O que pode mudar é acrescentar o know-how. Dinheiro e expertise da plataforma. Isso pode fazer com que o dinheiro 'suba' pela competência.

Blog: O que tem de garantia no contrato é o patamar financeiro?

Bellintani: Tem coisas que não estão no contrato, mas são importantes. Somos o segundo time do grupo. O fato de sermos um time com essa torcida, a maior do grupo depois do City, mostra que o projeto esportivo também é uma certeza. O que nós vimos do projeto e lemos, em Manchester, a forma como tratam e conseguem ter resultados em campo que é acima do dinheiro investido.

Blog: O Bahia terá de seguir os padrões de jogo do Manchester City? Há um padrão único para todos os clubes da plataforma?

Bellintani: Necessariamente isso vai acontecer, o padrão de jogo do City. Eles construíram um sistema, vai ter que jogar como o Manchester City joga. Claro tem que limitações, não são os mesmos jogadores. Eles (City) não se adaptam ao clube, o clube que se adapta a eles. Sendo assim, será inconcebível não ter um goleiro que saiba sair jogar com os pés ou um zagueiro só de imposição física. É inconcebível contratar um técnico só porque foi vencedor no último ano. Precisamos ter um treinador dentro de uns critérios de jogo.

Blog: É de se esperar pessoas de fora do Brasil para participar da gestão do futebol?

Bellintani: É possível que tenha pessoas de fora. A equipe que tiver aqui estará integrada com o City. É uma coisa que vivi de perto, acompanhei reuniões em que se reuniram com todos os diretores de futebol dos clubes pelo mundo, dividindo com todos os outros. Quem escolhe jogador é o centro global deles de scout. Compõe o núcleo de sabedoria. Não é um diretor de futebol que vai atrás do jogador. Eles têm o banco de dados, a partir daí determinam o perfil do jogador. O diretor vai no jogador para a parte comercial.

Blog: O Bahia deve ser o polo de atração dos jogadores da América Sul para o grupo City?

Bellintani: É possível, mas não necessariamente. São operações complementares. Ele pode comprar e levar direto para o New York City. É possível que contratem um jogador mais experiente do Goiás, por exemplo, de 24 anos, jogador não tão jovem, para o New York City. Ou é possível que contratem um de 19 anos, que passe no Bahia e depois vá para o Girona, ou faça o inverso. É a característica da plataforma. O conceito é global, as decisões são globais. O clube não é uma bolha. Em Manchester, eles marcaram reunião de head (chefes), entraram na sala e disseram para mim como estão os clubes, chefes de todos setores. Tive conversa com todos os setores. A estratégia geral do grupo foi traçada nessas reuniões. Aprendi em um ano sobre futebol mais do que quatro anos do que como presidente do Bahia. De novo, nós contratamos treinador disponível e que foi vencedor. Eles querem um treinador que saiba treinar o time com certas características. Que ele tenha potencial para ser vencedor. Usando uma expressão do Ferran (Soriano, diretor do Grupo City) no Conselho do Bahia, um time estava na lanterna no campeonato e não demitiram o técnico porque viam que o time ia dar resultado. E teve vez que o time estava na ponta e foi demitido.

Blog: Será um choque para a torcida e para a cultura do futebol brasileiro?

Bellintani: Vai ser. A gente precisa passar de fase. Se estamos perdendo jogo e criando chance de gol, temos que dar chance para ajustar. Aqui temos que ter imediatismo. Quando trata o tema como ciência, expectativa de gol criada, se somos o time que mais cria, não é culpa do treinador só. Isso tudo precisa passar por uma reconfiguração.

Blog: Há uma previsão de investimento de R$ 500 milhões em contratações no prazo de 15 anos. Como será distribuído esse dinheiro? Serão R$ 33 milhões por ano? Há uma regra para periodicidade para o investimento?

Bellintani: Tem ciclos de cinco anos. Não sei precisar a informação de cabeça. A gente tem ciclos de quatro, cinco anos, em que tem de ser investida uma parte. Não tem como investir tudo no final. Não pode investir nada em 14 anos e tudo no último ano. Não é por ano, por ciclos de quatro anos, cinco anos.

Blog: Qual a estratégia para as contratações e para o custo do futebol?

Bellintani: O time vai ser mantido pela força da própria torcida. Tem 60% da receita com gasto de futebol, como número de referência e saudável no futebol europeu. O time vai ser do tamanho da torcida. Se faturar R$ 300 milhões, vai ter 180 milhões. O movimento paralelo é que precisa de um aporte para aquisição de jogadores, o que vai fazer diferença no mercado: investimento regular em novos mercado. Vai investir cinco, sete vezes mais do que o Bahia atualmente. Vai ampliar bastante o valor do mercado. Dentro do que temos como planejamento pode ser até mais. Possivelmente terá valores mais.

Blog: Haverá preferência por jogadores jovens para revenda como acontece com o Red Bull Bragantino?

