'Atenção, operadores. Gol do Brasil': como é não ver a Copa no metrô de SP
Classificação e Jogos
Parecia mais um dia normal para Valmir Souza. Aquela segunda-feira típica. Ele levantou, tomou seu café da manhã e partiu às 4h50 de São Vicente, no litoral paulista, onde mora, rumo à estação Jabaquara, na cidade de São Paulo. O homem de 60 anos é operador do Metrô da capital há mais de três décadas e todos os dias transporta cerca de 10 mil pessoas pela linha azul, antigamente conhecida como "norte-sul". Em dia de jogo do Brasil em Copa do Mundo não foi diferente.
Valmir faz quatro viagens por dia no percurso Jabaquara - Tucuruvi e a sua última jornada começou justamente às 12h52 (de Brasília), oito minutos antes de a seleção brasileira entrar em campo para o confronto contra a Suíça, pela segunda rodada da fase de grupos do Mundial sediado pelo Qatar. A pergunta que você deve estar fazendo no momento é: como ele assiste ao jogo? A resposta é: não assiste.
É isso mesmo. Valmir não pode nem sequer levar o seu celular para a cabine da composição. Nada pode atrapalhar a atenção do maquinista, principalmente em chegadas e saídas das 23 estações distribuídas ao longo de 20 quilômetros. Ele precisa ficar de olho para atuar com agilidade em qualquer intercorrência que atrapalhe o bom funcionamento do transporte ou que coloque a segurança de um passageiro em risco. É como se fosse o pouso e a decolagem de um avião para um piloto.
"Antigamente, quando a escala dos operadores era colocada em um papel e vinham chamar o operador para a próxima viagem, tinha gente que se escondia no banheiro para não ser convocado em horários de jogos do Brasil em Copas", relembra Valmir, que é corintiano e muito fã de futebol: já treinou crianças de uma equipe de futsal em São Vicente por 10 anos e jogou até na várzea.
Depois de nove Copas como operador, Valmir já está acostumado. Sabe que faz parte da profissão que escolheu trabalhar em momentos que quase ninguém gostaria. Ele ama o que faz e não pensa em se aposentar tão cedo. O paulista começou como bilheteiro em 1990 até que, após dois anos e um curso de cinco meses, recebeu o convite para se tornar um operador de trens.
Quando o relógio bateu às 12h50, Valmir se afastou da grande televisão e saiu da sala de descanso dos operadores para colocar o trem para rodar. O movimento pelas plataformas da estação Jabaquara ainda era grande, aquele corre e corre de gente querendo chegar nos seus determinados destinos para torcer pelo Brasil. Na mão direita, o operador levava um papel impresso com as indicações sobre o anúncio de possíveis gols que seriam comunicados pela CCO (Centro de Controle Operacional).
O trem saiu rumo ao Tucuruvi e, a cada estação, os carros iam esvaziando. Valmir parou na São Bento, famosa pela lotação de pessoas cheias de sacolas por causa da proximidade com a região comercial da Rua 25 de Março. Tinha pouco mais de 12 "gatos pingados" esperando na plataforma para embarcar no trem.
"E nada de gol, hein", questionou Valmir, às 13h22. A cada chiada que o rádio soava, o operador arregalava os olhos esperando pela boa notícia.
Na Luz, uma quantidade ainda maior de pessoas abandonou a viagem de Valmir. "O que antes era vagão cheio, agora está vazio", disse ele, apontando para as imagens das câmeras de controle que têm em seu painel. "Olha, eu trabalhei na final do Mundial em que o Corinthians venceu o Chelsea e estava ainda mais vazio. Eu que anunciei: 'Em Yokohama, o Corinthians faz 1 a 0 com Paolo Guerrero", relembra com um sorrisão no rosto.
O trem chegou na última parada, a estação Tucuruvi, às 13h45. Valmir desembarcou da cabine, tomou um copinho de água e assumiu o próximo trem com destino de retorno à Jabaquara. Apenas uma menina entrou no carro da cabine do operador, era Daiane Carolina, 20, atendente de telemarketing: "Não teve como parar na hora do jogo. Funcionamos 24 horas por dia".
Dez minutos depois, a sensação de Valmir ao ver as plataformas praticamente vazias é que já se passava de meia-noite. Na estação Carandiru, a senhora Dalva Okamo, 70, entra: estava indo para a igreja de São Judas, onde faz suas orações semanais. Hoje não poderia ser diferente: "Vou todas as segundas. Não deixaria de ir por causa do jogo".
O tempo vai passando e nada do rádio de Valmir com notícias sobre a partida realizada no estádio 974. "Já deve estar com 20 minutos do segundo tempo. Cadê o gol? Eu estou doidinho para colocar em prática a orientação de hoje", comentou o operador. Às 14h07, o trem parou na tradicional estação Sé e era um silêncio ensurdecedor. "Acho que o Brasil não deve estar bem", falou Valmir.
Por incrível que pareça, o baixo movimento não espanta mais Valmir. Ele lembra da esposa e dos três filhos, que estão assistindo à partida na casa da sua comadre, com direito a churrasco e piscina. "Minha família deve estar na maior festa lá. Tudo bem. Alguém tem que transportar as pessoas, né? E vou dizer: nada é mais triste do que passar a virada de ano aqui, é bem pior. E aí, sim, em todo o dia 31 de dezembro as estações e os trens ficam completamente vazios perto da meia-noite", refletiu o maquinista.
A poucos metros da estação Praça da Árvore, finalmente a CCO avisa pelo rádio: "Atenção, operadores. Gol do Brasil". Valmir comemora e anuncia pelo alto-falante do trem: "O metrô informa: no Qatar, Brasil 1, Suíça 0". A alegria não durou muito. Antes de chegar na Saúde, o rádio chia novamente: "O gol foi anulado". Decepcionado, o operador comunica aos passageiros.
Fim de uma viagem completa com tranquilidade. São 14h30 e Valmir chega a tempo para assistir ao finalzinho do segundo tempo da partida. Ele voltou à sala dos operadores, foi cumprimentado pelos colegas — tensos com o desempenho do Brasil — e voltou os olhos à TV.
Aos 38 minutos da etapa complementar, Casemiro marcou o gol da vitória brasileira para a alegria de Valmir. Para quem acompanhou o operador pela primeira e mais longa linha de metrô de São Paulo, ficou até a impressão de que a seleção esperou esse "torcedor ilustre" encerrar a viagem. "Melhor impossível. Consegui ver o gol e, de quebra, ganhei no bolão de hoje daqui, coloquei 1 a 0. O Brasil vai ser hexa", avisou.
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