Rodrigo Mattos

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Aspirante à CBF, Ronaldo tem conflito por empresas e contrato com jogadores

No fim do ano passado, o ex-jogador Ronaldo se apresentou como candidato à presidência da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

Sua eventual ascensão ao cargo poderia favorecer suas empresas ligadas ao futebol. Ele também é garoto-propaganda de patrocinadores da entidade.

O código de ética da CBF veta que seus dirigentes tenham situações de conflito de interesse entre seus negócios e a instituição.

Procurada pela coluna, a assessoria de imprensa de Ronaldo informou que o jogador tem consciência das restrições do cargo e alegou que não haveria conflito de interesse.

"No momento adequado [Ronaldo] falará sobre isso com a transparência que o tema requer", informa a nota.

Negócios fenomenais

Ronaldo intensificou sua atuação como garoto-propaganda e empresário no futebol após sua aposentadoria, em 2011. Ele montou uma rede de empresas ligadas ao setor, direta e indiretamente.

Entre essas empresas está a agência ODZZ Network, da qual é dono por meio de sua holding, a RDNL.

Os serviços das ODZZ se dividem entre a agência de marketing Octam Latam, a companhia de viagens Wayz Travel e a produtora Beyond Films.

No caso da Octam Latam, um dos serviços prestados é o de gestão de carreiras. Entre os clientes estão o atacante Rodrygo, da seleção brasileira e do Real Madrid, e a lateral Tamires, do Corinthians e da seleção.

Ou seja, uma empresa de Ronaldo, candidato à CBF, tem como clientes dois jogadores convocados para suas respectivas seleções.

A empresa também faz organização de eventos, como as cerimônias das finais das Libertadores. Foi contratada pela Conmebol, entidade da qual a CBF é filiada e que manda no futebol sul-americano.

A Beyond Films produz audiovisual, incluindo documentários. Já prestou serviços para o Cruzeiro, clube do qual Ronaldo era dono, e cita as produções esportivas como suas principais peças.

A agência de viagens atua no mercado corporativo. Um dos principais serviços utilizados pela CBF é na área de viagens.

Outro ramo dos negócios do Ronaldo são serviços financeiros. O Fenômeno fundou a R9 Family Office Assessoria. Essa empresa fez uma sociedade com a Galapagos Capital para criar o Galaticos Capital. A ideia é oferecer gestão patrimonial para jogadores e atletas.

A empresa sócia de Ronaldo, por sinal, é a responsável pelo fundo (Fidic) usado para pagar as dívidas do clube São Paulo.

Uma terceira área de atuação do ex-jogador é na Ronaldo Academy. Trata-se de uma rede de franquias de escolinhas para garotos que tem entre os sócios o empresário Carlos Wizard.

No futebol de clubes, Ronaldo vendeu em abril de 2024 sua participação na Tara Sports Brasil, empresa que controlava a SAF do Cruzeiro, para o empresário Pedro Lourenço.

Ronaldo comandou SAF do Cruzeiro por mais de dois anos; parceria acabou em 2024
Ronaldo comandou SAF do Cruzeiro por mais de dois anos; parceria acabou em 2024 Imagem: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

No entanto, ele ainda tem dinheiro a receber e, enquanto isso não ocorrer, detém como garantia as ações do clube, como revelou o colunista Juca Kfouri.

Em entrevista em dezembro de 2024, durante o sorteio do Super Mundial de Clubes da Fifa, o atacante também alegou ser credor do Corinthians. Ele, no entanto, não consta como credor do clube na Justiça.

Garoto-propaganda

Ronaldo atua como garoto-propaganda de pelo menos três empresas: Itaú, Nike e Betfair.

Fenômeno ao lado do ex-colega Rivaldo durante entrevista da Betfair
Fenômeno ao lado do ex-colega Rivaldo durante entrevista da Betfair Imagem: Reprodução/YouTube

As duas primeiras são patrocinadoras da seleção e podem ser consideradas, ao lado do Grupo Globo, as principais parceiras comerciais da entidade.

Como presidente da CBF, Ronaldo, portanto, teria de atuar em negociações com as mesmas empresas com as quais tem contrato pessoal, como Nike e Itaú.

No caso da Betfair, há a questão de o possível principal dirigente brasileiro fazer propaganda de apostas, além de um conflito com o patrocinador da CBF, a Betano, que é parceira da Copa do Brasil e do Brasileiro.