Bellintani: Há preferência por jogadores jovens. Mas só jogadores jovens não é suficiente para o projeto. Todos os clubes (do City) têm uma mistura de jovens com mais experientes. Nesse planejamento para 2023, quando abre a planilha, eles distribuem de forma inteligente quantos jogadores de cada idade, até jogadores mais experientes. Há uma compreensão de que é impossível manter competitiva uma equipe só com jogadores jovens.

Blog: Na Europa, o Manchester City já enfrentou processos pelo Fair Play Financeiro por conta de supostos gastos além do que seria possível com dinheiro oriundo do futebol. Como vai funcionar no Brasil? Há previsão de adaptação a futuras regras de Fair Play brasileiras (ainda não existem, mas tem sido trabalhadas na CBF)?

Bellintani: Os clubes (do City) têm desenvolvido bem essa questão, são aderentes à regra de Fair Play.

Blog: O City já punido algumas vezes pela Uefa, embora esteja questionando judicialmente essas punições?

Bellintani: Isso (regra de Fair Play) vai acontecer em clubes no Brasil. Se o clube gasta demais, excessivamente. Estamos em uma plataforma que está no sistema duro europeu e já está experiente para se adaptar nesta questão.

Blog: Você entende que tem que ser implantado o Fair Play no Brasil?

Bellintani: O Fair Play é bom em qualquer lugar do mundo. A Europa é boa nisso. [presidente do Bahia sempre foi um dos defensores do Fair Play]

Blog: Já houve conversa com o grupo City sobre a formação da Liga do Brasil? Como eles têm se posicionado?

Bellintani: É uma conversa muito recorrente nossa. O entendimento deles é que, mesmo o Bahia tendo uma perspectiva de ter maior investimento, é importante que faça uma liga mais equilibrada possível. É um entendimento sobre o clube e o produto geral. Seguirá com a defesa de um maior equilíbrio possível. Clube forte se faz com competição forte. Foi um tema bastante discutido.

Blog: O Grupo City tem um grande número de patrocinadores globais para seus clubes. A tendência é virem para o Bahia? Isso faz parte do acordo?

Bellintani: Eles têm mais de 300 patrocinadores globais. Ativam coisas diferentes dentro do clube, a plataforma é muito dinâmica. A gente olha muito para a camisa no Brasil, mas é incrível como há ativos fora da camisa. Isso é a lógica da construção de marca. Com certeza absoluta, o Bahia entra na rota na negociação global. O mercado brasileiro tem uma visibilidade e consumo enorme. Marcas vão querer vir para o Brasil.

Blog: Antes de negociar com o City, o Bahia tem uma imagem bastante associada à defesa de causa sociais, luta contra o racismo, diversidade sexual, etc. Isso foi conversado com o grupo City? Essa postura do clube vai se manter?

Bellintani: Na verdade, mais do que conversa, foi mostrado o que eles fazem lá: investimento no futebol feminino. Tem grandes participações em futebol feminino. Vão bem no futebol feminino. O Onã Rudá, estudioso ligado ao Bahia, fez uma exposição sobre como o City trata pessoas LGBTQIA+. É um clube moderno (o City). Sim, claro (vão manter a postura), a gente gastou um bom tempo das conversas falando sobre a torcida do Bahia, sobre como a população da Bahia tem maioria negra, maior população negra em uma cidade fora da África, o nosso núcleo de ações afirmativas.

Blog: Pelo acordo anunciado, são R$ 800 milhões garantidos em investimento. E há outros R$ 200 milhões possíveis que não estão garantidos. Como isso está no contrato e para onde iria esse dinheiro?

Bellintani: Não estava na negociação essa parte. A gente tem um CT muito moderno, mas eles foram ver e analisaram que têm investimento de R$ 50 e 60 milhões para ser feito. Começaram a botar no plano de negócio. Falamos: 'Ok, nos diga que vão investir, mas não queremos que seja abatido do investimento obrigatório'. Listamos isso no contrato, que são R$ 200 milhões, e não são obrigatório. Inclui algumas possíveis reformas na Fonte Nova.

Blog: A Fonte Nova já é um estádio moderno. A necessidade é para poder explorar melhor comercialmente o estádio?

Bellintani: Há um possibilidade de investir no estádio da Fonte Nova. Não há uma penalização se não acontecer. É difícil não acontecer. As limitações que nós temos no CT. Vai precisar construir o CT para instalações do feminino. Esse investimento no feminino não vai ser abatido de jogador. Será no mínimo de R$ 200 milhões no total desses itens.

Blog: Como você compara o acordo negociado entre Bahia e City com as outras SAFs?

Bellintani: A cada SAF feita no Brasil deve ter o aprimoramento. As próximas vão querer igualar coisas positivas e fazer igual. A gente teve coisas que não fizemos recuperação judicial, e centralizado de execuções. Falamos: 'Aceitam pagar a dívida toda?' Eles acharam o pleito razoável. Pagamento de dívida, contratações e estrutura. O torcedor precisa entender que, se não pagar a dívida, com recuperação ou centralização das dívidas, 20% da receita fica para pagar dívida antiga. E o City Group que não tem como hábito fazer distribuição de dividendos. Tem como hábito reinvestir no próprio negócio. Não é a cultura dele.