Topo

Quem ficou mais louco? Tripulação revela 30 horas de festa em voo do penta

O comissário Luiz Lobato segurando a taça da Copa ao lado de Cafu, o capitão do penta - Acervo pessoal de Luiz Lobato
O comissário Luiz Lobato segurando a taça da Copa ao lado de Cafu, o capitão do penta Imagem: Acervo pessoal de Luiz Lobato

Alexandre Saconi

Colaboração para o UOL

08/12/2022 04h00

Classificação e Jogos

Vinte anos separam a última conquista de uma Copa do sonho do hexa pelo Brasil. Depois de tanto tempo e mesmo após o indigesto 7 x 1, a sensação gostosa de vencer o torneio continua viva na tripulação que fez o voo de volta da seleção campeã do Japão para o Brasil.

O transporte foi feito pela Varig, então transportadora oficial dos jogadores brasileiros, entre os dias 1.º e 2 de julho de 2002. O voo foi marcado por momentos divertidos e a sensação de dever cumprido pela equipe responsável pelo trajeto.

O UOL conversou com Luiz Lobato, então assessor da gerência geral de comissários da Varig e responsável pelo transporte dos jogadores, e com Robson Dias, comissário-chefe do voo que trouxe os pentacampeões de volta ao Brasil.

Veja a seguir o resumo dos depoimentos dos dois comissários, que voam até hoje em outra companhia.

'Welcome to Brazil'

Após a final do torneio, em 30 de junho, a tripulação se apresentou no dia seguinte em Narita (cidade vizinha a Tóquio, onde fica o aeroporto internacional) para preparar o avião para o retorno ao Brasil fazendo uma escala em Los Angeles (EUA). Lobato era o responsável naquele instante por receber os atletas.

"Quando eles entraram no avião, eu falei 'bem-vindos ao Brasil. Isso aqui já é o Brasil. A festa começou agora. Nós teremos festa daqui até São Paulo. Serão mais de 30 horas de voo de festa'. Então, 'Welcome to Brazil'", disse o comissário.

O avião, um Boeing 767, tinha sido todo personalizado, com adesivagem por fora e por dentro com estrelas e frases como "Valeu seleção!". Eram dois cenários possíveis antes da final: se a seleção ficasse em segundo lugar, a decoração seria uma. Como ganhou, a personalização do voo foi realizada.

Delegação brasileira momentos antes do desembarque, em 2002 - Juca Varella/Folhapress - Juca Varella/Folhapress
Delegação brasileira momentos antes do desembarque, em 2002
Imagem: Juca Varella/Folhapress

"A festa durou até a chegada ao Brasil", lembra Dias, que aguardava a seleção na escala que seria feita em Los Angeles. Esse primeiro voo durou quase 12 horas. "Os jogadores jantaram e tomaram café da manhã fazendo festa. Não pararam um minuto sequer", diz Lobato.

"A alegria era tanta que você pulava muita coisa que precisava ser feita. E os jogadores em festa. O hino da Copa do Mundo daquele ano foi 'Deixa a Vida me Levar', de Zeca Pagodinho. Eles cantaram 350 vezes", lembra Dias em tom de brincadeira. Foram mais de 30 horas de festa mesmo, relembram os dois.

Erguendo a taça

Durante o voo, Lobato diz que viu uma caixa blindada na frente do assento de Ricardo Teixeira, então presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), na primeira classe do avião.

"Eu passava por ela e olhava, até que em um momento eu vi o logo da Fifa. Parei do lado dele e falei 'Dr. Ricardo, o senhor realizou um sonho meu ontem, de assistir à final de uma Copa, o Brasil foi campeão, e eu estou aqui agora, mas, isso daí é a taça, não é?'", lembra Lobato.

Teixeira concordou, e o comissário disse que queria uma foto com ela. O presidente da CBF recusou, explicando que o protocolo não permitia. Lobato insistiu: "Dr. Ricardo, mas ninguém vai saber. A gente vai ali na galley (local do avião onde as refeições são preparadas) escondidos e o senhor tira as fotos que ninguém vai saber. Ele perguntou 'Você promete?'. E eu falei 'Prometo'", lembra o tripulante.

