'Não tem negro': organizadas falam sobre torcida brasileira na Copa
Classificação e Jogos
Criado em 2008, o Movimento Verde Amarelo (MVA) vem sofrendo críticas de torcedores por ser uma torcida de elite e pouco empolgante nas arquibancadas. Mas será que são justas? É possível torcer para a seleção brasileira da mesma forma que se torce para um clube? O UOL fez essas e outras perguntas para lideranças e ex-lideranças das maiores organizadas paulistanas.
Atual vice-presidente da Gaviões da Fiel, Danilo Oliveira, conhecido como Biu, tem palavras duras a respeito da torcida organizada da seleção. Durante a partida entre Brasil e Suíça, integrantes do MVA se estranharam com membros da organizada corintiana por causa da colocação de faixas no estádio.
"Esse Movimento Verde Amarelo já começou totalmente errado", diz Biu. "É a primeira organizada que nasce da burguesia. As organizadas dos clubes são todas oriundas da periferia e da classe trabalhadora, dos excluídos. Eles (MVA) foram na contramão, e você vê isso pelos patrocínios."
De fato, durante a convocação da seleção brasileira para a Copa no Qatar, a live do MVA no YouTube teve patrocínios de marcas como Brahma, Guaraná Antarctica, Cimed e Stella Barros Turismo. "Mais de 50% da população brasileira é negra e você não vê um negro nesse movimento. Isso já mostra a posição que eles ocupam", diz Biu. "E não vejo como a seleção brasileira possa ter uma torcida organizada, uma vez que carrega o símbolo do CBF."
Para Rodrigo Gonzalez Tapia, a torcida brasileira da seleção é simplesmente a pior da América do Sul. Conhecido como Digão, o ex-presidente da Gaviões da Fiel conhece de perto a torcida chilena. "Minha família inteira é do Chile. Eu já fui a jogos da seleção deles e é outra coisa. Eles criaram uma torcida para a seleção com todas as torcidas do país."
Digão classifica a organizada chilena como "mil grau". Conta que assistiu a uma partida contra o Brasil e que ela não parou de cantar um minuto. "Os caras respiram torcida de verdade. Vão atrás do time e da seleção onde quer que eles joguem", diz Digão. "A torcida do Brasil é muito fraca. Por isso, acho uma boa ideia termos uma organizada. Mas tem que levar instrumento, bandeirão, umas faixas muito loucas, pintar a cara."
Um dos mais importantes líderes da história da Independente, organizada são-paulina, José Carlos Zabeu é outro que admira as torcidas vizinhas. "Tenho até inveja dos argentinos. O Brasil é o único país que não tem um grito de guerra padrão. Pra gente que é de arquibancada, isso é frustrante", diz Zabeu, conhecido como Adamastor. "Aí vão os caras 'pastel' e criam uma musiquinha, mas não é sangue nos olhos."
Mas e o MVA? "Se você pega o valor do ingresso de um jogo da seleção, não é mais o povão que vai. Só milionário está lá no Qatar, tocando surdo, caixa (da bateria). Não tem um pobre", observa Adamastor
"Eu acho que é possível e acredito que a seleção merece uma torcida organizada", diz Paulo Serdan, presidente de honra e um dos fundadores da Mancha Verde. Mas ele faz ressalvas. Lembra que, nos anos 80, era comum que as organizadas acompanhassem os jogos da seleção no Brasil. Um hábito que, para Serdan, se perdeu por uma série de motivos.
"Antigamente, a gente (torcidas organizadas) acompanhava o Brasil nas eliminatórias para a Copa do Mundo. Você via as faixas das maiores torcidas nos estádios. Organizávamos caravanas. Em um jogo contra o Chile, fomos com seis ou sete ônibus para o Maracanã", lembra Serdan.
O líder da Mancha Verde acredita que esse hábito foi se esvaziando quando os principais jogadores da seleção começaram a deixar os clubes do país. "Naquela época, ficávamos esperando a convocação para ver quais jogadores iriam para a seleção. Tínhamos orgulho. Primeiro, do nosso time. E todos acompanhavam os jogos do Brasil, independentemente de quais eram os clubes em que eles atuavam."
Serdan conta que os presidentes das principais torcidas organizadas chegaram a visitar a seleção brasileira antes de um jogo das eliminatórias para a Copa de 1994. "A CBF nos convidou por meio da Federação Paulista de Futebol. Fomos até a Granja Comary e passamos o dia inteiro lá. Almoçamos com o time, batemos um papo com o Parreira e o Zagallo e conversamos com os jogadores."
Para o fundador da Mancha Verde, urge que a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) pense em como reaproximar a seleção do povo brasileiro. "Eles (CBF) têm que calçar as sandálias da humildade e entender que a seleção não é nada sem o povo", diz Serdan. "Pode até ser campeã do mundo, mas não é nada. Se não tomarmos cuidado, estamos caminhando para sermos como os Estados Unidos. A seleção deles se classificou (para as oitavas de final da Copa no Qatar) e não aconteceu nada, ninguém comemorou."
MVA rebate críticas
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Movimento Verde Amarelo rebateu algumas das críticas. Carlos Júnior, assessor da torcida, afirma que ela tem "integrantes de todas as classes sociais, pessoas que estão aqui (no Qatar) com muito planejamento e muito custo". Ele diz que também há torcedores das mais diversas regiões do Brasil e negros.
"Também temos um braço social que já atuou na Copa do Mundo de 2018, na Copa América de 2019 e aqui no Qatar", explica Carlos. "Se chama Torcedores da Alegria. Nos vestimos de palhaços para levar alegria e um pouco de amor para as crianças que estão em hospitais.
Para ilustrar o que diz, Carlos sugere que a reportagem converse com dois integrantes do MVA: Julio Cesar e Eduarda Araújo.
Julio é negro e precisou fazer uma vaquinha online para arcar com o altíssimo custo de acompanhar a Copa do Mundo no Qatar. "Tô longe de ser rico ou da elite. Sou um trabalhador e estou aqui realizando um sonho", diz o jornalista de 31 anos. Ele explica que não é o único negro do movimento, mas admite que a organizada da seleção ainda precisa de mais diversidade.
"Isso precisa melhorar para tirar um pouco essa visão de que somos uma torcida de playboy", acredita Julio. "Acho que, primeiramente, os torcedores brasileiros poderiam ter um incentivo da CBF, porque não recebemos apoio nenhum. Os argentinos recebem dois mil ingressos da AFA (Associação de Futebol Argentina), que custeia as despesas da torcida. Acho que projetos sociais e parcerias com grandes empresas também podem ajudar."
A também jornalista Eduarda, 24 anos, precisou de uma intrincada engenharia financeira para ir ao Qatar com o MVA. "Me formei na faculdade pelo Prouni e fiz dois empréstimos consignados para estar aqui", conta a torcedora. Ela cresceu no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, mas não em sua parte de classe média ou classe média alta. "Cresci na comunidade Mario Cardim, que é pequena e às vezes as pessoas não conhecem", explica.
"Sou responsável por todas as contas da minha casa. Aluguel, conta de luz. Minha mãe não trabalha. Estou aqui (no Qatar) economizando o máximo possível", esclarece a jornalista.
O UOL News Copa traz informações sobre o jogo entre Brasil e Coreia do Sul, a escalação ofensiva de Tite, os perigos que a Coreia pode apresentar, os confrontos no mata-mata e mais! Confira:
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