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Buzina de tuk-tuk e rivais de Messi: os 'mais loucos do hexa' não são daqui

Belal Hossain organiza passeatas em apoio ao Brasil  - Arquivo pessoal/ Reprodução Brazil Football Suporters
Belal Hossain organiza passeatas em apoio ao Brasil Imagem: Arquivo pessoal/ Reprodução Brazil Football Suporters

Júlia Marques

Do UOL, em São Paulo

23/11/2022 04h00

Classificação e Jogos

O estudante Joyant Sheikhar Gupta Joy, de 18 anos, veste uma camisa azul da seleção brasileira e posa para a foto. Na manga da blusa, estão as pintas da onça, animal da floresta amazônica que ele sonha um dia conhecer.

O cenário da foto de Joy é o distrito de Gazipur, no centro de Bangladesh, um país asiático pobre perto da Índia e distante 16 mil quilômetros do Brasil.

Joy é um torcedor convicto da seleção brasileira. E não está sozinho. Ele representa uma legião de apoiadores do Brasil na Copa do Mundo, em um país de 166 milhões de habitantes que não tem qualquer tradição em torneios futebolísticos.

"A seleção brasileira de futebol é uma paixão em Bangladesh", resume o estudante universitário. No país, a torcida canarinho é tão ou mais aguerrida do que a própria torcida brasileira no Brasil.

Toda vez que uma Copa do Mundo começa, as ruas de Bangladesh se transformam: há pinturas nos muros, bandeiras espalhadas pelas ruas, comércios com balões coloridos — tudo isso para apenas duas seleções.

Rua com bandeiras em Daca, capital de Bangladesh - REUTERS/Mohammad Ponir Hossain - REUTERS/Mohammad Ponir Hossain
Rua com bandeiras em Daca, capital de Bangladesh; apoio se divide entre Argentina e Brasil
Imagem: REUTERS/Mohammad Ponir Hossain

O país se divide em uma rivalidade inusitada: parte torce fervorosamente para o Brasil e a outra, para a Argentina. E há "muitas brigas" entre os torcedores rivais, diz Joy.

Os bengalis, como são chamados aqueles que nascem em Bangladesh, saem em motos e tuk-tuks — uma espécie de triciclo motorizado — com camisas de Neymar e Lionel Messi. E competem para provar quem dá o maior apoio à sua seleção.

Na última sexta-feira, às vésperas da abertura da Copa do Mundo, uma motociata verde e amarela tomou as ruas de Shariatpur, outro distrito no centro de Bangladesh.

Havia buzinaço e um pequeno caminhão acompanhava a festa, com uma versão remix de "Aquarela do Brasil", música de Ary Barroso, da década de 1930. No lugar de "esse coqueiro que dá coco", apenas um "lá, lá, lá" ritmado dava o tom da brasilidade.

O vídeo da passeata ganhou a internet. "Somos de Shariatpur, um pedaço do Brasil", comentou no Facebook um dos apoiadores, que até trocou a própria foto do perfil por uma do atacante Neymar.

Joy - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Joyant Sheikhar Gupta Joy tem 18 anos e sonha em conhecer a Amazônia
Imagem: Arquivo pessoal

Organizador de passeatas de apoio ao Brasil em Bangladesh, o assistente de marketing Belal Hossain, de 28 anos, pendura uma bandeira verde — com um um pequeno círculo azul — na laje da casa onde mora em Chittagong, uma cidade na costa de Bangladesh.

Desde 2002, quando o Brasil conquistou o penta, ele se tornou fanático pelo futebol brasileiro.

"Já briguei com um amigo torcedor da Argentina porque o Brasil é melhor do que eles. E comprei camisas e bandeiras para todos os meus parentes", conta Hossain, que nunca pôs os pés no Brasil, mas sonha em conhecer o Maracanã, São Paulo e Belo Horizonte.

"Também organizo passeatas nas ruas", diz o jovem, que ainda administra uma página online de torcedores brasileiros em Bangladesh, com fotos de Tite e dos jogadores na incompreensível — para brasileiros ou argentinos — língua bengali.

