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Thiago Silva resistiu ao estigma do choro para vestir braçadeira no Qatar

Thiago Silva durante partida da seleção brasileira contra a Suíça na Copa do Mundo - Jonathan Brady/PA Images via Getty Images
Thiago Silva durante partida da seleção brasileira contra a Suíça na Copa do Mundo
Imagem: Jonathan Brady/PA Images via Getty Images
Gabriel Carneiro, Igor Siqueira, Danilo Lavieri e Pedro Lopes

Do UOL, em Doha

01/12/2022 04h00

Classificação e Jogos

Tite arregalou os olhos durante um congresso de treinadores fora do país no começo do ano quando um dos palestrantes usou um jogador da seleção brasileira para dar exemplo sobre determinada estatística. Ele não fazia ideia, mas Thiago Silva tinha atingido 34,2 km/h de velocidade numa cobertura longa, aquele movimento que o jogador de defesa que não está marcando o dono da bola faz para ajudar este companheiro e evitar que o adversário ataque. É uma mistura de rapidez, concentração e senso coletivo.

Naquela época, o técnico da seleção assistia de vez em quando a uma série de TV sobre o astro do futebol americano Tom Brady, conhecido pela carreira longa e vencedora. O fã da série (e de Brady) é Matheus Bachi, filho e auxiliar de Tite, mas o pai gostou do que viu e trouxe para sua realidade. Seu Tom Brady é Thiago Silva, escolhido como capitão do Brasil na busca pelo hexacampeonato mundial no Qatar.

"A idade não é um pré-requisito para alto nível", diz, sobre o zagueiro que é personagem do capítulo da série "Capitães do Hexa", que já contou histórias inéditas e curiosas dos cinco capitães campeões mundiais pelo Brasil. Antes, já falamos de Bellini, Mauro Ramos de Oliveira, Carlos Alberto Torres, Dunga e Cafu.

Thiago Silva tem 38 anos e está na quarta Copa do Mundo. Ele não jogou em 2010, mas já foi titular e capitão em 2014 e 2018, assim como acontece em 2022. São 13 jogos, gols marcados, recordes, boas atuações e provavelmente muitas coberturas longas. Mas quando o torcedor comum pensa nele, a marca de sua trajetória na competição é do seu choro.

Foi nas oitavas de final da Copa do Mundo de 2014, Brasil x Chile no Mineirão, depois de um empate tenso no tempo normal. Thiago Silva sentou-se numa bola na lateral do campo enquanto os outros jogadores se reuniam em outro lugar. Gritou apenas "o último". Era um pedido para não ser responsável por qualquer cobrança. Ele tinha os olhos marejados e foi conduzido por Fernandinho àquela rodinha que os jogadores fazem antes da decisão. Lá, não falou nada, só ouviu os discursos do centroavante Fred e do volante Paulinho.

Thiago Silva - Buda Mendes/Getty Images - Buda Mendes/Getty Images
Thiago Silva foi consolado pela comissão técnica da seleção brasileira após classificaão em 2014
Imagem: Buda Mendes/Getty Images

O Brasil ganhou por 3 a 2 nos pênaltis e seu capitão não comemorou, pulou, gritou ou abraçou o goleiro Júlio César. Thiago Silva desabou no gramado chorando e precisou ser consolado e erguido por companheiros e pelo técnico Felipão.

Oito anos depois, Thiago Silva tem resposta pronta sobre o choro. Ele dá até um sorrisinho de lado quando o assunto vem à tona, o que acontece em todas as suas manifestações públicas como jogador da seleção. É regra, a pergunta sempre vem. A resposta ensaiada é que não se arrepende, que lamenta ter sido marcado negativamente pelo episódio, mas que hoje em dia está tranquilo e que aquilo serviu de aprendizado para as grandes coisas que viriam em seguida. Ou algo parecido.

