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Ídolo no SP, Muller se diz mais feliz no Santos e afirma que Neto não fez falta em 90

Muller (à direita) comemora com Careca gol em jogo da seleção brasileira em 1990 - Folhapress
Muller (à direita) comemora com Careca gol em jogo da seleção brasileira em 1990 Imagem: Folhapress

Bruno Império e Luiza Oliveira

Em São Paulo

19/11/2010 07h03

Muller é um dos símbolos do São Paulo. O gol marcado ‘sem querer’ de calcanhar garantiu o bicampeonato mundial contra o Milan em 1993 e ainda emociona o torcedor tricolor. Mas o atacante prefere ressaltar outros momentos da carreira. Diz que o melhor time em que atuou foi o Palmeiras dos cem gols em 1996 e surpreende ao admitir que encontrou a maior felicidade no Santos, mesmo sem ter conquistado um título sequer.

O atacante também fez história na seleção brasileira ao participar de três Copas do Mundo e encerrou o ciclo com a conquista do tetracampeonato nos Estados Unidos. Mas o Mundial de 1990 na Itália trouxe mais recordações e aprendizado. Apesar da eliminação precoce nas oitavas de final, ele diz que o meia Neto, que brilhou naquele ano pelo Corinthians, não fez falta.

Em entrevista ao UOL Esporte, ele conta suas aventuras como comentarista e dirigente, diz ter perdido muito dinheiro por escolhas erradas e que se reergueu pela fé no Deus que encontra no evangelismo. Pastor nas horas vagas,  ainda se mostra a favor do marketing religioso e revela que já converteu vários colegas de profissão.

UOL Esporte: Você está iniciando sua carreira de técnico com seu terceiro time, o Imbituba-SC (passou pelo Ipatinga e pelo Grêmio Maringá). Quais as maiores dificuldades de um técnico de futebol no Brasil?

Muller: São grandes. No futebol a glória e a derrota caminham juntas, o mais importante é confiar no seu potencial e passar isso aos jogadores. Assim como Silas, Ney Franco e o Adilson Batista, espero seguir e ter sucesso, é um novo desafio. No Brasil, a cada três, quatro meses abre janela para o exterior e seu time se desfaz. Você tem que refazer e criar uma nova identidade para o time. Isso não é fácil, tem que ser muito bom. Por isso considero que os técnicos brasileiros são os melhores do mundo. Na Europa, o dono do time gasta 100 milhões de euros contratando os melhores e o técnico dá um treino por dia em um período só.

UOL Esporte: Depois que você pendurou as chuteiras já foi técnico de futebol, comentarista, dirigente e agora volta ser técnico. Ainda não se encontrou?

Muller: O futebol foi meu meio de sobrevivência, vim de família pobre, e até hoje continua sendo. Eu creio que aventura mesmo foi como dirigente no ano passado no Santo André. Nunca tinha pensado nisso, foram seis meses e vejo que a carreira de treinador é bem melhor que a de dirigente. Como comentarista, trabalhei na Band, na Rede Globo e saí da Globo porque acabou meu contrato terminou e eu queria já vislumbrar meu futuro como treinador. Claro que aprendi alguns macetes, aprendi alguma coisa de televisão. Mas de 10 anos para cá venho amadurecendo a ideia de ser técnico, eu sempre tive paciência. Estou recomeçando e creio no meu potencial, na minha vivência como jogador. Isso me dá bagagem pra ver futebol sob um prisma diferente

 

UOL Esporte: Certa vez você disse que o futebol é sujo. Ainda acha isso?

Muller: Os bastidores são sujos sim. A essência, que é o campo, não. São coisas distintas. Falei que o bastidor é uma coisa, essência é outra. Tem que colocar um divisor de águas.

UOL Esporte: Você ficou marcado pelo time dos ‘menudos’ do São Paulo e pelo Palmeiras de 1996. Qual foi o melhor?

Muller: O Palmeiras de 96. Teve uma performance muito interessante. Foram 50 jogos e 102 gols, foi muito inusitado. O time era uma seleção. A equipe era praticamente a mesma equipe em todos os jogos, isso facilitava o trabalho. É melhor jogar com craques porque o time não fica refém de um jogador. Até o Amaral fazia gol naquele time. A gente brincava que era uma pena que ia acabar. Ganhamos só um Paulista, sabíamos que muitos jogadores iam se transferir para o exterior e foi o que aconteceu.

