'Pedaço' de Argentina e França no Rio, Búzios se divide por final da Copa
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Há quem diga que a principal praia da Argentina fica no Rio de Janeiro, mais precisamente na Região dos Lagos. Com forte presença dos hermanos, Búzios se acostumou a falar portunhol nos últimos 50 anos, alguns anos após o balneário ser "descoberto" pelo adversário de Messi e companhia na final da Copa do Mundo do Qatar: a França, da grande estrela do cinema Brigitte Bardot.
Cinco séculos após as disputas entre os indígenas aliados a franceses e portugueses na região, a cidade volta a se dividir para a decisão que começa às 12h (de Brasília), no Lusail Stadium.
A história de Búzios inicia com forte influência francesa. Na verdade, tudo começa na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, quando em 1555 o almirante Nicolau Durand de Villegagnon fundou a França Antártica em uma ilha que hoje leva seu nome, na Baía de Guanabara, ao lado do Aeroporto Santos Dumont. Apesar de não usar a bandeira e símbolos franceses para evitar chamar a atenção dos portugueses, eles acabaram entrando em combate por muitos anos pelo litoral fluminense.
"Villegagnon e os franceses estabeleceram relações com os tupinambás porque eram os indígenas mais fortes e numerosos da região. Mas os franceses chegaram com os huguenotes, que eram radicais religiosos fugindo da perseguição aos protestantes na Europa. Eram só homens, e para eles, as mulheres, os indígenas, as relações, tudo era pecado. Foi um dos motivos para que a tentativa francesa não tenha dado certo", explicou Mário Souza, professor de História do CEFET/RJ.
Expulsos de lá quando Mem de Sá e seu sobrinho Estácio de Sá se juntaram aos tupiniquins e aos temininós, liderados por Arariboia, para combater a aliança francesa com os tamoios (um povo tupinambá), os poucos europeus que restaram migraram junto aos indígenas derrotados para a Região dos Lagos, onde hoje é a cidade de Búzios, receberam piratas e estabeleceram comércio.
"As disputas da época na verdade se davam entre poucos franceses com muitos indígenas e um número maior de portugueses, já melhor estabelecidos depois da fundação da cidade do Rio de Janeiro", lembrou Mário, para prosseguir: "Mas foi por pouco que hoje não falamos francês, já que quando Villegagnon chegou, não havia nenhuma organização portuguesa por aqui".
Os franceses não obtiveram êxito porque além das disputas bélicas, muitas doenças se espalharam entre os tamoios e os tupinambás, rivais dos portugueses, durante o período que ficou conhecido como Guerra de Cabo Frio, município ao qual Búzios pertenceu até virar autônomo, em 1995. Acabaram derrotados por uma nova aliança, desta vez entre a coroa de Portugal e os goytacazes, estabelecidos mais ao norte, e reconhecidos pelos colonizadores como os mais ferozes e cruéis indígenas brasileiros.
Anos depois, uma estrela do cinema mundial resolveu procurar refúgio na pequena aldeia, e a transformou na Saint-Tropez fluminense. A visita da atriz francesa Brigitte Bardot, em 1964, levada pelo namorado marroquino-brasileiro Bob Zagury, mudou a história da cidade da água salgada para o vinho francês. Toda a imprensa brasileira foi à vila de pescadores cobrir a passagem da popstar, que na verdade, começou em um desencontro com John Lennon e os Beatles, que queriam conhecê-la em Paris.
Com a cidade no mapa do turismo mundial, o maior fluxo migratório viria da própria América do Sul. A partir dos anos 1970, Búzios passou a receber argentinos em profusão. Agora, os hermanos são 20% da população local. Filho da primeira buziana caiçara a casar com um argentino, em 1969, o secretário de cultura e patrimônio histórico da cidade, Luiz Romano, destaca o domingo diferente para a final da Copa do Mundo. "A cidade estará dividida por uma bola. E a festa está garantida", resumiu.
Se Brigitte Bardot dá nome à orla mais turística e ao principal cinema de Búzios, além de uma estátua e muitos registros históricos, os hermanos praticamente anexaram Búzios ao seu território. "Dizem que é a praia mais bonita da Argentina", brincou Romano.
"Foi de olho nisso que o prefeito [Alexandre Martins, do Republicanos] decidiu manter o telão na cidade, que era para os jogos do Brasil, mas passou a receber um público enorme de argentinos. Na final, teremos a principal colônia de um país latino-americano contra o país com o maior número de imigrantes europeus. Argentina x França deveria ser o 'Clássico estrangeiro de Búzios'", afirmou o secretário.
Vascaíno, Luiz Romano cresceu na cidade que recebeu sua família argentina e vê na pele a mistura com a população local. "Temos moradores oriundos de mais de 55 países, e representamos essas nacionalidades em bandeiras na entrada da cidade", afirma.
"Os franceses influenciaram demais na diversidade cultural, gastronômica e na formação da identidade buziana. Já os argentinos tomaram a cidade. A Rua da Brava, que é histórica para Búzios, virou quase uma 9 de Julho (risos). É impressionante. Você anda por ali e vê bandeiras penduradas e camisas do Messi nas ruas".
Suspeito, o secretário de 44 anos quer comemorar o título 'em casa': 'A gente vai estar na rua comemorando 2 a 1 para a Argentina (risos). Espero que os franceses participem da comemoração com os argentinos. Mas se a França ganhar, os argentinos vão comemorar também. O futebol tem que gerar paz", opinou o memorialista.
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