Para pessoas próximas e no entorno da seleção, o assunto já não é tabu. Thiago disse uma vez que não dá para programar quando você vai se emocionar ou não, o que significa que pode acontecer de novo. Ao mesmo tempo, também já refletiu que a experiência e a idade deixaram mais claro na sua cabeça quando e por quem chorar.

Essa experiência é muito valorizada por Tite e sua comissão técnica. O treinador diz que Thiago Silva tem algo fundamental num grupo vencedor: o cheiro do vestiário, a capacidade de entender quando o grupo precisa de algum estímulo diferente daquele que tem sido dado.

Thiago Silva - Giuseppe Cacace/AFP - Giuseppe Cacace/AFP
Neymar é apoiado por Thiago Silva após lesão contra a Sérvia, na estreia da Copa
Imagem: Giuseppe Cacace/AFP

Depois do jogo contra a Sérvia na estreia da Copa do Mundo, quando o Brasil perdeu Danilo e Neymar machucados, Thiago Silva achou que era preciso externar publicamente o apoio e a confiança da seleção na recuperação da dupla. Foi ele o responsável por um movimento em que todas as declarações públicas foram em nome da certeza de que eles voltariam e seriam importantes no torneio. O capitão também deixou comentários nas redes sociais dos lesionados.

Outro ponto que reforça a liderança de Thiago Silva nos bastidores da seleção é o apoio incondicional e inegociável aos companheiros. Com ele, a primeira palavra é sempre de proteção. Nessa Copa, isso aconteceu num dia de treinos em que Lucas Paquetá subiu até a arquibancada para consolar um filho que estava chorando. O treino nem tinha começado direito, mas comentaristas e torcedores no Brasil viram como falta de foco no trabalho.

No mesmo dia, Thiago Silva deixou um comentário aberto na página "Fui Clear" do influenciador Eduardo Semblano: "O homem [Tite] foi quem mandou o Paquetá subir. O Tite mandou".

Thiago Silva age dessa forma por proteção aos companheiros, o que a comissão técnica da seleção vê como postura de liderança, e também por ser um dos jogadores em que Tite reconhece maior noção do peso da Amarelinha, do sentimento de jogar pela seleção, de não tratar como natural estar numa Copa do Mundo.

Thiago Silva e Tite - Mohamed Farag/Getty Images - Mohamed Farag/Getty Images
Tite e Thiago Silva em coletiva de imprensa
Imagem: Mohamed Farag/Getty Images

Ano passado, na época em que muitos brasileiros declararam torcida para a seleção argentina na final da Copa América, Thiago Silva foi um dos mais injuriados: "No meu modo de ver, é uma coisa inimaginável. Eu, quando criança, nunca imaginei que passaria por isso. Onde tem Brasil, sou sempre Brasil. Independentemente da modalidade."

A suposta fragilidade emocional já é vista como coisa do passado. Thiago Silva esteve em duas finais de Liga dos Campeões da Europa consecutivas, perdeu uma com o PSG, venceu outra pelo Chelsea, e foi sempre referência de comportamento e liderança. Isso já aos 35 e 36 anos.

Dentro de campo, mantém o nível que rendeu o apelido de "Monstro", inclusive fisicamente. "Temos uma equipe de monitoramento 24h do Thiago. Toda a rotina do Thiago a gente vai suplementando e criando a dieta, sendo jogo, treino ou descanso. Existe uma galera full time para isso, com médico e nutricionista", diz Douglas Tigre, endocrinologista que atende o zagueiro da seleção há quase dez anos e é um dos responsáveis pela boa forma aos 38.

Nos últimos anos, dizem que Thiago Silva está até melhor. Ele começou a estudar para ser técnico depois de pendurar as chuteiras e frequentemente discute com a comissão técnica da seleção e do Chelsea sobre seu posicionamento e estratégias de jogo, colocando ideias e buscando entender os processos. Virou um segundo treinador dentro de campo.