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Rodrigo Mattos

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Só boicote financeiro fará La Liga combater racismo contra Vinicius Jr.

Vinícius Jr é vítima de racismo por torcedores do Valencia em partida do Campeonato Espanhol  - Reprodução/ Redes Sociais
Vinícius Jr é vítima de racismo por torcedores do Valencia em partida do Campeonato Espanhol Imagem: Reprodução/ Redes Sociais

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Vinicius Jr. é o melhor jogador de La Liga. É também negro e constantemente atacado por isso em diversos estádios do campeonato, seja por jogadores rivais, seja por torcedores. Neste domingo, os torcedores do Valencia chamaram coletivamente o atacante brasileiro de "Mono" (macaco).

Não foram manifestações isoladas. Há imagens de cantos antes e durante a partida, de grupos grandes de torcedores. Assim como já tinha ocorrido em outros estádios na Espanha.

Vinicius Jr decidiu encarar os agressores. Sua luta gerou confusões (como deveria) e resultou em sua expulsão. O atleta do Valencia que o agrediu nada sofreu. Ele tomou o vermelho por revidar.

Até agora, a La Liga e os órgãos de controle espanhóis não têm feito nada de relevante para combater o racismo rotineiro e reiterado contra Vinicius Jr. Há um fechamento de um setorzinho de estádio aqui, multas, advertências e hashtags. Tanto não é eficiente que as manifestações racistas contra o brasileiro só aumentam.

Boa parte da mídia espanhola (não toda) tem minimizado os insultos racistas, quando não os justifica. O Real Madrid também quase nada faz nada na defesa de sua estrela. Quem ficou ao seu lado foi o técnico madridista Carlo Ancelotti. De resto, está só.

Isolado, Vinicius Jr. não se acovardou. Foi para o confronto, justo, é o agredido, o insultado, é a vítima. E o que quer o sistema de futebol espanhol (em sua maioria) é que ele se cale, se submeta às ofensas, trate de jogar. Ele não aceitou:

"Não foi a primeira vez, nem a segunda e nem a terceira. O racismo é o normal na La Liga. A competição acha normal, a federação também e os adversários incentivam. Lamento muito. O campeonato que já foi de Ronaldinho, Ronaldo, Cristiano e Messi hoje é dos racistas. Uma nação linda, que me acolheu e que amo, mas que aceitou exportar a imagem para o mundo de um país racista. Lamento pelos espanhóis que não concordam, mas hoje, no Brasil, a Espanha é conhecida como um país de racistas. E, infelizmente, por tudo o que acontece a cada semana, não tenho como defender. Eu concordo. Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas. Mesmo que longe daqui", disse Vinicius Jr.

A manifestação já nasce histórica. Poderia ser uma chance de virada para a La Liga, uma chance de aprender, de mudar sua atitude, de adotar medidas de fato duras. Não foi o que aconteceu.

O CEO da La Liga, Javier Tebas, figura frequente e aplaudida em seminários de negócios do futebol no Brasil, decidiu atacar Vinicius Jr. Entre os cartolas brasileiros, há quem o veja como exemplo para organização de uma Liga. E o que ele diz:

"Já que os que deveriam não te explicam que pode fazer a La Liga nos casos de racismo, temos tentado explicar nós, mas não se apresentou a nenhuma das datas acordadas que você mesmo solicitou. Antes de criticar e injuriar a La Liga, é necessário que se informe adequadamente Vinis Jr. Não te deixes manipular e assegure-te de que entendas bem a competência de cada um e o trabalho que viemos fazendo juntos", disse ele, em seu twitter. É a segunda vez que ataca a vítima.

Tebas e sua La Liga não querem uma solução. Já lhe foram dadas seguidas chances para reagir ao racismo. Foram coniventes, fingiram não ver o tamanho do problema. É quase uma convicção. O colega jornalista Thiago Arantes, que vive na Espanha, lembra que Tebas é seguidor do partido espanhol Vox, de extrema-direita, que ataca migrantes.

Se a La Liga não faz nada, resta ao mundo responder a sua atitude. O futebol é uma atividade capitalista, e o Campeonato Espanhol é vendido pelo mundo, a TVs e a patrocinadores. O nome da competição é do banco Santander, com vários clientes no Brasil. É transmitida no Brasil todo final de semana.

Lembremos que foi a pressão da Inglaterra, que explorou a escravidão por anos, que ajudou a acabar com ela quando não fazia mais sentido do ponto de vista econômico. Por conta própria, seria difícil pensar que fazendeiros escravagistas aceitaram o fim da mão de obra gratuita que usufruiam com o regime hediondo.

Faz sentido assistir a um campeonato conivente com o racismo? O que as empresas apoiadoras da La Liga tem a dizer sobre os gritos de macacos contra Vinicius Jr.? O Santander entende ser ok ver sua marca associada a cânticos abertamente racistas? Fará algo além de hastags de marketing ou repostas de relações públicas? Isso vale no mundo todo.

La Liga é o segundo campeonato nacional do mundo do futebol em arrecadação com direitos internacionais. Será que todo mundo continuará a pagar regiamente Tebas por atacar vítimas de racismo?

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado no texto, Carlo Ancelotti é um técnico italiano, e não espanhol. O erro foi corrigido.