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Gols no fim põem Brasil e Argentina em drama inédito na história das Copas

Lionel Messi se lamenta durante Holanda x Argentina, jogo das quartas de final da Copa do Mundo - Kai Pfaffenbach/Reuters
Lionel Messi se lamenta durante Holanda x Argentina, jogo das quartas de final da Copa do Mundo Imagem: Kai Pfaffenbach/Reuters

Demetrio Vecchioli e Tales Torraga

Do UOL, em São Paulo

09/12/2022 21h00

Classificação e Jogos

Se pudesse, o torcedor brasileiro iniciaria hoje mesmo a vingança contra os croatas. Mas, como ainda não é dessa vez que a Fifa vai implementar a ideia de uma Copa a cada dois anos, serão mais quatro de espera. Por enquanto, o que dava para fazer era secar quem, no momento do choro brasileiro, estava fazendo festa em Buenos Aires.

O barulho das ruas das grandes capitais brasileiras não deixa dúvidas de que os defensores da grande união regional, de que "sul-americano torce para sul-americano", são minoria. O que se impõe ainda é rivalidade com a Argentina. E que forma melhor de descontar o sofrimento se não causando a mesma lamentação?

Foi por muito pouco. Ou não tão pouco assim: aquela sutil diferença que separa quem vence e quem perde uma partida de Copa do Mundo. Às vezes, podem ser dois, três, quatro gols. Mas hoje era dia de ser um pênalti mal cobrado, uma escolha ruim de um líder, um goleiro em noite iluminada.

Brasil e Argentina tiveram seus jogos nas mãos. A seleção, depois de fazer 1 a 0 na prorrogação, com Neymar, precisando segurar o resultado por apenas 15 minutos contra um rival que tem como maior característica a capacidade de cozinhar o jogo, não de agredir.

Parecia tão certo que o Brasil ganharia o jogo que Tite tirou Militão, pendurado. Os atacantes não se esforçaram em recompor, Casemiro não matou o contra-ataque com uma falta que poderia render o vermelho e uma suspensão na semifinal, e a Croácia empatou.

Com a Argentina não foi só parecido. Foi ainda mais sádico. Messi deu mais uma assistência decisiva, desta vez para Molina fazer 1 a 0, e depois bateu pênalti como quis para fazer 2 a 0. Scaloni pensou no restante da competição quando botou Lautaro Martinez, uma das grandes decepções da Copa, em campo. Parecia querer dar moral para o agora atacante reserva.

Mas a Holanda achou um gol para descontar e, no último lance, aos 55 minutos do segundo tempo, empatou em uma jogada quase idêntica a um gol marcado pela própria Argentina nas oitavas de final da Copa de 1998, contra a Inglaterra, também nos acréscimos — naquele caso, do primeiro tempo. Sadismo puro.

Eram mais 30 minutos de jogo, 30 minutos de sofrimento, o último dos quais com uma bola de Enzo Fernandez beijando o pé da trave. A Argentina, que foi mais time em um jogo de mais de 130 minutos, teria que decidir seu futuro nos pênaltis. Igualzinho o Brasil.

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Brasil caiu para a Croácia nas quartas de final
Imagem: Divulgação/Fifa

Coração nas luvas

Nove chutes a um gol postado a 11 metros da marca penal, porém, afastaram as seleções do Brasil e da Argentina por mais de 11 mil quilômetros -- distância entre o Qatar e a capital brasileira. Os argentinos ficam em Doha. A seleção verde-amarela, volta para casa.
E retorna trazendo na bagagem a dúvida do "e se?". E se Rodrygo, o mais jovem jogador brasileiro em campo, não tivesse sido o escolhido para bater o primeiro pênalti do Brasil? E se ele não tivesse batido tão mal, telegrafando o canto para o ótimo goleiro Livakovic?

