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Rodrigo Mattos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não cabe a Abel Ferreira decidir o que a imprensa divulga em uma democracia

Colunista do UOL

29/05/2023 04h01

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O final do jogo entre Atlético-MG x Palmeiras foi marcado por um episódio envolvendo o técnico alviverde, Abel Ferreira. O técnico avançou sobre o jornalista Pedro Spinelli, da TV Globo, e tomou seu celular para impedi-lo de filmar conversa do diretor palmeirense, Anderson Barros, com árbitros. Devolveu o aparelho ao perceber que era filmado por outro repórter da Itatiaia.

A cena está documentada por dois vídeos. Ao se retirar, o técnico do Palmeiras diz ao repórter da Itatiaia: "O futebol brasileiro está assim por vossa responsabilidade"

Na entrevista coletiva, depois, Abel Ferreira supostamente pediu desculpas. Com ressalvas, tenta minimizar o episódio: "Antes de começar a coletiva, gostaria de fazer um esclarecimento, uma vez que aqui todo mundo gosta de transformar um copo d'água numa tempestade. Houve uma confusão no túnel entre nosso diretor desportivo e um dos assistentes da arbitragem, e tinham repórter a filmar tudo, já peço desculpas se me excedi. Isto é do futebol, há coisas que a imprensa não tem que saber, são coisas que passam no futebol, queria esclarecer antes que isso vire uma tempestade".

A cena da tomada do celular ocorreu na zona mista do Mineirão, uma área onde é permitida a filmagem, não em um vestiário privado. Os repórteres estavam nos espaços que lhes são destinados cumprindo a função de imprensa de relatar fatos.

Abel Ferreira, no entanto, entende que tem a prerrogativa de decidir o que deve e o que não deve ser noticiado. Tirou o celular do repórter porque a cena filmada lhe seria incômoda de alguma forma. Discutiu com outro jornalista dizendo que a imprensa noticiar fatos deprecia o futebol brasileiro.

Ao pedir desculpas, deixou claro que, na sua visão, há coisas que a imprensa não deve saber. Pela sua declaração, ele, Abel, tem o poder de decidir o que os jornalistas devem saber ou não.

Pois bem, em uma democracia, não são os atores de notícias, sejam governantes ou técnicos de futebol, quem definem o que a imprensa deve relatar. Os repórteres e jornalistas são livres e também responsáveis por seus atos, especialmente em espaços públicos.

Retirar o equipamento de filmagem de um jornalismo é um ato de censura, típico de ditaduras. Mais, tomar o celular de alguém sem sua permissão é uma agressão.

Ao falar do caso, Abel nem sequer admite que errou: fala em "se me excedi" como se houvesse uma possibilidade de que tenha agido corretamente. Para completar, ele diz que o jornalista é responsável por o "futebol brasileiro ser assim". Após a agressão, um sermão.

O Brasil superou a fase em que autoridades diziam o que a imprensa podia saber na década de 80. Portanto, não cabe a Abel, ou a qualquer um, decidir o que um jornalista deve ou não filmar e noticiar.