As publicações exibem feitos como a construção de um Neymar gigante na Índia e manifestações cobertas de fumaça verde nas ruas estreitas de Bangladesh. "Somos os mais loucos para ganhar o Hexa", avisa Hossain.

Bangladesh - REUTERS/Mohammad Ponir Hossain - REUTERS/Mohammad Ponir Hossain
Menino balança a bandeira do Brasil em frente a um muro de grafite em Daca, Bangladesh
Imagem: REUTERS/Mohammad Ponir Hossain

Ele garante que a torcida brasileira no país é mais numerosa do que a da Argentina, mas reconhece que os seguidores de Messi são tão fanáticos quanto eles.

Às vezes é preciso demonstrar força. Para rivalizar com uma bandeira argentina de 600 metros, os torcedores do Brasil em Bangladesh criaram outro estandarte ainda maior — verde e amarelo — em Narsing, região a 40 quilômetros da capital, Daca.

E é nessa época do ano que os moradores de Bangladesh publicam fotos com as camisas das seleções do Brasil e da Argentina. A bandeira bengali — verde com um círculo vermelho no centro — até aparece, mas tímida.

"Embora exista uma seleção nacional de futebol, ela ainda não alcançou nenhum sucesso", diz Joy para explicar por que esse país tomou paixão pelo futebol latinoamericano.

Por lá, o críquete, um esporte de bolas e tacos, é um dos mais populares. Mas, na época da Copa do Mundo, todos os olhares se voltam para o drible nos pés.

Debate - Reprodução/BTV - Reprodução/BTV
Debate entre torcedores do Brasil e da Argentina é transmitido na TV de Bangladesh
Imagem: Reprodução/BTV

Até um canal da TV local estimulou a rivalidade: na semana passada, promoveu um debate com jovens universitários torcedores das seleções brasileira e argentina. Vestidos com as respectivas camisas, eles defendiam com argumentos cada uma das seleções.

A transmissão, publicada depois nas redes sociais, tinha até esta segunda-feira mais de 200 mil visualizações e, como acontece em debates eleitorais, cada um dos lados rivais fez os cortes que mais lhes favoreciam.

Pelé x Maradona

Arnil Shuvo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Arnil Shuvo, de 18 anos, mora em Daca e torce para a Argentina
Imagem: Arquivo pessoal

A origem dessa dupla paixão é difícil de explicar, mas acredita-se que tenha ganhado força entre as décadas de 1970 e 1980, com a popularização da TV no país. Bangladesh se tornou independente do Paquistão em 1971.

"Eu apoio a Argentina. Meu pai e meus tios assistiam aos jogos e torciam para a Argentina. Naquela época eles gostavam do Maradona", explicou Arnil Shuvo, um jovem estudante universitário de 18 anos, torcedor da seleção de Messi.

"Desde então eu também torço. Quando assisti à Copa do Mundo de 2010, gostei do jogo de Messi. E ainda gosto", completou ele, de Daca. Em seu perfil no Instagram, ostentou uma foto com a camisa azul e branca.

Se Maradona foi o responsável por criar uma massa de torcedores argentinos em Bangladesh, o "culpado" pela popularização do Brasil no país asiático foi Pelé, na opinião de Hossain. E a torcida ganhou força após o tricampeonato, em 1970.

Belal Hossain - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Belal Hossain com a filha; paixão pelo Brasil é passado de geração para geração
Imagem: Arquivo pessoal

"A Inglaterra inventou o futebol, mas o Brasil o aperfeiçoou", diz o morador de Chittagong. Hoje, quem torce para o Brasil em Bangladesh diz ficar impressionado com o ritmo dos jogadores brasileiros e cita sem titubear o nome de Neymar como o preferido — "obviamente", declara Joy.

Na próxima quinta-feira, o povo bengali vai assistir ao jogo Brasil x Sérvia, como se o próprio país estivesse em campo. E sonhar com a taça, como se o troféu também pertencesse a Bangladesh.

"Se o Brasil ganhar a Copa, a alegria da vitória será celebrada não só em Gazipur, mas em toda a Bangladesh", avisa Joy. "Será comemorado em grande estilo."