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Sensação no Qatar, Marrocos tem treinador brasileiro como 'pai' da seleção

Colunista do UOL, em São Paulo

11/12/2022 15h43

Classificação e Jogos

Semifinalista da Copa do Mundo do Qatar, e contando os minutos para encarar a campeã França às 16h (de Brasília) da próxima quarta-feira (14), a seleção de Marrocos guarda laços históricos com o futebol brasileiro. Seu nome é José Faria.

Nascido no Rio em 1933, ele foi atacante de Bonsucesso, Bangu e Fluminense nos anos 1950 e, aos 27, em 1960, pendurou as chuteiras. Em 1968, estreou como técnico nas categorias de base do Fluminense, atuando em um período mágico na história do clube e revelando craques como Edinho e Carlos Alberto Pintinho na então "Máquina Tricolor".

Como hábito naqueles tempos, Faria arrumou as malas e foi trabalhar no incipiente Oriente Médio. Em 1979, aproveitando a bagagem com juvenis, treinou a seleção sub-19 do Qatar e, logo depois, os profissionais do Al-Sadd.

Quatro anos depois, em 1983, desembarcou no Marrocos, quando o país tinha uma única participação em Copas do Mundo. Enquanto o Brasil de Pelé, Gérson e Rivellino conquistava seu histórico tri no México em 1970, a seleção de Marrocos parava na fase de grupos, perdendo para Alemanha e Peru e empatando com Bulgária.

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José Faria, técnico brasileiro da seleção de Marrocos em 1986
Imagem: Reprodução web

José primeiro treinou o FAR Rabat, o clube das forças armadas da capital do país. Ainda em 1983, chegou à seleção como assistente do treinador Jaime Valente, ex-jogador do Flamengo nos anos 1960.

"Se não fosse a miséria, os africanos já seriam a grande força do esporte mundial", contou Jaime ao jornal "Folha de S.Paulo" em 6 de junho de 1998.

A dobradinha Jaime Valente-José Faria rendeu a Marrocos uma vaga na Olimpíada de 1984, em Los Angeles, sendo eliminados na fase de grupos, perdendo para Brasil e Alemanha.

O grande feito da dupla ocorreu logo a seguir, superando as Eliminatórias da África e garantindo vaga na Copa do Mundo de 1986, no México. Era 1985. Jaime decidiu interromper o trabalho, era o fim do seu contrato, e indicou José para o seu lugar.

Foi aí que ele deixou de ser um mero profissional para virar "o pai da seleção de Marrocos".

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Seleção de Marrocos perfilada para jogar na Copa do Mundo de 1986
Imagem: Reprodução web

Sensação em 1986

Enfrentando no grupo três adversários europeus, Inglaterra, Polônia e Portugal, Faria levou Marrocos ao primeiro lugar do grupo, tornando a seleção a primeira africana a se classificar para o mata-mata de uma Copa do Mundo.

Contra a Inglaterra, um 0 a 0. Contra a Polônia, outro 0 a 0. E contra Portugal, um 3 a 1 que era a maior glória da seleção até a campanha no Qatar.

Hilton de Moura Faria, filho de José Faria e seu assistente naquele 1986, contou à "Folha de S.Paulo": "Lembro com orgulho o deboche do técnico inglês Bobby Robson que teria dito que a disputa da vaga ficaria apenas entre os outros três".

A aventura no México terminou nas oitavas de final, quando a Alemanha de Matthäus e Rummenigge venceu por um magro 1 a 0, apenas aos 42 minutos do segundo tempo. Aquela Alemanha era forte e levou ao limite a Argentina de Diego Armando Maradona até aquele histórico título.

A campanha foi apenas o começo de José no Marrocos. Ele se adaptou tão bem ao país que se casou com uma marroquina e se converteu ao islamismo, passando a se chamar Mehdi Faris e virando um símbolo do esporte no país.

José ficou no cargo até 1989, quando se desentendeu com dirigentes e deixou a seleção, que chamou de volta o antigo treinador Jaime Valente, que não repetiu o sucesso da primeira passagem.

Marrocos só voltaria a uma Copa do Mundo em 1998, quando enfrentou o Brasil de Ronaldo e perdeu por 3 a 0 na fase de grupos.

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José Faria, técnico brasileiro da seleção de Marrocos em 1986
Imagem: Reprodução web

Enterro de herói

A história de José Faria com Marrocos teve seu capítulo final em 2013.

Em 5 de outubro, em Rabat, ele foi homenageado em amistoso dos veteranos do Real Madrid com os seus ex-jogadores da seleção de Marrocos. José vestiu o agasalho e o boné de treinador pela última vez, e recebeu uma placa do ex-zagueiro Fernando Hierro, histórico defensor da seleção espanhola.

Três dias depois, sofreu um infarto fulminante. Tinha 80 anos. Segundo Hilton de Moura, seu filho, o funeral do pai no Marrocos durou três dias e foi custeado pela família real. A rua onde José morava foi fechada para o trânsito de carros e virou um ponto de culto na cidade. Sua morte teve repercussão gigante na imprensa local.

Na Copa do Qatar, nenhum técnico brasileiro treinou seleções estrangeiras.

O cargo que foi de José Faria em 1986 hoje é do francês naturalizado marroquino Walid Regragui, um ex-economista que assumiu Marrocos apenas em agosto.