Pelo código de ética da CBF, em seu artigo 11º, dirigentes da entidade têm que evitar situações de "conflitos de interesse particulares ou de terceiros com a respectiva entidade".

No 13º artigo do código, há um exemplo de conflito: "Possuir participação em direitos de atletas, clubes, empresas, ativos e bens que possam vir a sofrer valorização direta ou indireta pela atuação da respectiva entidade".

Especialistas apontam conflitos

A presidência da CBF e os negócios e contratos de Ronaldo são vistos como claro conflito de interesse pelos dois especialistas em ética ouvidos pelo UOL.

Na visão de ambos, a atuação empresarial do ex-jogador tornaria inviável o exercício da presidência, a não ser que ele se afaste de todas essas atividades.

Se isso acontecesse na federação alemã, não seria possível, a menos que ele conseguisse se isentar das implicações práticas trazidas por esses dois artigos. Fora isso, há um conflito de interesse. Não teria como, a não ser que ele mostre que realmente se desvinculou. Se ele conseguir fazer isso antes de lançar sua candidatura, se isentar de tudo, aí poderia.

Richard Fonseca, doutor em ética e filosofia pela UERJ e professor de filosofia da UFF

Entendo, mesmo desconsiderando essa previsão do código, que haveria conflito de interesse. Esse conflito é muito evidente. Essa participação societária em gestão de carreiras e clubes esportivos, ainda que sejam participações econômicas, configuram um inequívoco conflito de interesse.
Godofredo de Souza Dantas Neto, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial

Para Dantas Neto, haveria conflito claro, por exemplo, em caso de jogadores representados por Ronaldo serem eventualmente convocados, além de gestão de competição relacionada ao Cruzeiro.

"Você teria o interesse por ter um atleta dele representado como convocado [para a seleção]. Quando um juiz errasse contra o Cruzeiro, haveria o interesse, o benefício para o clube em um sistema de hierarquia", afirma.

Outro ponto seriam os contratos de patrocinadores da Nike e do Itaú, que poderiam ser renegociados.

"Imagina se um aditivo de contrato surgisse dessa relação. Se você tem proveito econômico de um lado, não pode gerir o outro. É completamente incompatível", completa Dantas.

Ronaldo Fenômeno no sorteio do Mundial de Clubes; ex-atacante quer comandar CBF
Ronaldo Fenômeno no sorteio do Mundial de Clubes; ex-atacante quer comandar CBF Imagem: Divulgação/Fifa

Já Fonseca lembra que seria difícil garantir a lisura na contratação de empresas pela CBF quando agências do presidente da entidade prestam serviços de marketing esportivo:

"O peso da reputação recai sobre Ronaldo e sobre a CBF: por um lado, como garantir que uma empresa vinculada ao nome do presidente Ronaldo seja escolhida de forma justa num processo licitatório promovido pela CBF? Por outro lado, a própria instituição não pode permitir que esse tipo de prática de influência em sua gestão afete a integridade dos seus negócios. Ela precisa cuidar de sua reputação, razão pela qual ela tem um código de ética, relativamente recente, com esses importantes artigos."

Para ambos, não seria suficiente que Ronaldo se afastasse da gestão e do controle dessas empresas e negócios. Isso porque ele continuaria a ter proveito econômico, fosse das companhias, fosse dos pagamentos a serem feitos pelo Cruzeiro ou de sua atuação como garoto-propaganda.

A solução para Ronaldo seria abrir mão, de fato, de todos os seus negócios. Neste caso, a renda que essas atividades lhe proporcionam é bem superior ao salário de R$ 500 mil que cabe ao presidente da CBF.

Benefício na Copa de 2014

Caso chegue à presidência da CBF, Ronaldo terá o seu segundo cargo de destaque no futebol brasileiro: ele já foi da cúpula do Comitê Organizador Local da Copa 2014.

Na ocasião, houve uma situação de conflito de interesse quando uma das empresas do jogador lucrou ao participar de negócio envolvendo a Arena Fonte Nova, que sediou jogos da Copa.

Em 2012, a empresa Marfinite Arenas ganhou o contrato de R$ 8 milhões para fornecimento de assentos para o estádio baiano. A empresa era cliente da Nine, agência de publicidade de Ronaldo.

Quando o UOL noticiou o fato, a Nine afirmou que só atuava como agência publicitária sem intermediar negócios.

Mas a reportagem revelou que a agência recebeu, sim, comissão pela intermediação do negócio de assentos relacionado à Arena Fonte Nova.

Reportagem

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