UOL Esporte: Onde você foi mais feliz?

Muller: Joguei no Santos em 1997 e no primeiro semestre de 1998 e não ganhei um título sequer, mas foi uma das melhores fases da minha carreira. Em 1998 fui considerado o craque do campeonato e ganhei o troféu pela seleção do campeonato. Foi um ano e meio de felicidade, de alegria, de prazer e de bonitos gols que marquei. Marquei minha história lá sem titulo, mas com uma passagem muito bonita.

UOL Esporte: Mas você não é mais lembrado pelo São Paulo?

Muller: No São Paulo minha carreira marcou mais porque joguei por dez anos. Com 16 eu era juvenil, com 17 já era profissional e com 18 já estava disputando a Copa do Mundo. Tive uma ascensão muito grande. Nos juniores eu era quarto reserva, qual a esperança do quarto reserva subir para o profissional? Naquela época era muito difícil um jogador do júnior disputar um coletivo no profissional. Diante de toda essa concorrência consegui chegar lá e vencer. Minha carreira marcou no São Paulo por isso.

UOL Esporte: Você cita Vanderlei Luxemburgo e Leão como os melhores técnicos que trabalhou?

Muller: Colocaria Telê, o Vanderlei e o Leão. Três excelentes treinadores com quem trabalhei e aprendi muito com eles, principalmente com o Telê. Sua maior característica era a discrição e a simplicidade em fazer o time jogar. O Vanderlei era muito preocupado com a modernidade do mundo e o Leão era marcado pela simplicidade em dar treinamento, falar com jogadores. Fiquei muito feliz em conhecer esse lado dele. É um cara muito inteligente, um treinador muito competente e justo. Teve Levir, Autuori. A gente sempre pega alguma coisa de cada treinador.

MOMENTOS DA CARREIRA DE MULLER

  • Evelson de Freitas/Folhapress

    Muller passou pelo Palmeiras em 1995/1996. Na foto, ele sofre falta do zagueiro são-paulino Bordon

  • Já em 1998 pelo Cruzeiro, ele disputa a bola com o palmeirense Galeano pelas quartas do Brasileiro

 

UOL Esporte: Você disse que recusou convite de grandes times da Europa. Você se decepcionou com o velho continente?

Muller: Eu tinha desejo de ir para lá quando estava no Brasil. Tive a oportunidade de jogar pelo Barcelona antes do Torino e o São Paulo não me liberou. Quando cheguei e viajei pela Europa toda, vi que não era tudo aquilo que eu imaginava. Eu imaginava uma coisa e era outra, era super normal jogar no Milan, na Roma, no Torino. Eu achava o Torino tão bom quanto o Milan, o Real. Não era grande em termos de torcida e de mídia como Juventus, mas eu estava muito feliz. Nunca prejudicou minha carreia jogar lá.

UOL Esporte: Você participou de três Copas do Mundo, mas a maior decepção foi em 90. Faltou o Neto naquele time de 90?

Muller: Não. Não porque em toda convocação para a Copa do Mundo alguém vai dizer que faltou fulano ou sicrano. Não é questão de capacidade, é questão de preferência. O Lazaroni preferiu outros. Em 1989, o Brasil arrebentou e venceu a Copa America contra a Argentina no Maracanã. Quem foram os protagonistas? Bebeto e Romário. Eu nem estava na Copa America de 89, mas na Copa quem foram os titulares? Eu e Careca. Tudo é questão de momento. O Romário e o Bebeto tinham machucado e eu aproveitei a oportunidade de ser titular. Não tem esse negócio, faltou fulano, ciclano. Não faltou o jogador, faltou uma vivência maior de estar todo mundo junto em prol de um objetivo.

UOL Esporte: Você chegou a discutir com o Parreira após o jogo contra os Estados Unidos na Copa de 1994?

