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Saiba como é acompanhar a eliminação do Brasil na Copa com os comunistas

Torcedor sofre com jogo da seleção na sede do PCO, em São Paulo - Rogério Fernandes/UOL
Torcedor sofre com jogo da seleção na sede do PCO, em São Paulo Imagem: Rogério Fernandes/UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

11/12/2022 04h00

Classificação e Jogos

"A sabotagem funcionou, sonho do hexa adiado para 2026". Essa é a manchete do site do PCO (Partido da Causa Operária) sobre a eliminação do Brasil da Copa do Mundo do Qatar. "Imprensa burguesa, arbitragem e retrancas conseguem deixar o Brasil de fora. Futebol arte mais uma vez sabotado", completa a chamada.

O partido de extrema-esquerda é, de longe, o que mais aborda futebol e defende a seleção brasileira em seus canais de comunicação oficiais. O UOL acompanhou a partida entre Brasil e Croácia na sexta-feira (09) na sede da sigla, no centro de São Paulo, e pôde comprovar: em matéria de engajamento e sofrimento, ao menos naquela região da cidade os militantes do partido tiveram pouca ou nenhuma concorrência.

O espaço relativamente amplo na rua Conselheiro Crispiniano tinha uma TV de tela grande, outra TV menor e um telão para o público acompanhar ao duelo. Do lado de fora, uma tenda com mesas, cadeiras e churrasqueira convidava o público que passava pelo local a assistir à partida ao lado dos companheiros do PCO.

Deu certo: o local lota rapidamente e o movimento é frenético durante todo o jogo. Simpatizantes e integrantes do partido trabalham servindo sanduíches, refrigerantes e cerveja, vendendo livros, camisetas e outros artigos.

Seus uniformes são camisas da seleção, mas em uma versão vermelha e com a foice e o martelo do lado direito do peito. Um rapaz usa uma camiseta com a frase "O que foi o Stalinismo? Uma análise marxista." No salão principal, uma grande faixa traz os dizeres "Cuba não está sozinha. Fora o imperialismo e seus lacaios da América Latina. Fim do bloqueio genocida."

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Movimentação na sede do PCO, em São Paulo, durante jogo do Brasil
Imagem: Rogério Fernandes/UOL

Rui Costa Pimenta, presidente nacional do PCO, também está presente. "Consideramos o futebol um aspecto importante da cultura brasileira. Também é um esporte operário. Se a gente olhar a torcida, em todos os países a maior parte dela é constituída pela classe operária", diz Rui ao explicar por que o partido dá tanta atenção à seleção. "Por todos os lugares em que tenho andado, vejo que o entusiasmo pela seleção é generalizado. Principalmente entre a população mais pobre."

A cobertura da Copa do Mundo feita pelo PCO começou a chamar a atenção em 2018, quando o site do partido trouxe textos com chamadas como "VAR: o melhor jogador europeu de todos os tempos", "os lucros da Copa precisam ficar com os europeus, por isso atacam Neymar e a seleção" e "com medo, países imperialistas intensificam campanha para tirar Neymar da Copa".

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Versão do PCO para camiseta da seleção brasileira
Imagem: Rogério Fernandes/UOL

Em novembro, o PCO lançou uma revista mensal só sobre futebol, a "Zona do Agrião". Sua primeira edição tem entre as chamadas de capa "o futebol brasileiro perseguido às vésperas da Copa" e "perseguição a Neymar volta com tudo para sabotar Brasil na Copa".

Futebol à parte, o PCO foi o único partido de esquerda que teve as contas em redes sociais bloqueadas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes por "disseminação em massa de ataques reiterados às instituições democráticas e ao próprio Estado Democrático de Direito". Em junho, o PCO chamou o ministro de "ditador" e "skinhead de toga" no Twitter.