Enquanto Teixeira fazia as fotos, Lobato pensou que ninguém acreditaria que aquela taça era a verdadeira. Ele pediu um momento ao executivo e foi buscar Cafu, então capitão da seleção, para fazer as fotos. "Agora, a taça é a verdadeira", lembra rindo.

Dias diz que aproveitou o momento e foi no embalo: "Eu também quero". Depois, todos puderam tirar uma foto com a taça, diz.

A chegada ao Brasil

Após a troca da tripulação em Los Angeles, Lobato, que deveria ter ficado nos Estados Unidos, optou por prosseguir o voo até o Brasil, já que o serviço era sua responsabilidade. Ele chegou a descer e pegar sua bagagem no aeroporto, mas pensou: "Esse voo não vai chegar em Brasília sem eu estar a bordo".

Nesse momento, ele voltou para o voo e encontrou a nova tripulação, agora com Dias como líder.

O jogador Denílson, em conversa com Cafu e Edmilson em seu canal no YouTube, questionou "quem ficou mais louco no avião". Enquanto ouve-se que seria Vampeta, Cafu, então capitão da seleção, diz que "é difícil saber quem não ficou louco no avião [...] O Vampeta estava feliz, ele estava muito alegre".

Questionados se a culpa disso poderia ter sido da equipe da Varig, os comissários voltam a falar sobre o assunto com bom humor.

"O cliente pede e você vai negar? Quando o Vampeta pedia 'Lobato, mais uma', eu não iria falar para ele 'não porque você já está fora de si'. O Vampeta merece porque ele é uma pessoa maravilhosa. Tudo o que eles pediam a gente dava", diz Lobato. "Não tinha excessos", lembra Dias.

A única folga que tiveram, quando todos ficaram sentados, foi durante 90 minutos enquanto assistiram à reprise do jogo que havia sido gravado, lembram os tripulantes.

Interceptação de caças

Próximo a Brasília, o avião foi escoltado por caças Mirage da Força Aérea Brasileira. Eram cinco ao todo, em alusão ao penta, e um estava nas cores da bandeira do Brasil. Apenas alguns tripulantes sabiam do que aconteceria, apesar da suspeita entre os jogadores.

Em um momento, o comandante de um dos caças começa a falar via rádio com os passageiros do voo da Varig. "Para a Força Aérea Brasileira, em particular, é um privilégio escoltá-los e chegarmos juntos ao bendito solo do Brasil."

Caça - Juca Varella / Folhapress - Juca Varella / Folhapress
Caça da Força Aérea Brasileira protege o Boeing da Varig que levou a seleção brasileira a Brasília
Imagem: Juca Varella / Folhapress

"Na hora em que isso foi dito, os caças estavam altos. Quando é encerrada a apresentação, que eles descem do lado do avião, os jogadores começam a chorar. Foi uma coisa muito legal", afirma Dias.

Depois do pouso, a equipe de comunicação da CBF combinou que Cafu iria para a janela da cabine de comando do avião com a bandeira do Brasil. Lobato, então, interveio, dizendo que aquilo era muito "Romário em 1994" e propôs que o técnico Felipão ficasse em uma janela e Cafu na outra.

Os pilotos se ajeitaram e o jogador e o técnico saíram pelas janelas, com os roupeiros segurando os dois pelos pés por segurança. O taxiamento seguiu bem devagar.

Scolari e Cafu - AFP PHOTO/VANDERLEI ALMEIDA - AFP PHOTO/VANDERLEI ALMEIDA
Logo após o pouso em Brasília, o técnico Luiz Felipe Scolari (à esq.) e o lateral-direito Cafu acenam da janela do Boeing
Imagem: AFP PHOTO/VANDERLEI ALMEIDA

Salto na rampa e fim da missão

Após o pouso em Brasília, uma parte dos passageiros, como jornalistas e convidados, desceu por trás do avião enquanto era aguardado que Cafu saísse com a taça na mão pela porta da frente. Foi nessa escala que Vampeta foi até a rampa do Palácio do Planalto e fez sua famosa cambalhota. "Não foi culpa nossa. Quero deixar registrado", diz Lobato em tom de brincadeira.

