Portugal x Marrocos: de mito lusitano à religião e samba-enredo no Brasil
Classificação e Jogos
Para além dos duelos táticos e técnicos amplamente debatidos nas mesas redondas, jogos de Copa do Mundo têm o potencial de ecoar conflitos extracampo recentes ou mais antigos, e à medida que o maior torneio de futebol do mundo vai afunilando, alguns desses encontros ganham contornos especiais. É o caso de Portugal e Marrocos, que duelam hoje (10) no estádio Al Thumama às 12h de Brasília, valendo vaga numa semifinal de Copa do Mundo.
As duas nações se enfrentaram de maneira bem menos figurativa na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. O duelo armado durou pouco mais de quatro horas, mas o suficiente para marcar a história lusitana a ponto de definir a identidade nacional do país até hoje.
Alcácer-Quibir é o nome português de uma cidade no norte de Marrocos, Al Quasr al-kibr. O rei português na época, Dom Sebastião 1º, estava preocupado com a infiltração de forças do Império Otomano no Marrocos, de onde navios poderiam ameaçar as rotas comerciais entre Lisboa e suas colônias, sendo o recém-descoberto Brasil uma dessas colônias.
Inicialmente contrário, D. Sebastião acabou concordando em armar uma cruzada em solo marroquino quando Abu Abdallah Mohammed 2º o procurou. Sultão deposto pelo seu tio, Abd al-Malik 1º, ele queria a ajuda das forças portuguesas para retomar o trono. Em troca, prometia se livrar da presença turca em solo marroquino.
Em número muito menor, as tropas portuguesas acabaram mortas ou aprisionadas, incluindo Dom Sebastião, morto em combate no auge de seus 24 anos. Seu corpo nunca foi encontrado, o que deu origem a uma lenda que influencia a psiquê lusitana desde então: o retorno triunfal do monarca, para resgatar o passado glorioso da pequena nação que virou um império marítimo.
Com a morte de Sebastião, que não tinha filhos, a crise sucessória na casa de Aviz se instalou. O resultado foi a incorporação de Portugal à Espanha, de 1580 a 1640, um episódio traumático na história lusitana. O sebastianismo se tornou força por trás da expressão do sentimento nacional português, a saudade, e influenciou decisivamente a cultura do país. Ele está no fado, a lacrimosa música que é símbolo de Portugal, e também presente na obra do poeta maior lusitano, Fernando Pessoa — seu livro "Mensagem" é uma ode à crença no retorno a esse passado.
Do século 16 ao carnaval de São Paulo
O Sebastianismo, como ficou conhecido esse movimento de saudade de portugueses em relação ao seu rei, acabou ecoando no Brasil já no século 20, em figuras como Antônio Conselheiro em Canudos e Ariano Suassuna com sua obra "A pedra do reino", além da forte presença do monarca nas religiões de matriz africana no Maranhão, onde é considerado um encantado — uma entidade sobrenatural com poderes mágicos.
E dessa relação do rei lusitano, morto no Marrocos e que virou uma entidade no Nordeste do Brasil, saiu o tema do samba-enredo campeão do carnaval de São Paulo em 1999, da Gaviões da Fiel: "O Príncipe Encoberto ou a Busca de São Sebastião na Ilha de São Luís do Maranhão" ganhou os jurados presentes no Anhembi com os seguintes versos:
"Quando o nobre valente partiu
Outra nação do seu trono se apossou
Surge um crença no povo clamando sua volta
Numa manhã encoberta nas ondas do mar
Na esperança, que o rei irá voltar"
Quase 500 anos depois, Portugal e Marrocos voltam a se enfrentar. Agora, numa vibe bem mais legal do que a de uma guerra: a de uma Copa do Mundo, em jogo que vale uma vaga na semifinal da competição no Qatar.
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