"O profissionalismo é uma coisa do capitalismo, vai fazer o quê? Não dá para fugir disso", responde Rui Costa Pimenta quando perguntado se a transformação dos jogadores em celebridades não os afasta do povo brasileiro. "É aquele negócio: como tudo no capitalismo, é uma coisa boa ao mesmo tempo em que é uma coisa com muitos problemas."

A atenção ao jogo é total na sede do PCO. Há pouco espaço para distrações entre os que ali estão. Com a persistência do empate, o clima vai se tornando mais tenso. "Negar o futebol como parte da cultura brasileira é negar nossa própria origem", diz Charles Ireno dos Santos. Ele é um dos que vestem a camisa vermelha da seleção. "Essa politização hipócrita do futebol, de tratar os jogadores como sendo de direita porque eles gastam o dinheiro que ganham, eu acho uma idiotice."

Daniele Miguel se apresenta como simpatizante do PCO e diz que compartilha das opiniões da sigla sobre o esporte. "O futebol faz parte da memória histórica do Brasil e deveria ser mais enaltecido. As redes sociais e a própria imprensa acabam influenciando ao atacar muito o futebol brasileiro. Deveria haver mais críticas para construir algo. Tem toda essa campanha contra o Neymar."

O gol do jogador na prorrogação transforma a sede do PCO em um ambiente único no Brasil. As pessoas cantam "olê, olê, olê, olá, Neymar, Neymar". Difícil imaginar essa cena em outro grupo de esquerda com a defesa explícita que o astro já fez de Jair Bolsonaro. Tampouco se espera que isso aconteça em um ambiente de apoiadores do presidente, já que muitos deles se voltaram contra a seleção brasileira e sequer estão assistindo aos jogos em suas barracas que decoram as entradas de quartéis.

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Torcedora chora com derrota do Brasil na sede do PCO, em São Paulo
Imagem: Rogério Fernandes/UOL

A derrota do Brasil nos pênaltis deixa as particularidades do PCO ainda mais evidentes. Diferente de o que acontece nos bares ao redor no centro de São Paulo, há uma rápida debandada do público ao final da partida. Entre os que ficam, tem gente chorando, se abraçando ou com cara de quem não vê sentido em seguir festejando.

A reportagem deixa a sede do partido e percorre aos ruas da região para confirmar o contraste. Há muita gente caminhando de volta para casa ou trabalho com a camisa da seleção, mas o clima é de vida que segue. Na rua Xavier de Toledo, há até uma balada improvisada. Jovens dançam funk até o chão enquanto são regados pelos muitos ambulantes que vendem bebida alcoólica.

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Festa improvisada na rua após derrota do Brasil na Copa
Imagem: Rogério Fernandes/UOL

Em outro trecho da mesma rua, o único sinal de futebol é um homem em situação de rua com a camisa de Cristiano Ronaldo. Ele corre para lá e para cá berrando algo sobre Gabigol (que não foi convocado por Tite). Uma garota sentada em uma cadeira na rua parece ser a única pessoa fora da sede do PCO que chorou ou está muito próxima de fazê-lo. Impossível dizer, porém, se o motivo é a derrota do Brasil ou se ela está sob efeito de algo além de sentimentos futebolísticos.

A atmosfera é a mesma em toda a região ao redor da Praça da República. Há comentários soltos aqui e ali, mas a reportagem não escuta nenhum que remeta à dor de uma desclassificação. "Eu queria que o Brasil ganhasse, mas...", diz um homem. "Vou comprar uma camiseta da Croácia, é bonita", diz outro.

Só em uma conversa entre dois soldados da Polícia Militar o assunto do momento é abordado com mais seriedade. "Ele (Lula) quer botar o (Fernando) Haddad lá (no Ministério da Fazenda) para fortalecê-lo."

O UOL News Copa fala sobre a busca de Giroud pela artilharia, a definição das semifinais, o choro de Cristiano Ronaldo, o abalo nos jogadores do Brasil, a arbitragem brasileira na Copa e mais! Confira: