América do Sul corre risco de fracasso histórico com só Brasil classificado
Classificação e Jogos
O Equador foi eliminado por Senegal da Copa do Mundo do Qatar nesta terça (29), trazendo um dado alarmante para o futebol da América do Sul. O Brasil, é bem verdade, já está classificado com 100% de aproveitamento. Mas Argentina e Uruguai, outras duas potências do continente, correm considerável risco de acompanhar os equatorianos na volta para casa.
Os argentinos têm uma decisão às 16h (de Brasília) desta quarta-feira (30) contra a Polônia, e precisam ganhar para seguir na Copa. Os uruguaios têm situação ainda mais delicada. Hoje, seguram a lanterna do Grupo H, e também estão obrigados a vencer Gana às 12h de sexta (2) para avançar na competição e enfrentar, ao que tudo indica, o Brasil nas oitavas de final.
Conseguindo rumar juntos às oitavas, Brasil, Uruguai e Argentina já dariam à América do Sul o pior aproveitamento do continente em mata-matas desde a Copa de 2006, na Alemanha, quando Brasil, Argentina e Equador continuaram na disputa depois da fase de grupos.
Com dois classificados, a América do Sul repetiria o desempenho de 2002. Há exatos 20 anos, na Copa da Coreia e do Japão, o Brasil e o surpreendente Paraguai seguiram para o mata-mata, enquanto Argentina e Uruguai deram adeus logo de cara.
Em caso de classificação isolada do Brasil às oitavas da Copa do Mundo do Qatar, este seria o pior desempenho do continente desde a adoção do atual formato da Copa do Mundo, com 32 países, inaugurado no Mundial da França, em 1998.
Europa fechada, América debilitada
"O futebol hoje é um cara ou coroa", analisou ao UOL o argentino Claudio Borghi. Campeão mundial de 1986 como jogador, e também ex-técnico do Chile, ele define desta maneira a paridade que se vê no Qatar: "Quando a gente fala que todo mundo ganha de todo mundo, é isso que a gente tenta explicar. O Equador empatou com a Holanda e foi eliminado por Senegal. Hoje há um equilíbrio que muitos podem explicar por onde quiser: calendário, físico, tecnologia, o que for. Mas por que vamos ficar surpresos quando o Equador fica fora e não quando a Croácia chega à final eliminando a Inglaterra?", interpretou, em referência à Copa de 2018.
"O Peru, derrotado na repescagem pela Austrália, também entra nisso. Hoje, não é porque você é sul-americano que você ganha tranquilo de outros países, e nem falo dos europeus", conclui Borghi.
O contexto internacional mereceu considerações de Jorge Valdano. Também campeão mundial de 1986 com a Argentina e ex-dirigente e técnico do Real Madrid, ele falou: "A Europa está se fechando cada vez mais, já não joga amistosos. Sem este confronto, é muito difícil que outro continente consiga evoluir", comentou no canal de TV TyC Sports, de seu país.
"Esta é uma dificuldade que têm a América do Sul e a América do Norte. Elas apenas enfrentam europeus em Copas, e isso dá cada vez mais superioridade à Europa", analisou.
Para ele, uma saída é a Conmebol (órgão que rege o futebol na América do Sul) e a Concacaf (similar que comanda o esporte na América do Norte) estudarem intercâmbios e um calendário conjunto.
"O futebol é caracterizado por surpresas. Estamos em um Mundial sem a tetracampeã Itália. E quem diria que o Chile, depois de ganhar duas edições da Copa América, ficaria sem se classificar para duas Copas do Mundo seguidas?", analisou ao UOL o jornalista argentino Enrique Macaya Márquez, que está no Qatar cobrindo a sua 17ª Copa do Mundo, um recorde entre os profissionais do continente.
A queda do Equador, na sua interpretação, merece mais aplausos que considerações negativas: "Foram dignos representantes de um futebol em ascensão. Nos anos 1940, o Equador perdeu para a Argentina por 12 a 0. Hoje, empata com a Holanda em uma Copa. Não posso questionar nada, mas respeito todas as teorias".
Libertadores escancara dificuldade
Principal torneio de clubes da América do Sul, a Libertadores, a "obsessão" dos torcedores, anda com peso praticamente nulo na Copa do Mundo do Qatar.
