A 2ª morte do tiki taka: Pedri e Gavi ainda não são Xavi e Iniesta
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Foram 1.063 passes totais, 988 deles certos, 63% de posse de bola, 29 tentativas de cruzamentos e apenas 2 chutes certos para o gol. Mas o número mais importante da eliminação da Espanha diante de Marrocos é outro, refletido no placar do Estádio da Educação: 0 gol.
Um zero que reflete a falta de artilharia de uma seleção que domina todos os seus jogos, mas que mostrou no Qatar que tem dificuldade para transformar a posse de bola em gols. Não é por acaso que Luis Enrique discutiu em entrevista coletiva e a maioria de jogadores passava de caras fechadas como se fosse um enterro. "Estamos fodidos, tristes. Perder nos pênaltis é uma merda", definiu o defensor Llorente, seco, duro, resumindo um sentimento só traduzido por palavrões.
A Espanha deixa o Mundial com o recorde de passes certos em uma partida (1.003, nos 7 a 0 contra a Costa Rica), mas a terceira eliminação prematura levanta o debate sobre o fim do modelo de jogo que transformou a antiga Fúria na maior força do futebol mundial entre 2008 e 2012: o "tiki taka".
Consagrado por Luis Aragonés e Vicente del Bosque na seleção — enquanto também era a base do jogo do Barcelona, com Pep Guardiola — o estilo tinha alguns pilares inegociáveis: muita posse de bola, centenas de passes no meio-campo e triangulações para encontrar espaços na defesa adversária. Tudo com extrema paciência e nenhum pudor em tocar a bola para o lado, se necessário fosse.
Taticamente, os times que consagraram esse jeito de jogar tinham sistemas parecidos: um 4-3-3, com dois meio-campistas (os chamados "interiores") que eram quem movia o time de um lado para o outro com os passes. Na Espanha supercampeã e no Barcelona, os dois eram Xavi Hernández e Andrés Iniesta. Na seleção que caiu nos pênaltis contra Marrocos, a tarefa estava nas mãos de Pedri e Gavi.
As semelhanças de estilo e o fato de todos terem aparecido no Barcelona criam uma comparação óbvia. É normal pensar em Pedri, 20, e Gavi, 18, como uma espécie de versão 2.0 da dupla anterior. A queda prematura no Qatar mostra que ainda é cedo para traçar paralelos.
No clube catalão, os dois jovens já ocupam uma posição que seus ídolos demoraram mais para alcançar. Pedri é titular e ídolo desde os 18 anos, já soma 93 partidas, com 12 gols marcados. Gavi quebra recordes de precocidade no clube e na seleção desde os 17 anos e acumula 66 partidas, com dois gols. Ambos já conquistaram o Prêmio Kopa, de melhor jogador jovem do ano, nas duas últimas temporadas.
Nesse ponto, a comparação com os dois líderes da geração anterior favorece os mais jovens. Xavi só se tornou indiscutível no Barcelona aos 27 anos e chegou à Copa do Mundo da África do Sul aos 30; Iniesta ganhou espaço aos 23 anos, depois que o francês Ludovic Giuly deixou o clube, e foi campeão mundial aos 26.
Enquanto a imprensa e os torcedores espanhóis buscam culpados e pensam no futuro, uma das poucas certezas é que Pedri e Gavi serão importantes no processo de renovação. A seleção espanhola que caiu diante de Marrocos tinha 20 jogadores estreantes em Copas e uma média de idade de 26 anos (a quarta mais baixa do torneio).
"Para muitos de nós, era a primeira Copa. E ficamos à altura, competimos bem em todos os jogos, independentemente do resultado. Agora é descansar uns dias, voltar a trabalhar com o clube e quando voltar para a seleção trabalhar mais", disse Ferran Torres, 22 anos, outro jogador do Barcelona na seleção.
Um novo sistema?
Lá se vão 12 anos desde o título mundial conquistado na África do Sul; uma década desde o último título da seleção, a Eurocopa-12; e sete temporadas desde que o Barcelona, comandado por Luis Enrique, o técnico da Espanha no Qatar, conquistou a Champions League pela última vez.
O "tiki taka" já era um quadro na parede em 2018, quando a Espanha chegou à Rússia tentando apagar a péssima imagem de 2014, quando a seleção caiu na fase de grupos. Depois de perder o treinador Julen Lopetegui um dia antes da estreia e de sofrer para avançar às oitavas, "La Roja" foi eliminada pelos russos, nos pênaltis, na primeira fase eliminatória.
Ali, muita gente matou e enterrou o "tiki taka". A escolha de Luis Enrique como treinador deu uma segunda chance ao estilo de jogo que mudou a Espanha de patamar. Mas, nesta terça (6), o sistema fracassou mais uma vez. "Estamos orgulhosos porque seguimos a nossa ideia até a morte, o time trabalhou junto, deu tudo o que tinha", disse o lateral Marcos Llorente após a eliminação.
O novo ciclo começará, mais uma vez, com o debate aberto sobre o sistema de jogo. O Barcelona, que deu à seleção oito jogadores neste Mundial, deve continuar sendo a base das convocações.
A pergunta é se o clube catalão seguirá inspirando, também, a forma de jogar: o time, hoje comandado por Xavi, mantém características do "tiki taka" espanhol, mas caiu pela segunda vez seguida na fase de grupos da Champions League.
Os dois caminhos alternativos seriam, pela lógica, os utilizados pelos dois outros clubes de grande porte do país: as transições rápidas e a verticalidade do Real Madrid ou o jogo mais físico e defensivo do Atlético de Madrid. Nenhuma das duas receitas entram na cartilha de Luis Enrique.
O técnico do novo naufrágio espanhol em Copas do Mundo admitiu toda a culpa pela derrota. "Os jogadores fizeram 100% das indicações que eu passei pra eles. Eles seguiram 99,9%, porque queriam fazer gols, e eu queria que eles criassem chances. Acabou. Temos de analisar esse jogo com tranquilidade", afirmou ele. Luis Enrique não parece ter entendido que houve um erro de sistema: viu a Espanha dominante e chegou a discutir com um jornalista que criticou a atuação de seu time.
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