E se Tite tivesse tido a coragem de trocar Alisson pelo pegador de pênaltis Weverton? E se o treinador tivesse orientado Neymar, o melhor cobrador da equipe, a bater o quarto pênalti da equipe, o que precisava entrar de qualquer jeito? São dúvidas que vão perdurar na cabeça do brasileiro por quatro anos, pelo menos.

Já os argentinos têm certezas. A certeza de que Messi, um fenômeno em muitas artes, incluindo a de bater pênaltis, deixou o dele logo na primeira cobrança, acalmando a garotada. A certeza de que Emiliano Martínez pode não ter a carreira gloriosa de um Alisson, mas vira um Goycochea na hora da decisão.

A certeza de que Lautaro Martínez, de Copa discutível até aqui, acertou quando não podia falhar. A certeza de que esta Argentina pode perder para a Croácia, é o futebol, mas já está de alma lavada com a raça que transpira a sua camisa e enlouquece o seu torcedor fanático.

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Jogadores da Argentina comemoram vitória sobre a Holanda nas quartas da Copa do Mundo
Imagem: Paul Childs/Reuters

Drama inédito

A tarde deste 9 de dezembro de 2022 já está na história das Copas por uma razão muito simples: é preciso voltar até 1978, 44 anos atrás, para encontrar Brasil e Argentina jogando uma decisão em uma mesma data.

Em 2014, Brasil e Argentina estavam nas semifinais da Copa do Mundo realizada no Brasil. O Brasil perdeu por 7 a 1 para a Alemanha no Mineirão em uma terça-feira, e a Argentina venceu a Holanda por pênaltis no dia seguinte, uma gelada quarta-feira em São Paulo.

Em 2010, também pelas quartas de final, como a deste sábado, a Holanda eliminou o Brasil na sexta-feira; no dia seguinte, a Argentina foi goleada por 4 a 0 pela Alemanha.

Em 2006, outra vez nas quartas de final, a Argentina perdeu a Alemanha na sexta, com a França eliminando o Brasil no sábado.

É preciso voltar até 1998 para encontrar outro antecedente das duas seleções conjuntas numa mesma fase. De novo nas quartas, o Brasil bateu a Dinamarca por 3 a 2 em uma sexta-feira, e a Argentina perdeu por 2 a 1 para a Holanda no sábado.

É de 1998 também o antecedente dos gols no finalzinho que fizeram brasileiros e argentinos sofrerem. Nas quartas de final, Dennis Bergkamp fez um golaço histórico nos argentinos aos 45 minutos do segundo tempo, decretando a vitória por 2 a 1. Contra o Brasil, na semi, Patrick Kluivert igualou o 1 a 1 e arrastou a partida para a prorrogação. O Brasil acabaria vencendo nos pênaltis e passando para a final que perderia para a França.

Em 1994, a Argentina perdeu para a Romênia no domingo pelas oitavas, e a segunda-feira foi de festa no Brasil pela chorada vitória por 1 a 0 sobre os Estados Unidos.

Em 1986, foi a vez de a Argentina vibrar loucamente com a vitória sobre a Inglaterra no domingo, dia seguinte à eliminação brasileira contra a França nos pênaltis também nas quartas.

E chegamos a 1978, o antecedente menos distante para encontrar Brasil e Argentina jogando no mesmo dia. E aquela convergência tem uma polêmica que dura até hoje. As duas seleções integravam um quadrangular de segunda fase para definir um dos finalistas. O Brasil jogou às 16h45 contra a Polônia e venceu por 3 a 1.

Às 19h15, a Argentina arrasou o Peru por 6 a 0, e foi para a final justamente contra a Holanda. Até hoje os brasileiros reclamam que a Argentina foi favorecida de antemão por entrar em campo já sabendo do resultado que precisaria ser obtido. Com as partidas ocorrendo simultaneamente, tal desfecho certamente mudaria.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi publicado no texto, em 2014, Brasil 1 x 7 Alemanha foi realizado em uma terça-feira, e não em uma quarta-feira, e Holanda x Argentina ocorreu no dia seguinte. O erro foi corrigido.