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Única igreja católica de Doha é protegida por barricada e detector de metal

Adriano Wilkson, Igor Siqueira e Raquel Arriola

Do UOL, em Doha (Qatar)

07/12/2022 04h00

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Para entrar na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, o único templo onde é legal professar a fé católica no Qatar, é preciso superar uma série de barricadas, passar por blocos de concreto espalhados na calçada e se submeter a um detector de metal. O bloqueio do trânsito nas ruas adjacentes afasta carros e pedestres e transforma a região em um deserto.

A fachada da igreja não segue o estilo gótico ou românico, renascentista ou barroco. Lembra mais uma escola ou uma repartição pública. Não há abóbada, santos ou cruzes em exposição. Apenas um vitral discreto, virado para os fundos da igreja e retratando a paixão de Cristo, informa que o prédio é um templo católico. O vizinho da esquerda é a uma igreja anglicana, os da direita são outros quatro cultos cristãos —ortodoxo sírio, ortodoxo grego, indiano e copta.

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Complexo de igrejas cristãs do Qatar é cercado por grades e barricadas
Imagem: Adriano Wilkson/UOL

Essa é a "Cidade da Igreja", um quarteirão afastado dos bairros mais conhecidos de Doha, onde o governo permitiu em 2005 que se erguessem os templos cristãos. É o único lugar no país de 2,1 milhões de habitantes onde os cerca de 200 mil cristãos podem se reunir para rezar e celebrar suas tradições.

"Nós já conversamos sobre a possibilidade de diminuir todo esse aparato de segurança, mas o governo insiste que é pra nossa própria proteção", afirma o padre filipino Rally Gonzaga, o líder da congregação. A comunidade cristã do Qatar não tem memória de nenhum atentado, ameaça ou ataque que tenha sofrido no país islâmico, onde a legislação concede a liberdade religiosa, mas veta o proselitismo. Mas os ataques contra minorias cristãs são comuns em outros países de maioria muçulmana. "Aqui o governo nos protege e nos dá liberdade de viver com Cristo", afirma o fiel indiano Vytus Vindo, que leva na carteira uma imagem de Nossa Senhora. "O lugar que temos para nos reunir é aqui na igreja. Fora daqui, até falamos que somos cristãos, mas não com tanta ênfase porque respeitamos o país onde vivemos."

Quem é cristão no Qatar?

A comunidade católica do Qatar é multiétnica e poliglota. As missas são celebradas em 16 idiomas, inclusive em português, para atender a alguns milhares de brasileiros e portugueses que vivem em Doha.

O padre Michael Cadhit, também filipino, aprendeu português para se comunicar melhor com seus fiéis brasileiros, e costuma celebrar até casamentos na língua de Camões, que ele fala com desenvoltura. "Em datas como o Natal a igreja fica cheia. Montamos árvores e iluminamos a igreja toda. É uma forma de fazer as pessoas se sentirem em casa", disse.

O Qatar reconhece e autoriza os cultos cristãos, assim como o casamento religioso entre seus membros, mas veta a conversão de muçulmanos em cristãos, o que é considerado apostasia e pode ser punido com morte —embora, na prática, não haja registro de que isso tenha acontecido. Segundo os fiéis católicos consultados pela reportagem, os guardas islâmicos da entrada da "Cidade da Igreja" não autorizam a entrada de muçulmanos no complexo. "Eles não querem que a boa-nova saia daqui", afirmou um fiel que preferiu não ter o nome publicado, se referindo à regra contra proselitismo.

A reportagem recebeu relatos reservados de pastores evangélicos estrangeiros, segundo os quais o Estado tem imposto dificuldades burocráticas na instalação de novos cultos no país. As limitações ocorrem quando esses religiosos tentam conseguir visto de trabalho para atender localmente os fiéis em Doha, mas não conseguem.

Apesar disso, os fiéis católicos que frequentam a Igreja Nossa Senhora do Rosário já se acostumaram com as barricadas, com o detector de metal e com a ausência de identificações externas de que seu templo sagrado é de fato uma igreja. Antes do prédio ser inaugurado, em 2008, eles precisavam rezar escondidos, em locais improvisados, como escolas e casas particulares.

"É na dificuldade que nosso amor por Jesus cresce", afirmou um católico indiano que vive no Qatar há mais de duas décadas. "Tem sido assim ao longo da história, e continua sendo assim hoje."