Um exemplo vem da própria seleção do Equador eliminada hoje. Entre os titulares, só um, o meio-campista Franco, disputou a Libertadores, pelo Talleres, da Argentina. Dos 26 convocados, apenas 6 atuam na América do Sul.
A situação de Brasil e Argentina é ainda mais alarmante ao se levantar os jogadores da Libertadores que estão no Qatar.
Na Argentina, há um único caso, o goleiro reserva, Franco Armani, dono da posição no River Plate há quatro anos. O exemplo do agora badalado Enzo Fernández é interessante. Com a camisa do River, ele ainda engatinhava na seleção, mas depois de se transferir para o Benfica, virou aposta fixa do técnico Lionel Scaloni, que deve colocá-lo amanhã para jogar como titular.
O Brasil tampouco usou até aqui o seu "trio de Libertadores", Weverton (Palmeiras), Éverton Ribeiro e Pedro (ambos do Flamengo).
O Uruguai tem um caso mais amplo de uso do futebol sul-americano, mas ainda assim pouco efetivo — 9 dos 26 convocados atuam no continente, mas só Rochet (Nacional), Godín (Vélez Sarsfield) e Varela (Flamengo) foram titulares depois de jogar a última Libertadores.
Mesmo os badalados De La Cruz (River) e Arrascaeta (Flamengo) vêm entrando apenas no decorrer das partidas.
James, Forlán (Gamarra, Rincón...)
O duro momento da América do Sul em Copas apunhala os nostálgicos. Gerações de apaixonados por futebol cresceram aplaudindo a coragem de craques de países menores que se agigantavam em Copas. Exemplos não faltam: os colombianos Valderrama e Rincón em 1990, os paraguaios Chilavert, Arce e Gamarra em 1998 e, nos anos mais recentes, o uruguaio Forlán, em 2010, e o colombiano James Rodríguez, em 2014, ambos artilheiros em seus Mundiais.
País continental, o Brasil ultimamente absorve jogadores importantes do continente e domina, por exemplo, a Libertadores, com 100% dos representantes das últimas três finais e 100% dos títulos das últimas quatro edições do principal torneio continental (duas conquistas do Palmeiras e duas do Flamengo).
Para o restante do continente, o momento é de uma entressafra intrigante. Esta deve ser a última Copa, por exemplo, de Lionel Messi, Luis Suárez e Edinson Cavani. Os dois países também se encarregam de trazer novidades em suas seleções. A Argentina conta com 19 estreantes em Copas, e o Uruguai, hoje treinado pelo técnico Diego Alonso, reverte o comando do interminável "Maestro" Óscar Tabárez, responsável pela Celeste nas Copas de 2010, 2014 e 2018.
Os próximos dias serão cruciais para definir se a América do Sul, tal qual escrevia o uruguaio Eduardo Galeano sobre a América Latina, vai precisar "abrir suas veias" para saber se há alguma possibilidade de voltar a brilhar no futebol.
Excluindo o Brasil em seu mundo próprio, a América do Sul não quer ser, no futebol, um "velho continente" que vê seus títulos apenas em preto e branco.
América do Sul em Copas do Mundo*
2022 - Brasil (classificado às oitavas), Equador (1ª fase), Argentina e Uruguai (mantêm chances de classificação)
2018 - Uruguai (quartas), Brasil (quartas), Colômbia (oitavas), Argentina (oitavas) e Peru (1ª fase)
2014 - Argentina (final), Brasil (semi), Colômbia (quartas), Uruguai (quartas), Chile (oitavas) e Equador (fase de grupos)
2010 - Uruguai (semi), Argentina (quartas), Brasil (quartas), Paraguai (quartas) e Chile (oitavas)
2006 - Brasil (quartas), Argentina (quartas), Equador (oitavas), Paraguai (1ª fase)
2002 - Brasil (campeão), Paraguai (oitavas) Argentina (1ª fase), Uruguai (1ª fase) e Equador (1ª fase)
1998 - Brasil (final), Argentina (quartas), Paraguai (oitavas), Chile (oitavas) e Colômbia (1ª fase)
* No atual formato, com 32 países (4 vagas nas Eliminatórias + 1 para a repescagem mundial)
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