Muller: O Branco discutiu com o Parreira e só eu vi. O Leonardo tinha sido expulso e era para entrar o Branco que era lateral-esquerdo. Era o normal. Mas o Parreira colocou o Cafu porque estava em uma forma física melhor. O Branco vinha de contusão e quase não treinou na preparação para a Copa. O Parreira foi inteligente, mas todo mundo quer jogar e quando acabou o sufoco o Branco ficou insatisfeito. Ele discutiu com o Parreira e eu falei, ‘Parreira, deixa o Branco. Ele está viajando, está nervoso e acaba falando besteira. O importante é que subimos mais um degrau’. Naquele momento, a câmera deu um close no Parreira. Tudo que você faz na seleção tem dimensão grande.

UOL Esporte: Você tinha condições de disputar a Copa de 1998?

Muller: Creio que tinha sim. Estava em um grande momento no Santos, em uma fase excelente. Antes do Mundial fui convocado para um amistoso em Brasília e joguei a partida toda. Depois do jogo o Zagallo deu uma declaração dizendo que ficou decepcionado comigo, que não atuei bem como vinha jogando. Ali eu vi que não ia para a Copa, tive aquela certeza. Eu merecia pelo momento que estava vivendo.

UOL Esporte: A seleção de 2010 lembrava a de 1994?

Muller: Não tem nada a ver. Não dá para fazer essa comparação porque a seleção de 94 era muito boa, tinha dois atacantes que decidiam, uma boa dupla de defesa e Mauro Silva e Dunga jogavam muito bem. Uma seleção equilibrada na defesa, meio campo e  ataque. E o Taffarel que dispensa comentários. A de 2010 o principal jogador, Kaká, jogou machucado. Isso foi declarado. A seleção foi com os jogadores que o Dunga achava que tinha que ir e não jogou bem.

Às vezes não precisa pregar, sua própria atitude faz com que a pessoa pense que ‘aquele cara é diferente’. Minha vocação já ajudou. Vários colegas de profissão, companheiros de equipe se converteram ao evangelho e aceitaram a palavra de Deus. Isso foi muito prazeroso para mim.

UOL Esporte: Você ainda é pastor? Como você concilia o futebol com a religião evangélica?

Muller: Não misturando as coisas. Se misturar, vou me atrapalhar. Coloco um divisor de águas. Quando estiver dentro do campo no Imbituba, sou treinador, na vida sou o Muller e na igreja sou o pastor Muller. Sigo essa trilogia e tenho que ter sensibilidade de saber que cada momento é diferente da minha vida. Sou um pastor itinerante, dou palestras em varia cidades do Brasil. Isso é muito legal e me ajuda. O profissional tem que ter domínio de si próprio, é difícil ter sangue de barata, mas sempre fui equilibrado, quase nunca perdi a cabeça.

UOL Esporte: Muitos criticam a exposição pública da fé. Você é a favor do chamado marketing religioso?

Muller: Cada um tem que respeitar sua religião. Assim como marketing é tudo hoje em uma empresa, a gente tem que procurar mostrar também. A bíblia diz que os evangélicos são testemunhas de Jesus, testemunha tem que falar, testemunhar o que fez na vida, o que é. Então não vejo nada de marketing no sentido de demagogia, vejo como uma coisa boa que se está sentindo naquele momento. Tem muito jogador evangélico e cada um expressa isso da maneira que achar que deve.

UOL Esporte: Você costuma pregar entres os jogadores de futebol? Já converteu algum colega de profissão?

Muller: Quando tenho a oportunidade, sim. Às vezes não precisa pregar, sua própria atitude faz com que a pessoa pense que ‘aquele cara é diferente’. Minha vocação já ajudou. Vários colegas de profissão, companheiros de equipe se converteram ao evangelho e aceitaram a palavra de Deus. Isso foi muito prazeroso para mim. O Silvio Luis do São Caetano, o Edmilson, o Gilmar, a gente ia muito para a igreja juntos. Tudo foi fruto das nossas reuniões em concentrações.

UOL Esporte: Sua ex-mulher o acusou de gastar dinheiro em noitadas. Não ficou rico com o dinheiro que ganhou no futebol?

Muller: Eu ganhei muito dinheiro e perdi muito dinheiro. Fiz muita besteira, errei muito na minha carreira, na minha vida pessoal. Fiz investimentos errados, investi em uma situação que achava legal, mas acabei quebrando a cara e perdendo dinheiro. Mas o futebol sempre foi meu meio de sobrevivência e continua sendo até hoje.