Onde está Gretchen? A saga do repórter atrás da enviada do Choquei no Qatar
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Maria Miranda (é assim que está no WhatsApp dela) me mandou um áudio três horas e oito minutos antes do Brasil entrar em campo contra a Sérvia ontem: "Já estou na van, a caminho", disse, e mandou sua localização em tempo real. Ela tinha concordado em me conceder uma entrevista, mas também me deu uma missão que a essa altura parecia impossível: encontrar Maria Miranda, a Gretchen, no meio dos 88 mil torcedores que caminhavam em direção ao estádio.
Ela não podia parar pra me esperar. Eu não conseguia ligar pra ela. Depois de bater perna por uma hora e meia, resolvi apelar a um grupo de brasileiros uniformizados na entrada do estádio. "Vocês por acaso viram a Gretchen por aí? Marquei com ela e não estou achando". Um deles me olhou desconfiado. "A Gretchen? Não vi, mas também marquei com a Paolla Oliveira aqui e não estou achando."
Gretchen — cantora, dançarina, atriz, famosa e digital influencer com 3,4 milhões de seguidores — agora é correspondente internacional da página "Choquei". Ela veio ao Qatar para cobrir a primeira Copa no Oriente Médio e fazer propaganda de um aplicativo de estatísticas do ex-jogador Ronaldinho Gaúcho. O mundo gira rápido, e Gretchen não tem tempo para me esperar. "Estou perto da letra F, da Fifa Store, e estou andando!", ela diz em mais um áudio.
"Vocês viram a Gretchen por aí?", perguntei a outro grupo de brasileiros. "A Gretchen? Aqui??", respondeu um coroa com um chapéu de bobo da corte verde e amarelo. "Quando eu era adolescente, achava ela muito bela", afirmou, embora tenha usado palavras menos elegantes. Um torcedor usou um termo ainda mais chulo para mostrar o que pensa da cantora, e outro começou a ofender gratuitamente seu filho, o vereador Thammy Miranda, um homem transexual.
"Onde está Gretchen?"
Um rapaz indiano com a camisa do Brasil disse que não conhecia Gretchen, mas depois de dar um Google ficou de avisá-la que eu estava atrás dela caso a encontrasse. Nepaleses com a camisa do Brasil. Bengalis, indianos e libaneses. Qataris com seus trajes típicos e adereços verdes e amarelos. Uma garota bósnia, um rapaz sírio. Na torcida brasileira em Doha, cabe o mundo inteiro. O mundo inteiro, menos Gretchen.
E então, quando eu já quase desistia da busca, ela mandou o áudio salvador: "Agora estou do lado da bola do Brasil, de onde está saindo uma mulher de dentro." Uma imensa bola verde e amarela, com uma dançarina no centro, iluminada pela luz amarela refletida na fachada do maior estádio da Copa. Foi ali que encontrei Gretchen, com seu marido Esdras e a equipe do "Choquei".
"É a primeira vez que estou nesse país", disse ela. "Estava todo mundo dizendo que eu ia me dar mal por causa das minhas roupas, mas está sendo incrível, estou sendo tratada como uma rainha." Símbolo sexual nos anos 70 e 80, Gretchen virou uma subcelebridade habitué de reality shows de qualidade duvidosa nos anos 2000, mas já sessentona teve a realeza reabilitada pelas redes sociais.
Seu acordo com a página "Choquei", que somente republicando notícias de jornais consegue enorme engajamento do público, é fruto da dinâmica das redes. Inicialmente dedicada ao noticiário de fofoca, a página passou a cobrir assuntos mais sérios, como a guerra na Ucrânia, e seus seguidores brincaram que Gretchen deveria ser sua correspondente. Os memes se tornaram realidade em outubro, quando empresários ligados a um aplicativo de estatísticas fizeram o convite para a influenciadora vir ao Qatar.
Ao entrar no estádio Lusail, após cruzar os portões e posar para fotos com fãs, Gretchen admitiu não ser muito fã de futebol. Flamenguista não praticante, admirou-se com o show de luzes e sons antes da partida. "Sabe por que os jogadores usam chuteiras rosa?", me perguntou ela enquanto a seleção aquecia no gramado. "É para agradar aos gays."
Gretchen é um ícone e uma ativista da comunidade LGBT, e seus fãs ficaram preocupados com sua viagem ao Qatar, um país ultraconservador que criminaliza os gays. Mas durante o jogo contra a Sérvia ela parecia relaxada, tirando fotos e gravando vídeos para seus amigos e parentes.
Sentada atrás do gol defendido por Alisson no primeiro tempo, ela faz selfies com o marido, tenta encontrar Neymar em campo e aplaude Tite "para valorizar os velhos também". Mostra no celular um vídeo da filha Giulia, que vive em Paris. Abraça uma moça de uns 20 anos que deu um gritinho ao reconhecê-la na arquibancada.
Diz estar sonhando com o próximo Natal, quando seus filhos estarão reunidos na casa do vereador Thammy Miranda, em Alphaville, região metropolitana de São Paulo. "Sou mãe de um homem trans", comenta ela orgulhosa quando questionada sobre a homofobia e a transfobia no Qatar. "Só eu estar aqui já é uma resposta."
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