'Vamos ganhar, por favor': uma noite dentro da torcida organizada do Qatar
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"Vamos jogar, Qatar, vamos ganhar, Qatar, por favor, Qatar. Olê, olê, olê, olê, olá, Qatar".
O grito parece estranho, mas era mais ou menos o que os autodenominados "Ultras do Qatar" cantaram, em árabe, durante o jogo contra o Equador neste domingo.
O UOL assistiu à partida no meio da torcida, que ocupou um pavilhão inteiro no setor norte do estádio Al-Bayt e festejou durante boa parte do jogo. Cerca de 300 homens, nenhuma mulher, entre qataris típicos e estrangeiros de países próximos. Nenhum deles usava o tradicional dishdasha, espécie de túnica branca que cobre todo o corpo.
À distância, a organizada parecia até fake. Afinal, não há notícias na imprensa internacional sobre torcedores tão apaixonados em jogos da seleção do Qatar, que fez sua estreia em uma Copa do Mundo. Mas, de perto, lembrava mesmo uma torcida. A maioria usava a mesma camisa grená com os dizeres, em árabe e em inglês: Qatar! Tudo 'pelos Vinhos' —em referência à cor da bandeira do país. E o grupo era dividido em alguns setores. Mais à frente, a turma dos tambores, que regia os gritos e incentivava os demais. Ao fundo, muitos estrangeiros moradores do país, que iam na onda e cantavam junto.
O jovem qatari Ali Zein, 21 anos, era um dos que ocupava o setor frontal. Ele disse que a parte principal do grupo, que orquestrava a torcida, era formada por amigos, sem qualquer tipo de incentivo extra. "Somos todos daqui, amigos, viemos torcer pelo Qatar. Queremos fazer algo novo, e então montamos os Ultras".
Porém, outros membros da turma do tambor não quiseram conversar. Disseram que não estavam autorizados a falar por "ordens do patrocinador" —um jovem careca sentado em uma poltrona à esquerda parecia ser o responsável por financiar a parte mais barulhenta da torcida. Abordado, disse que não fala inglês.
Durante o jogo, a torcida começou animada, cantando à capela o hino do Qatar antes de a bola rolar. Conseguiram contagiar até os dois pavilhões ao lado, esses sim formados em sua maioria por homens utilizando a dishdasha, e com a presença de algumas poucas mulheres e crianças. A alegria, porém, durou pouco. Aos 2 minutos, o Equador abriu o placar.
Enquanto os qataris em trajes típicos sentaram e não levantaram mais para assistir ao jogo, a organizada não se abalou. E, apesar de alguns não entenderem muito as regras do futebol, estavam empolgados. Um deles, que conversava em inglês com a reportagem, perguntou o que estava acontecendo, pois a partida estava paralisada. Expliquei que o VAR estava revisando o lance. "Então, ainda podem voltar atrás?", questionou.
A anulação do gol fez a organizada explodir novamente. "Vamos ganhar, Qatar. Vamos ganhar, Qatar. Vamos ganhar, Qatar", voltaram a cantar. "Vamos ganhar, por favor", gritou outro torcedor. Mais uma vez, não durou muito. O Equador fez o primeiro 12 minutos depois, o segundo na sequência e foi para o intervalo com a vantagem, o que jogou um balde de água fria na torcida.
O resultado fez o qatari Mustafa Aziz, que estava ao lado do amigo Moma Sadd, ficar impressionado com o time do Equador. "Essa equipe é muito forte, acho que vai longe", comentou com o UOL. "Nosso time também é ruim eu acho", lamentou o colega. "Mas não tem problema, estamos animados e empolgados, é nossa primeira vez na Copa".
O UOL conversou com membros da torcida de Egito, Jordânia, Líbano, Bangladesh e Bahrein. O egípcio Zezo Aabd disse que estava ali por livre e espontânea vontade. "Eu amo futebol e também amo o Qatar, moro aqui há 8 anos. Tenho amigos aqui e sou tratado com muito respeito pelo povo daqui", explicou.
Zezo explicou que muitos povos da região têm como segundo time na Copa o Brasil ou a Argentina por entenderem que os europeus não gostam das culturas locais. E lamentou que Tite não convocou Roberto Firmino, do Liverpool. "É um absurdo, joga para a equipe, faz muitos gols". Em seguida, ao ver o Equador interceptar um ataque, comentou: "Defesa sólida, vai dar trabalho nessa Copa".
Já Remi Sondis circulava com a camiseta da torcida organizada qatari entre os portões do estádio. Ele se disse ser general do exército jordaniano, vivendo a trabalho no Qatar, e foi ao jogo com os filhos, que se engajaram na torcida do país onde moram. "O Qatar nos trata muito bem, por isso somos muito gratos e por isso viemos aqui". O sentimento era compartilhado por diversos outros estrangeiros que estavam na arquibancada.
"Você não tem ideia de como esse país é receptivo. É por isso que eu estou aqui, apoiando o país que é minha segunda casa. Nós estamos há meses ensaiando os cantos, treinando a coreografia. Compramos as camisas e os adereços", disse o egípcio Muhammad Ali. Ao ser questionado sobre rumores de que pessoas estariam sendo pagas pra torcer por outros times na Copa, ele foi enfático. "Quem diz isso precisa nos conhecer melhor. Nós não recebemos um centavo pra estar aqui. Torcemos porque amamos o Qatar".
No fim da partida, o camisa 9 Mohammed Muntari desperdiçou a única chance de gol do Qatar no jogo, ao receber dentro da área e chutar por cima. O lance revoltou o jordaniano Hamza Hajri, que criticou o técnico Félix Sánchez Bas. "Isso é culpa do treinador!". Questionado sobre quais motivos o levaram a culpar o espanhol, se confundiu. "Eu não sei também".
Após o apito final, os torcedores aplaudiram o time e voltaram a cantar o hino do Qatar. As arquibancadas nos arredores, contudo, já estavam vazias —a maioria dos qataris que não faziam parte da organizada começaram a deixar o jogo no meio do segundo tempo. Antes de ir embora, o libanês Yousef disse ao UOL: "Agora, vou torcer por Messi e pela Argentina".
O Qatar volta a campo na próxima quinta-feira (25), quando enfrenta o Senegal.
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