'Jogaremos do nosso jeito': Marrocos desafia clichês sobre futebol africano
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O clichê sobre o jogador brasileiro é ser muito técnico e habilidoso. Já o argentino carrega a imagem da raça. O africano, por sua vez, é uma mistura de jogo físico, velocidade e rebeldia. São rótulos que se mantêm com o passar dos anos, empacotam diferentes culturas de futebol sob os mesmos estereótipos e enfraquecem qualquer tipo de discussão.
Marrocos veio aí para desafiar o clichê sobre seleções da África. A maior rebeldia do time dirigido por Walid Regragui é ter vencido a Bélgica, eliminado Espanha e Portugal e ter se tornado a primeira seleção africana e árabe a chegar nas semifinais da Copa do Mundo. Dentro de campo, a proposta de jogo é o total oposto da rebeldia.
Aplicação tática e ajustes milimétricos de marcação é o que faz a seleção de Marrocos ter sofrido só um gol nos cinco jogos até agora — vai além: foi um gol contra do zagueiro Nayef Aguerd contra o Canadá, na fase de grupos.
A seleção também teve menos posse de bola que o adversário em todas as partidas e mesmo assim conseguiu marcar cinco gols, com En-Nesyri (duas vezes), Zieych, Aboukhlal e Sais. Foram gols de falta, na bola aérea, de fora da área, em contra-ataque e com jogada individual dentro da área, o que mostra repertório ofensivo mesmo sem ter a bola no pé por muito tempo. Contra Portugal, por exemplo, a posse foi de 26,7%. Diante da Espanha, 23,2%. A média é de míseros 31,2%.
Na seleção marroquina semifinalista no Qatar, essa "rejeição" à posse de bola virou defesa do futebol africano contra os clichês de que o continente se identifica só com ofensividade, velocidade e alguma falta de responsabilidade. Pelo menos é assim que enxerga o técnico Walid Regragui.
"Sabemos que vários jornalistas europeus têm essa visão sobre a posse de bola e querem que a gente jogue como os times europeus, não querem ver nada diferente. Mas somos diferentes. Dizem que os times africanos precisam ser divertidos, porque jogam com prazer. Jogávamos bem e íamos para casa. Ok, mas esses dias acabaram. Queremos ser efetivos e agora queremos vencer. Pela África e pelos países em desenvolvimento em termos esportivos saberem que podemos vencer e que não existe só um jeito de vencer", afirmou o treinador de 47 anos em coletiva de imprensa concedida nesta terça-feira (13).
Regragui foi além na crítica aos entusiastas da posse de bola: "Veja a França em 2018, que venceu jogando simples e bateu todos. Contra a Inglaterra [nas quartas de final da Copa-2022] eles não criaram grandes chances, foram só efetivos. Pode ser o Marrocos amanhã. Não ligo para gols esperados e posse de bola, vamos tentar destruir as estatísticas amanhã. Você acha que eu sou louco? Tínhamos 0,001% de chances de ganhar a Copa. Agora temos 12%, certo? Ok, vamos tentar aumentar esse número."
Jogaremos do nosso jeito. Agora que estamos na semifinal essa história de posse de bola volta. É ótimo como vocês jornalistas adoram isso de 60, 70% de posse de bola, mas isso não é bom se você não chuta a gol e ganha as partidas, é só estatística. Queremos vencer o jogo e não vencemos porque somos bons em chances criadas ou posse de bola."
O técnico de Marrocos ainda mencionou em tom irônico — mas com admiração — o técnico espanhol Pep Guardiola, um dos maiores entusiastas do conceito de posse de bola no futebol internacional nos últimos anos. E terminou com uma provocação ao presidente da Fifa, Gianni Infantino:
"Não interessa a posse de bola que temos. Vamos enfrentar o melhor técnico do mundo, na minha visão, e queremos vencer porque também somos um bom time. Se eles nos deixarem ter a bola teremos, mas não acredito nisso. Nosso objetivo é fazer com que eles parem de ter chutes a gol e gols, no fim do dia. Peço ao senhor Infantino que inclua um ponto para times com mais posse de bola, isso mudaria o futebol (risos). O Manchester City seria campeão de tudo, porque tem 70% de posse de bola em todos os jogos e grandes jogadores, mas não importa. Guardiola é meu herói, meu sonho, mas nem sempre é possível fazer assim."
