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Atacante de Marrocos roubava moedas para assistir a vídeos de Neymar

Abde, da seleção marroquina, cresceu na Espanha vendo vídeos de Neymar - Oliver Hardt - FIFA/FIFA via Getty Images
Abde, da seleção marroquina, cresceu na Espanha vendo vídeos de Neymar Imagem: Oliver Hardt - FIFA/FIFA via Getty Images

Thiago Arantes

Colaboração para o UOL, em Barcelona

24/11/2022 13h40

Classificação e Jogos

Quando Abdessamad Ezzalzouli entrou em campo pela seleção de Marrocos, aos 20 minutos do segundo tempo no empate por 0 a 0 contra a Croácia, um ciclo improvável se fechou. Há quatro anos, ele pensava em parar de jogar. Na quarta-feira, estava em uma partida de Copa do Mundo, o mesmo torneio de ídolos como Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar.

O camisa 10 da seleção brasileira é a maior referência do marroquino e povoou seus sonhos durante a adolescência. O atacante, que gosta de ser chamado de Abde, nasceu em Marrocos, mas mudou-se aos 4 anos para a Espanha. Foi com a família viver em Carrús, na cidade de Elche, o bairro mais pobre do país.

Em um ambiente turbulento, as opções de lazer eram poucas. Uma delas era jogar futebol, e Abde circulou por meia dúzia de equipes pequenas da região, sem nunca se firmar. A outra era ir a um "locutório", uma espécie de lan house que disponibiliza computadores e telefones para chamadas internacionais.

Meia hora no computador custavam 0,50 euros (R$ 2,75 em valores atuais). Os amigos usavam o tempo para jogar, ver videoclipes, conversar em aplicativos de mensagem. Abde investia aqueles preciosos minutos em outra coisa.

"Eu pedia dinheiro para o meu pai. Quando ele não dava, eu roubava dele. E ia para o locutório ver vídeos de Neymar", contou Adbe, entre sorrisos, em entrevista à TV espanhola Movistar+.

Aos 15 anos, para preencher as tardes que tinha livres, Abde foi jogar no time do bairro. Foi quando um treinador disse a ele uma frase que mudaria tudo: "Ele me falou que, se eu levasse um pouco mais a sério, poderia chegar longe". O incentivo do técnico fez um click na cabeça do jovem. O futebol poderia ser o caminho para mudar de vida.

Abde tentou a sorte nas categorias de base do Hércules, de Alicante. No começo, diante das dúvidas sobre a própria capacidade e com poucas chances, pensou em desistir. "Muitas vezes. Mas as pessoas ao meu lado falavam para eu ser forte e treinar mais", contou à Movistar+.

A grande chance

O esforço deu certo. Abde passou a ter chances no Hércules, passou do time juvenil para a equipe B, e depois para o time principal, com uma cláusula de rescisão de 2 milhões de euros. O jeito explosivo e ousado do marroquino nos campos das divisões inferiores do futebol espanhol começou a chamar a atenção de vários clubes, mas nenhum queria pagar a multa.

Até que, em agosto de 2021, o Barcelona entrou na jogada. Em processo de renovação, o clube catalão precisava de caras novas —e baratas— para reformular o elenco. Abde foi uma das apostas. Em 31 de agosto, o negócio foi anunciado e o marroquino, a princípio, jogaria pelo Barça Atlètic, a equipe B.

Dois meses depois, com o clube em crise e a demissão de Ronald Koeman, Abde teve a sua grande chance. O ex-lateral Sergi Barjuan, técnico do time B, foi nomeado treinador interino e levou o garoto para o duelo contra o Alavés, pela Liga Espanhola. O jovem imigrante, que passou a infância no bairro mais pobre da Espanha, tornou-se o primeiro marroquino a defender o Barcelona.

As oportunidades não se repetiram, mas Abde colocou o nome no mapa do futebol profissional de alto nível. No começo de 2022, ele foi chamado por Marrocos para a Copa Africana de Nações, mas recusou a convocação porque sonhava em defender a Espanha. A federação marroquina insistiu e, em março, Abde finalmente aceitou o chamado para enfrentar a República Democrática do Congo, no mata-mata decisivo das Eliminatórias Africanas.

Em setembro deste ano, o atacante foi emprestado ao Osasuna. Na equipe navarra, voltou a ter oportunidades consolidou-se como opção para a Copa do Mundo. Em 10 de novembro, ele entrou na lista de 26 nomes anunciada pelo técnico Walid Regragui. No Qatar, Abde poderá ver Neymar de perto. Sem precisar pedir (ou roubar), as moedas do pai.