Argentinos levam clima de Libertadores a Doha e dão aula de torcida na Copa
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Um pai ergue o filho nos ombros, e os dois cantam até o fim. Uma mãe segura a filha dormindo em um dos braços e o outro ela ergue em direção ao campo. Um jovem sobe no assento e faz um sinal de reverência para Lionel Messi. Outro grita o nome de Diego Maradona. Um velho de 82 anos bate o bumbo com uma muleta porque esqueceu a baqueta no Uber. Os argentinos estavam no Lusail, um estádio com um ano de idade, mas pareciam se sentir dentro das quase centenárias arquibancadas do Monumental de Nuñez. Ou na Bombonera.
Para se manter viva na Copa, a Argentina não podia perder para o México ontem. "Vamos, Argentina! Para ser campeão, temos que ganhar", cantavam os torcedores, de pé durante o jogo inteiro, atrás de um dos gols. Foi a primeira vez que a Copa de 2022, cheia de torcidas frias e casuais, viu uma atmosfera tão quente, tão apaixonada, tão dramática. Um "clima de Libertadores", como define o clichê.
Na vitória de hoje (26), a torcida jogou melhor que o time. Enquanto Messi errava passes e Di Maria se via bloqueado pela defesa mexicana, os bancos do Lusail tremiam sob o salto dos argentinos. O concreto de metade do estádio foi decorado de azul e branco, com bandeiras que traziam o nome das cidades, bairros e comunidades do país. "Diego, o melhor momento da minha vida eu vivi por causa de ti", dizia uma delas.
Durante vários momentos do jogo, os argentinos cantaram que estavam jogando "como locais", uma forma de dizer que estavam em maior número, mesmo fora de casa. Entre os quase 89 mil torcedores que foram ao jogo, os mexicanos também estavam em peso. E também cantaram que estavam "como locais". Eles pintaram o estádio de verde e o decoraram com sombreiros e máscaras de luta livre. Viver esse tipo de atmosfera foi como reviver os grandes clássicos estaduais do Brasil, nos quais as torcidas mediam forças no canto e no número.
Um clima bem diferente do que se viu em Brasil 2 x 0 Sérvia, apenas dois dias atrás, no mesmo Lusail. Naquela ocasião, os cânticos foram ouvidos apenas em um setor menor atrás do gol, puxados pelo "Movimento Verde Amarelo", um grupo de torcedores organizados que há anos tenta mudar o clima da torcida da seleção brasileira. Contra a Sérvia, os organizados brasileiros reclamaram da acústica do Lusail, que impedia suas vozes de se propagar para outros setores.
Mas essa acústica não fez morrer o canto argentino. E também não foi a primeira vez que eles deram aula de torcida na Copa. Quem esteve na derrota para a Arábia Saudita, na primeira rodada, notou sua presença barulhenta, sua coreografia ensaiada, rivalizando duramente com os sauditas — esses sim, praticamente locais, devido à proximidade com o Qatar.
A torcida brasileira não consegue reproduzir o clima que os argentinos operam nos estádios. No Qatar, os brasileiros receberam o reforço de aliados asiáticos, indianos, bengalis e muitos árabes, que, embora acompanhem a seleção há anos e desfilem animados pelas ruas de Doha, não conhecem os cantos que os brasileiros entoam no estádio.
A atmosfera foi tão latina ontem no Lusail que mexicanos e argentinos arranjaram tempo até para brigar, numa cena rara (e talvez única, até agora) de violência na Copa. Depois do jogo, começaram a circular vídeos de uma troca de agressões entre homens de verde e de azul e branco. Depois de um duelo dramático, resolvido apenas na parte final, o clima festivo começou a esquentar.
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