De humorista bêbado a carinho em leão: como brasileiros viveram a Copa
Classificação e Jogos
Entre a festa inerente à Copa do Mundo e a decepção pela eliminação inesperada, a experiência dos brasileiros no Qatar foi diferente de qualquer outra edição anterior. O Mundial demandou um jeito peculiar de torcer — sem bebida alcoólica facilmente à disposição. Mas o repertório dos causos foi variado.
Teve gente com medo de ser presa, gente que efetivamente foi detida, deputado justificando viagem para levar pen drive, uma "polêmica" envolvendo gatos, questionamento sobre o jeito brasileiro de torcer e, claro, uma tristeza pelo fim do sonho do hexa ainda nas quartas de final.
A presença brasileira na Copa talvez tenha sido mais marcante pelas informações que chegaram ao Brasil sobre os cidadãos de verde e amarelo do que um impacto efetivo na rotina dos nativos do Qatar.
A seleção fez, sim, três jogos com casa cheia, mas o desempenho em campo esfriou qualquer possível carnaval em Doha. O clima pulsante mesmo foi dado por torcedores árabes, como sauditas e marroquinos, além daqueles de diversas origens que abraçaram a Argentina de Messi — campeã depois da vitória nos pênaltis sobre a Copa.
Mas não faltou história para contar.
Movimento Verde Amarelo
A torcida brasileira no Qatar foi ampliada pela adesão de pessoas de várias nacionalidades. Na estreia, foi possível ver na prática: sauditas, indianos, nepaleses, bengalis e outros povos africanos e asiáticos engrossaram as fileiras verdes e amarelas na arquibancada.
A tentativa de organizar os cânticos e quebrar o silêncio vinha de um grupo atrás do gol: o Movimento Verde Amarelo. Assim como na Copa da Rússia, a ideia é popularizar algumas músicas compostas para formar uma playlist da torcida do Brasil.
No Qatar, o MVA organizou eventos de "esquenta" pré-jogos e tentou gerar mobilização. A torcida tem CNPJ, é uma empresa e cobrou 100 qataris para esses eventos anteriores às partidas do Brasil.
O Movimento tenta se contrapor a uma torcida brasileira que frequenta a Copa do Mundo sem ter a cultura tradicional de estádios, como são os frequentadores mais fiéis aos jogos dos clubes do Brasil. Com a seleção, o clima é diferente. Mais difícil de embalar.
A comparação com as torcidas de Argentina, Marrocos e até Arábia Saudita apontou uma desvantagem de ambiente nos jogos do Brasil. O time de Tite não embalou na Copa, e aí que o clima de euforia não veio mesmo.
Tenda da embriaguez
"Primeiro: se beber não vá para o Qatar. Segundo: modere um pouquinho. Terceiro: nunca faça uma live enquanto você estiver chorando. E quarto: não seja resgatado por um colunista do UOL".
O relato é do humorista Fábio Rabin. Já no Brasil, ele usou a situação vivida no Qatar para turbinar o show de stand-up comedy. Mas, depois de exagerar nas doses de cerveja e uísque, o que se viu em tempo real foi um grande susto. E o choro ao qual ele se referiu. Até por não entender direito o que aconteceu com ele antes do jogo contra a Coreia do Sul, pelas oitavas de final da Copa do Mundo.
O fato é que o repórter do UOL Adriano Wilkson deparou-se com o humorista na tenda da embriaguez, um lugar onde as forças de segurança deixam torcedores, digamos, fora de si até que voltem a um estado no qual seja possível pelo menos caminhar sem tropeçar nas próprias pernas. Não era o caso de Rabin naquela noite.
O humorista não tem nem noção de quanto tempo ficou lá com os policiais. O caso chegou na embaixada brasileira em Doha. A repercussão nas redes sociais foi grande. Rabin voltou ao Brasil poucos dias depois e agora faz piada com a situação.
O suposto pen drive
O ambiente político depois da eleição presidencial brasileira — que teve a derrota de Jair Bolsonaro — também apareceu no Qatar. O episódio mais marcante envolveu um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Ele foi flagrado pelas imagens oficiais da Fifa durante o jogo do Brasil contra a Sérvia, ao lado da mulher, Heloísa, na arquibancada do estádio 974.
Entre os apoiadores de Bolsonaro, a polêmica cresceu em um momento em que protestos golpistas ainda estavam em curso em algumas cidades do país.
Bolsonaro alegou que veio ao Qatar para levar vídeos, em pen drives, "explicando a situação do Brasil". O parlamentar posteriormente postou fotos ao lado do emir em um dos jogos da Copa.
Como o UOL mostrou, o setor VIP no qual o deputado estava durante a partida do Brasil é apenas para convidados e tem um buffet de luxo que inclui comida 'gourmet' e bebidas alcoólicas variadas.
Ofensas a Gilberto Gil
A rivalidade política no Brasil extrapolou para ofensas pessoais ao cantor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil. Ele estava no estádio Lusail, onde foi à estreia do Brasil, contra a Sérvia, quando foi reconhecido por torcedores apoiadores de Bolsonaro.
Gil foi alvo de ironias e insultos. "Vamo, Bolsonaro. Vamo, Lei Rouanet. Vem, vem. Você ajudou o Brasil pra c... Vamo lá. Vai lá. Valeu, Lei Rouanet. Obrigado, filho da p...", gritaram os integrantes do grupo bolsonarista.
