Torcida enlouquecida faz Marrocos incendiar Doha e virar time da casa
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"Agora nós representamos todo o mundo árabe, toda a África, é muito grande. É muita responsabilidade, mas vamos conseguir, porque somos marroquinos!" Assim, com voz rouca e embargada, e olhos cheios de água, falou Oussama Essoubki, 29, residente em Paris, em frente ao estádio onde teve a noite mais feliz da vida.
Ele resume o sentimento que toma conta do Qatar e de todos os países árabes, do norte da África ao Oriente Médio, agora que Marrocos está nas quartas de final de uma Copa do Mundo. É a quarta vez de um africano nesta fase, mas só a primeira dos marroquinos e de um país árabe.
Nem todo país de maioria muçulmana é árabe — há outros grupos étnicos, como persas, curdos ou turcos. Um dos fatores que caracterizam o "mundo árabe" é o idioma e, não à toa, a torcida marroquina não canta Maroc ou Morocco no estádio e, sim, "Maghreb". As arquibancadas do estádio Education City explodiram durante mais de três horas com gritos de "olê, olê, olê, olê, Maghreb, Maghreb".
O Maghreb, ou, em árabe, a "terra a oeste", é um território no norte da África que engloba várias nações — Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Mauritânia e os territórios disputados do Saara Ocidental. Mas o Marrocos é que leva o nome, em árabe, de Al-Maghrib. Apesar de o Magreb ser uma região que engloba mais nações, ele é o "nome" de Marrocos em árabe. Agora, com a campanha monumental na Copa após eliminar a Espanha, o Marrocos não é só o Magreb, é o mundo árabe inteiro.
"Esse é o maior dia da história do país. Estamos muitos orgulhosos, muito felizes", continuou Essoubki. Mais da metade dos jogadores convocados para a Copa — 14 dos 26 — nasceram, de fato, em outros países. "Mas somos todos marroquinos, não importa onde nascemos".
O próprio técnico, Walid Regragui, nascido na França, falou sobre a característica multinacional desta seleção, que representa um país de muitos imigrantes. "Mostramos que todo marroquino é marroquino. Quando está na seleção, quer morrer por este país. Eu sou nascido na França. Mas e daí? Quando você está jogando por Marrocos, nada disso importa. Vejo os argelinos torcendo para nós, tunisianos, africanos, vamos fazer história, inchala (tomara, em árabe)", falou Regragui após a épica vitória sobre a Espanha, nos pênaltis.
Nas arquibancadas do estádio, era possível ver bandeiras não apenas de Marrocos — que, além de ter contado com a presença de muitos torcedores que vieram do país, ainda tem forte comunidade residente no Qatar —, mas também de outros países próximos, como Jordânia, Arábia Saudita, Argélia, Palestina, Tunísia, Síria, Egito, Líbano e Emirados Árabes Unidos.
Já no metrô, após a partida, um argelino enrolado na bandeira de seu país abraça um colega jordaniano e outros dois marroquinos, enquanto pulam e cantam. Ao lado, um homem com uma camisa da Arábia Saudita sorri ao acompanhar, pelo celular, o começo de Suíça x Portugal, que define o próximo rival de Marrocos.
Isso sem contar que, antes do apito inicial, milhares de marroquinos ficaram para fora do estádio, gerando correria e confusão. Todos queriam fazer parte do maior jogo de futebol da história da seleção de Marrocos, representante única dos mais de 400 milhões de habitantes do Mundo Árabe.
E foi assim, diante desse ambiente, que três diferentes jogadores espanhóis atravessaram o campo até a área onde estava o goleiro Bono para fazer as cobranças deles.
As caminhadas duraram alguns poucos segundos, mas pareciam eternas para quem cruzava o gramado debaixo de uma vaia ensurdecedora, entoada por um estádio lotado. O desfecho do trio foi o mesmo e não poderia ser outro: pênalti desperdiçado, para uma explosão de alegria poucas vezes vista em Doha.
Enquanto isso, três atletas marroquinos fizeram o mesmo trajeto, com direção à marca da cal. A trilha sonora, porém, era outra: gritos histéricos de apoio em uma única voz, fazendo tremer o estádio e emocionando a todos. Dizem que torcida não ganha jogo? Pois ganha. Marrocos eliminou a Espanha empurrado por 40 mil vozes e fez história.
"Era impossível fazer isso que fizemos sem os torcedores", resumiu o técnico Regragui.
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