Vampeta - Ormuzd Alves / Folhapress - Ormuzd Alves / Folhapress
Vampeta dá cambalhotas na rampa do Palácio do Planalto
Imagem: Ormuzd Alves / Folhapress

O avião ficaria parado algumas horas em Brasília e seguiria ainda para o Rio de Janeiro e São Paulo em seguida. No Rio de Janeiro, havia a expectativa de ver o avião sobrevoando a orla da praia, dar a volta no Cristo Redentor, passar por cima do piscinão de Ramos e do Pão de Açúcar antes do pouso. Mas, com o atraso em Brasília, já estava escuro na capital fluminense.

Embora o voo ainda tenha seguido rumo a São Paulo, grande parte dos passageiros havia desembarcado no Rio de Janeiro. Foi ali que os comissários definiram como seria o grande final do que chamaram de "missão".

"Foi quando a gente olhou um para o outro e falou 'dever cumprido com maestria'. Isso ninguém nunca vai tirar da gente", diz Lobato.

"Eu que sempre quis trabalhar com futebol, tive a oportunidade de trabalhar por um tempo da minha vida e, depois, parei e vim trabalhar com aviação. De repente, eu volto a trabalhar com futebol, indiretamente, e ninguém vai tirar isso da gente. É a história que eu tenho para contar", afirma Dias.

'O voo das nossas vidas'

Questionados sobre como definem aquele trabalho, de levar a seleção para a Copa e voltar com ela vitoriosa, os comissários demonstram um grande carinho pelo feito.

"Foi um trabalho exaustivo, mas com muita competência e profissionalismo, exatamente como a Varig queria que fosse. E houve um comprometimento forte de todo mundo que estava envolvido nesse trabalho. [...] Eu faria tudo igual de novo. Foi o voo da minha vida", declara Dias.

"[Esse foi] O voo da minha vida. Eu fiz voos no mundo inteiro, para todos os lugares do Brasil, em diferentes aviões, de tamanhos diferentes, em empresas diferentes. Mas nada vai substituir esse voo", diz Lobato.

Perrengue em Yokohama

A tripulação já acompanhava os jogadores desde a época das eliminatórias da Copa do Japão e da Coreia do Sul. Com a final marcada para acontecer em Yokohama (Japão), Lobato estava em Narita para garantir que tudo corresse bem. Fã de futebol que é, diz que não ficaria parado no quarto do hotel aguardando o jogo acontecer. "Eu vou para Yokohama nem que seja para sentar no meio fio e tomar uma Saporo olhando pro estádio."

Foi então que, com a carona oferecida por uma comissária de uma aérea do Japão e do namorado dela, ele conseguiu chegar em Yokohama junto a um comissário e um despachante operacional de voo da Varig. Ali foram convidados para participar da preleção feita antes do jogo contra a Alemanha naquele dia. O evento era fechado, e, de fora da comitiva, apenas eles puderam participar.

Ao final, Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, chamou Lobato e entregou um envelope a ele. "Teixeira diz que aquele envelope era uma forma de agradecer a nossa dedicação e empenho ao transportar a seleção. Eu peguei, passava a mão e achava que era dinheiro, e disse que não podia aceitar porque o maior presente era poder estar ali agora. Ele abriu o envelope e me entregou 14 ingressos para a final. Eu chorava sem parar", lembra o comissário.

Naquele momento, ele pegou o telefone e ligou para os outros tripulantes, que estavam em um hotel em Narita, a dezenas de quilômetros dali: "Falei: 'Venham que temos ingressos. Temos um jogo para assistir'". O Brasil ganharia logo mais, e as equipes teriam poucas horas para preparar o avião para os campeões e decolarem de volta para o Brasil.

Quando os tripulantes tentaram voltar para descansar e preparar o avião, o metrô da cidade já estava fechado. Restou a eles dormir na estação, lembra Lobato. "Vale tudo", diz Dias. De volta à capital japonesa, conseguiram organizar todo o voo a tempo.

Veja a íntegra do depoimento dos comissários: