Semis da Copa opõem planejamento europeu ao improviso forasteiro
Classificação e Jogos
Qual é o segredo para chegar a uma semifinal de Copa do Mundo? Há quem defenda que a continuidade do treinador e um projeto sólido são fundamentais; outros dizem que o que vale mesmo é o que acontece durante o torneio, e que tudo o que vem antes dele, o famoso "ciclo" tem menos importância.
Nas semifinais da Copa do Qatar, as duas receitas funcionam.
França e Croácia, finalistas em 2018, tentam repetir o caminho com os mesmos treinadores do Mundial da Rússia: Didier Deschamps e Zlatko Dalic. As duas seleções europeias encamparam o discurso do planejamento e mantiveram seus comandantes mesmo com turbulências no período de preparação. Para elas, a continuidade muitas vezes superou os resultados.
Nos dois selecionados não-europeus que ainda disputam o título, o cenário foi diferente.
A Argentina tenta conquistar a taça após 36 anos com Lionel Scaloni, um treinador que estreia na função e foi considerado uma solução improvisada há quatro anos, quando assumiu o cargo de Jorge Sampaoli, de quem foi assistente na Rússia.
Também improvisada foi a solução de Marrocos, que faz história no Qatar com Walid Regragui. O treinador assumiu o cargo há apenas três meses com a missão de colocar ordem em um ambiente pré-Copa caótico.
As turbulências do campeão
Didier Deschamps assumiu a seleção francesa em 2012, substituindo Laurent Blanc, seu colega no time campeão do mundo de 1998. O primeiro contrato era de dois anos, até a Copa de 2014, mas ele balançou pela primeira vez antes mesmo do Mundial no Brasil.
Entre março e setembro de 2013, a França passou cinco jogos sem marcar um gol: perdeu a Espanha (1 a 0, em Paris) pelas Eliminatórias da Copa, depois foi derrotada em amistosos por Uruguai (1 a 0) e Brasil (3 a 0) além de empatar com a Bélgica (0 a 0) em outra partida amistosa, e por fim empatou com a Geórgia (0 a 0) novamente nas Eliminatórias.
Para chegar à Copa de 2014, a França precisou ir à repescagem contra a Ucrânia e fez história para conseguir a vaga: depois de perder por 2 a 0 fora de casa, venceu por 3 a 0 no Stade de France. Um feito sem precedentes na história das eliminatórias europeias. A classificação rendeu um novo contrato, até 2016.
A campanha das quartas de final em 2014 e o vice-campeonato na Eurocopa-2016, em casa, foram bem avaliados pela Federação Francesa. Mas Deschamps nunca navegou em águas tranquilas: em 2018, os meses anteriores à Copa foram marcados pela exclusão de Karim Benzema da seleção, por envolvimento em um caso de chantagem com Mathieu Valbuena, ex-companheiro nos "Bleus".
O treinador soube se equilibrar no cargo e levou a França ao título de 2018, juntando-se a Zagallo e Franz Beckenbauer na lista dos campeões como jogador e técnico. Ele, enfim, parecia atingir o patamar de inquestionável. Até que veio a Eurocopa, disputada em 2021.
A queda para a Suíça nas oitavas de final, nos pênaltis, foi o que faltava para a imprensa francesa massacrar Deschamps. Nem o título da Liga das Nações, em outubro de 2021, amenizou a situação. As críticas surgiam por diferentes motivos: a falta de um esquema tático definido, a ausência de novidades nas convocações, a qualidade do time em campo.
Nos meses anteriores à Copa, a crise se intensificou: duas derrotas para a Dinamarca, uma para a Croácia e um empate com a Áustria, todos pela Liga das Nações, pareciam um fundo do poço. O nome de Zinedine Zidane começou a ser comentado pela imprensa, mas a Federação de Futebol Francesa (FFF) bancou a permanência de Deschamps.
Dalic, o organizador do caos
Quem vê Zlatko Dalic à frente da seleção croata por cinco anos talvez não imagine qual era o cenário quando ele assumiu o cargo, em outubro de 2017: os croatas tinham empatado com a Finlândia nas Eliminatórias, perdendo o primeiro lugar do grupo para a Islândia, e viam a vaga para a Copa de 2018 ameaçada.
A federação demitiu Ante Cacic e convocou Dalic às pressas. Ele era desconhecido até por alguns dos jogadores, e foi apresentado a eles no aeroporto, antes de viajar para Kiev, onde os croatas enfrentavam a Ucrânia. Um empate garantiria a vaga na repescagem europeia, mas a Croácia venceu por 2 a 0.
Dalic, um técnico que havia feito carreira em clubes do Oriente Médio, fez uma proposta à Federação Croata: comandaria a seleção na repescagem contra a Grécia, mas se não conquistasse a vaga na Copa, iria embora. Proposta aceita, ele conseguiu um lugar no Mundial com 4 a 1 no primeiro jogo e um empate sem gols na segunda partida.
Na Rússia, a Croácia sobrou na primeira fase, com três vitórias diante de Argentina, Nigéria e Islândia. Na segunda fase, empatou nas oitavas, quartas e semifinais após 90 minutos — superou Dinamarca e Rússia nos pênaltis e a Inglaterra na prorrogação. O time só parou diante da França, na final.
O maior feito da história do futebol croata colocou Dalic em uma espécie de pedestal. Ele ganhou prêmios de Personalidade Esportiva do Ano e, mesmo com uma carreira de pouco prestígio em clubes, foi mantido no cargo. Nem mesmo percalços como a goleada por 6 a 0 para a Espanha, na rodada inaugural da Liga das Nações, em 2018, fizeram o treinador balançar.
Durante o ciclo de quatro anos, os resultados croatas demoraram para empolgar. Na Eurocopa, a seleção caiu nas oitavas de final (outra vez na prorrogação) diante da Espanha; na Liga das Nações, os croatas foram últimos do grupo em 2018-19 e só não foram rebaixados por uma mudança no regulamento.
Depois de uma temporada sem brilho em 2021-22, a seleção de Dalic finalmente engrenou na reta final de preparação para a Copa do Mundo. Os meses que antecederam o Mundial do Qatar foram marcados por bons resultados, culminando com a primeira posição num grupo com França e Dinamarca na Liga das Nações.
Scaloni, calando críticos
Lionel Scaloni assumiu a seleção argentina na esteira da eliminação na Copa do Mundo de 2018, quando a azul e branca foi derrotada pela França, exigindo a saída de Jorge Sampaoli, de inúmeros problemas com os jogadores.
Scaloni, então com 40 anos, era um dos assistentes de Sampaoli, e aceitou o cargo, mesmo com forte rejeição no país, que tradicionalmente preza pela continuidade ou dissolução total nas comissões técnicas. É raro demais que um integrante siga quando os demais saem.
O treinador não se abalou e fortaleceu suas "costas quentes". Foi rodeado de assistentes com grande vivência na seleção argentina, como os históricos ex-jogadores Pablo Aimar, Walter Samuel e Roberto Ayala.
Quatro anos depois, pode-se afirmar que Scaloni vingou, mesmo em sua primeira experiência como treinador principal. Balançou depois de perder para o Brasil e ser eliminado na Copa América de 2019, mas contou com um bom arranque nas Eliminatórias em 2020 para se manter no cargo, porque a imprensa argentina aproveitava cada deslize da seleção para clamar por "medalhões", como Diego Simeone, Ricardo Gareca ou Marcelo Gallardo.
A AFA, bem discretamente, estudou a troca por alguém mais gabaritado, mas Scaloni recebeu um voto de confiança e não desperdiçou. Classificou-se com tranquilidade para o Mundial do Qatar, amealhou a maior invencibilidade da história da seleção, com 36 partidas sem perder, e agora está a uma partida de fazer a Argentina disputar sua sexta final na história (ganhou em 1978 e 1986 e perdeu em 1930, 1990 e 2014).
Regragui, três meses que valem por uma vida
A campanha histórica de Marrocos no Qatar é ainda mais surpreendente por um aspecto inacreditável: o técnico Walid Regragui, de 47 anos, está no comando da equipe há apenas três meses. E nesse período sofreu um único gol (e contra, ainda por cima).
De estilo paciente, com força na defesa e rapidez no contra-ataque, a seleção é a primeira representante africana a chegar ao rol dos quatro melhores em uma Copa do Mundo.
Ex-jogador que nasceu na França e se naturalizou marroquino, Regragui levou o Al-Duhail ao título da Liga do Catar, em 2020, até então seu trabalho de maior expressão.
Jogando de maneira meticulosa e compacta, Regragui tem chamado atenção pela maneira extremamente dedicada com a qual prepara cada uma das suas partidas. Foi assim que deixou pelo caminho potências como a Bélgica, na primeira fase, Espanha, nas oitavas, e Portugal, nas quartas.
"Não sou mágico. Aceitamos que não teríamos muita posse de bola e tentamos fazer nossa parte com as nossas forças", comentou Regragui depois de ver a Espanha dominar 77% do tempo de posse.
Na Europa, a seleção da Espanha foi comparada a uma seleção de handebol, que passava a bola para frente e para trás sem conseguir efetivamente atacar o adversário. Resta saber o que conseguirá fazer a França do gabaritado Deschamps perante a muralha marroquina.
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