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Rodrigo Mattos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Comparação de eras do futebol só aumenta o tamanho de Pelé

Morte de Pelé - Domício Peinheiro/UOL
Morte de Pelé Imagem: Domício Peinheiro/UOL

Colunista do UOL

29/12/2022 17h10

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Há uma série de vídeos na internet que mostra lances dos maiores craques de todos os tempos e de Pelé. São dribles, conclusões a gol, passes, deslocamentos difíceis executados por jogadores como Cruyff, Maradonna, Ronaldo, Messi etc. E, depois, são exibidas as imagens borradas do camisa 10 da seleção e do Santos com movimentos iguais.

Pelé morre aos 82 anos em São Paulo, nesta tarde de quinta-feira, como construtor da identidade nacional de brasileiro e como o maior atleta do esporte mais amado do mundo.

O primeiro título é inquestionável, não há ninguém nascido neste país que não tenha um pedaço seu do Rei. Está no orgulho negro, está colado em todos como referência em viagens aos rincões do mundo, está na ideia de nação que foi se estruturando a partir da década de 50.

Já o segundo título começa a ser questionado ou posto em dúvida em alguns veículos internacionais. O triunfo de Messi na Copa do Qatar-2022 levou alguns jornalistas a colarem nele a descrição de "o maior de todos" ou uma variante desta afirmação.

As imagens em definição perfeita em HD dos feitos de Messi pesam em seu favor. De Pelé, há os vídeos borrados. Mas uma análise racional leva à conclusão de que questionar seu reinado é possível, porém equivocado.

Como mostram os vídeos de internet, Pelé é precursor ou capaz de executar com maestria quase toda jogada genial do futebol. E o fez em uma era em que esses movimentos envolviam dificuldades bem diferentes e provavelmente mais relevantes do que as atuais.

É comum na comparação entre eras se destacar o fato de que Pelé fazia gols em Estaduais, que os adversários não tinham a qualificação de rivais das grandes ligas atuais. Mas a realidade é que o craque santista conseguiu triunfos em um ambiente muito mais hostil para o craque.

Sem câmeras na maior parte das vezes, sem cartões vermelhos e amarelos até a década de 60, o jogador excepcional tinha bem pouca proteção nas décadas de 50, 60 e 70. Basta ver como Pelé foi caçado na Copa de 1966 por jogadores portugueses, o que compromete sua participação na competição. E será que a distensão muscular que o afetou no Mundial-1962 poderia ser curada com métodos modernos da medicina?

Estamos falando só de Copas de Mundo. Em toda sua carreira, Pelé apanhava constantemente sem punição a rivais, tinha acesso a processos de recuperação ainda primitivos, era submetido a campos esburacados, chuteiras e uniformes pesados, viagens longas sem direito a jatinho exclusivo. Procure imagens da final da Libertadores com o Boca Juniors em que ele faz milagres em meio a botinadas e sai aplaudido pela Bombonera. Qualquer pessoa que vivencie o futebol moderno sabe como esses itens pesam no desempenho do atleta.

Tanto que sua última Copa é 1970 com 29 anos. Era raro um jogador chegar aos 33 ou 34 anos em condições de jogar em alto nível uma Copa. É um feito físico inimaginável que Pelé tenha tido saúde para fazer 1283 gols em ligas diversas por uma década e meia.

A comparação entre competições - ligas nacionais atuais e Champions com Estaduais e Libertadores - também tem de considerar que o futebol brasileiro vivia o seu auge com todos os jogadores de alto nível no país atuando por essas terras em 1950 a 1980. Talvez não se iguale ao futebol europeu atual que reúne craques de todos os lugares, mas era um grupo de talentos que se espalhava até por times pequenos.

Como contraponto, é fato que o futebol atual é mais rápido, ainda mais físico, evoluiu taticamente e que o nível médio dos atletas aumentou com métodos de treinamento e globalização do jogo. Isso, sim, conta a favor dos craques de hoje na avaliação com os antigos, de 50 anos atrás.

Considerando todos os fatores, é preciso lembrar que as imagens que temos acesso de Pelé são uma fração dos seus feitos. O gol histórico da Rua Javari contra o Juventus, com série de quatro balões, por muitos considerado seu gol mais belo, não tem registro, só reproduções feitas por computador. O gol contra o Fluminense, no Maracanã, em que dribla o time desde o meio-campo, também não tem registro em vídeo.

Essa pequena parte do que vimos do camisa 10 santista nos mostra como ele foi capaz de ser todos os outros craques em um só, o maior de todos. No Brasil, para além até do futebol, como símbolo nacional, também foi capaz de se tornar um pedaço de cada de um nós que levaremos para sempre.