Um dos homens identificados no vídeo foi o empresário de franquias Ranier Felipe dos Santos Lemache, que vive nos Estados Unidos e tem negócios no Brasil. Ele admitiu ter feito provocações, mas negou ter xingado o cantor.
Gil estava hospedado no hotel da seleção brasileira. Depois, no jogo seguinte, ele falou sobre o episódio com o UOL.
"Eram três rapazes, vieram com aquela coisa... Vou fazer o quê? De certa forma, nos acostumamos com esse caráter ofensivo no Brasil. Nos últimos anos ficou assim, essa peleja, essa coisa mais violenta. Mas eu sou de boa", disse Gil.
Como os pentas torcem
Até o comportamento dos ex-jogadores brasileiros nos estádios da Copa do Mundo virou pauta durante o Mundial. Campeões do mundo em 2002 e membros do grupo de lendas da Fifa, Cafu, Ronaldo, Roberto Carlos e Kaká foram figuras frequentes nos setores mais nobres da arquibancada, a área VVIP.
De terno e gravata, ocupando espaços ao lado de cartolas do alto escalão da Fifa e autoridades, eles apareciam constantemente nas transmissões oficiais da Copa. Mas, em geral, só dando sorrisos de canto de boca, no máximo aplaudindo a seleção.
Em contraste, nos jogos da Argentina, os vídeos e fotos que circularam nas redes sociais com ex-jogadores argentinos, como Zanetti, Batistuta, Cambiasso e Sorín, apontam uma reação muito mais intensa. E mais: em um setor mais próximo à torcida argentina e não no glamour da área VVIP. Comentarista do UOL, Walter Casagrande foi a voz que mais incomodou os pentas, como contou Vampeta:
"O Kaká, que é da igreja, postou que eles estão trabalhando contratados pela Fifa, como têm outros campeões mundiais. O comentário mais simples foi do Kaká: 'Ele trabalhou tanto tempo na Globo, porque ele não saía dos estúdios e ia para o meio da torcida?'. Foi o mais simples do Kaká, que é da igreja. Se eu for mostrar o resto vai dar uma confusão do c?"
O debate extrapolou para a forma como os ex-jogadores brasileiros são tratados em território nacional e no exterior. Kaká chegou a dizer que no Brasil Ronaldo Fenômeno é "só um gordo andando pela rua", reclamando que o ex-camisa 9 supostamente não seria idolatrado no país. Depois, Ronaldo disse que Kaká "se enrolou um pouco, o inglês não estava muito bom".
Na prática, os próprios pentas se ausentaram de uma homenagem feita pela Conmebol a Pelé. Eles foram convidados, mas não apareceram. Ronaldo não gostou que o UOL noticiou o fato e barrou o veículo de uma coletiva que fez no dia seguinte.
Ah, Cafu disse que em um dos jogos do Brasil estava sim, com a torcida brasileira. Fazendo vídeos com youtuber.
Defante e o "perdi a linha"
A Copa do Mundo do Qatar também teve presença significativa de influencers. O ineditismo da transmissão no Brasil pelo Fifa+, que também usou o canal do Casimiro como veículo, trouxe ao Qatar figuras como Diego Defante. Houve quem apostasse que ele seria o primeiro brasileiro preso durante a Copa.
O repórter doidão, personagem que ele incorpora quando faz os vídeos no seu canal, aprontou algumas no Qatar. Teve um dia em que ele brincou com filhote de leão e fez até carinho no bicho. Em outro, aderiu ao corte de cabelo do Ronaldo de 2002, mas de forma invertida: só raspou na frente.
Pelo privilégio que tem ao trabalhar em um canal detentor de direitos, Defante tinha trânsito facilitado nas áreas de entrevistas. Mas no Polônia x Argentina quase gerou um problema maior: entrou em setor que não deveria e por pouco não invadiu o campo para ir atrás de Messi. Um segurança o barrou.
Teve outra. Depois da vitória do Brasil sobre a Coreia do Sul, parou Richarlison na zona mista e perguntou: "O Brasil todo conhece o Pombo. E a rolinha? Tem como mostrar para mim?". "Viaja não", rebateu Richarlison. "Perdi a linha", reconheceu Defante, para espanto de Casimiro.
E o gato?
Se tem um bicho fácil de ser encontrado no Qatar é o gato. Em várias esquinas, nas portas das casas e até nos centro de treinamentos das seleções. No estádio Grand Hamad, que foi a casa da seleção brasileira, a população de gatos era alta e percebida a cada treino e coletiva. O protagonismo felino alcançou seu ápice quando um dos bichanos pulou sobre a mesa enquanto Vini Jr. dava coletiva, dias antes das quartas de final diante da Croácia.
Xará do atacante brasileiro, o assessor de imprensa da seleção, Vinicius Rodrigues, retirou o gato de cima da mesa. O jeito com o qual ele pegou o animal gerou repercussão nas redes sociais. A pegada do assessor no bichano foi pelo cangote e nas costas. O gato caiu em uma plataforma sobre a qual estava colocada a mesa da coletiva.
Mas aí o que teve de gente dizendo que o animal não deveria ser retirado desse jeito... Por outro lado, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP) disse que o trato do assessor com o gato foi "comum". Mas a imagem e os memes já estavam viralizados.
O Brasil foi eliminado no jogo seguinte
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.