Na Premier League, em que o Manchester City de Pep Guardiola domina as últimas temporadas e tem média de 66,6% de posse, o time que menos tem a bola no torneio atual é o Bournemouth, com 37,9%. Média maior que a de Marrocos. Mas provavelmente menor eficiência.
Marrocos enfrenta a França nas semifinais da Copa do Mundo nesta quarta-feira (14), às 16h (de Brasília), no estádio Al Bayt. Quem vencer enfrenta Argentina ou Croácia na decisão de domingo.
Regragui elogia seleção brasileira
À frente da maior zebra da Copa do Mundo do Qatar, o técnico de Marrocos Walid Regragui mencionou três vezes o Brasil na coletiva de imprensa de hoje. Além de declarações que comparam a torcida marroquina aos brasileiros e argentinos, o técnico disse que a seleção brasileira eliminada nos pênaltis para a Croácia nas quartas de final era o melhor time da Copa.
"Nem todos os times têm essa oportunidade, têm essa sorte [de estar na semifinal da Copa]. O melhor time do campeonato foi eliminado, o Brasil, e meus jogadores sabem disso. Somos ambiciosos e temos fome por estar entre os melhores do mundo. Para ir além precisamos ser ainda mais fortes", disse Regragui, respondendo a um questionamento se seus jogadores ainda estão "com fome" depois do grande feito de chegarem às semifinais da Copa.
Segundo ele, se o Brasil perdeu, outros favoritos também podem cair e isso dá esperança para o Marrocos.
Leia outras declarações:
Ambição na Copa do Mundo: "Para as pessoas da África, todos que sonharam com esse momento, temos uma chance aqui e precisamos lutar por ela. Temos uma chance de reescrever os livros de história. Eu sou louco, sou um sonhador, sei que não somos favoritos, mas um pouco de loucura faz bem. Muitos comentaristas nos menosprezaram dizendo que cinco times da África na Copa do Mundo era demais e, bem, estamos aqui."
Elogios à torcida marroquina: "Temos a melhor torcida do mundo, talvez como os argentinos e os brasileiros. Estou muito feliz porque agora é o mundo que nos admira. É gente que ama o país, ama sua seleção, eles vêm de todas as partes do mundo, pelo menos 20 mil pessoas que já estavam e isso me deixa muito feliz, isso é muito importante para nós. (...) As pessoas às vezes não entendem nossa cultura e estamos aqui para mostrar. Representamos o jeito do Marrocos de jogar futebol, gente muito apaixonada. Para um marroquino vir para o Qatar é muito caro, o mesmo para argentinos e brasileiros, então é importante dar orgulho a eles."
Saiss, Aguerd e Mazraoui dúvidas por lesões: "Temos um staff médico excelente, então os jogadores estão trabalhando muito forte. Vamos esperar até o último minuto, ninguém está fora e ninguém está definitivamente dentro."
Semifinal é suficiente?: "Temos a mentalidade forte e muita ambição para mudar mindsets sobre nosso continente estando nessa semifinal. Muita gente diria que é suficiente estar aqui e muitos concordariam que já fomos onde poderíamos ter ido, mas eu não concordo. Estamos entre as quatro melhores seleções do mundo e queremos dar um passo a mais, esse é nosso estado mental agora. Nosso adversário vai nos respeitar. O mais próximo que chegarmos da final será o mais próximo do nosso sonho, então vamos trabalhar por isso."
O UOL News Copa fala sobre o jogo Argentina x Croácia, o confronto dos camisas 10 Messi e Modric, a possibilidade de Marrocos eliminar a França de Mbappé, a escolha do novo técnico da Seleção Brasileira e mais! Confira:
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