Prestes a completar cem anos, Guarani vive crise e aposta na venda do Brinco

Não era o Centenário que o torcedor do Guarani esperava. Para um clube que carrega em sua história o fato de ser o único do interior do país, até hoje, a conquistar um Campeonato Brasileiro (1978), a comemoração fica aquém da grandeza construída ao longo de seus cem anos. Na segunda divisão tanto do Campeonato Paulista como do Brasileiro, o Guarani ainda acabou eliminado da Copa do Brasil pelo modesto Horizonte-CE em pleno Brinco de Ouro, na última quarta.

Não bastassem os problemas dentro de campo, o clube ainda apresenta uma série de dívidas a serem quitadas. Segundo valores divulgados pelo próprio site oficial do Guarani, os números chegaram a R$ 124,895 milhões no final do ano passado. E para que isso seja solucionado, pelo menos em parte, a venda do estádio Brinco de Ouro da Princesa aparece quase como certa, sendo agora apenas uma questão de tempo para que isto aconteça.

O presidente Leonel Martins acredita ser esta a grande solução para os problemas financeiros do clube, opinião esta ‘aprovada’ por Careca, ex-craque revelado no Guarani. “Não tem outra solução. Me parece que, além do pagamento da dívida, o clube vai fazer um novo estádio e um CT. É o que a gente espera, que deem espaço a isso e administrem da melhor maneira possível pra continuar se mantendo”, declarou o ex-atacante em entrevista ao UOL Esporte.

De fato, Careca está certo. Com a permuta do patrimônio, além da construção de uma nova arena, está prevista também a criação de um centro de treinamento moderno, com dez campos destinados ao time profissional e categorias de base. Porém, apesar dos benefícios que isso traria para o Guarani, o ex-jogador Neto, também revelado nas categorias de base do clube campineiro, revela sentimento de tristeza pelo que está por vir.

“Morei muitos anos nos alojamentos embaixo das arquibancadas do Brinco. Seria muito triste ver isso acontecer para virar um shopping. Sentiria um vazio”, afirma Neto. “Amo o Guarani. Sempre foi minha segunda casa. Lá aprendi muita coisa que até hoje levo comigo na vida. É triste ver o clube ser degradado. Ora por dirigentes irresponsáveis e picaretas, ora pela política imposta ao futebol, onde os clubes médios e pequenos não têm vez”, completa.

'Fábrica' de revelar talentos ficou para trás

Careca e Neto são apenas dois de muitos craques revelados pelo Guarani, que antigamente carregava consigo esta justa fama, a de revelar novos talentos. Evair, Amoroso, Luizão, Edílson, Mauro Silva e Ricardo Rocha são outros exemplos da enorme capacidade que o Guarani tinha para formar jogadores de alto nível, fato este que acontece cada vez mais raramente no Brinco de Ouro.

Atualmente, o cenário não é mais o mesmo. “O Guarani marcou história no Brasileiro, na Taça de Prata, mais por formar e revelar jogadores, e assim conseguiu títulos importantes. Hoje o foco não é mais esse. Não tem estrutura nenhuma para manter uma categoria de base, não tem campo, e isso é fatal. Há um tempo atrás vinham jogadores ganhando 70, 80 mil de outros clubes, já formados. Acho que é complicado”, critica Careca.

“Precisa voltar a focar no objetivo maior que é criar os jogadores, sai mais barato”, completa Careca. Neto concorda plenamente com o ex-atacante, e vai além. Para ele, a Lei Pelé foi totalmente prejudicial aos times do interior. “A grande verdade é que a Lei Pelé chegou para arrebentar com os clubes do interior. E longe de mim querer culpar o Pelé, que praticamente não tem nada com isso”, afirma Neto.

“Hoje dificilmente times como Guarani, que sempre foi um celeiro revelador de talentos, consegue ter sucesso nessa área. Vem o grandão e toma antes o jogador. Consequentemente não rende grana. Acho que financeiramente o Guarani está quebrado e não consegue sair do buraco. E olha que a estrutura física do clube é sensacional. Maior que de muito clube forte por aí”, completa.

Apesar de criticar os dirigentes em geral, o ex-meio-campista isenta Leonel Martins de Oliveira dos problemas atuais do clube campineiro. “Foi meu presidente quando eu era jogador do Guarani nos anos 80. Não acho que ele é responsável pela crise. Ela vem de bem antes. Segurar rabo de foguete não é fácil. Pra falar a verdade ele até fez com que o time atingisse bons resultados nas últimas temporadas. Acessos importantes”, completa.

Por fim, Neto cita qual deve ser, na opinião dele, o caminho a ser tomado pelo Guarani para que o clube volte a ter conquistas daqui para frente. “Administração profissional. Empresarial. Tratar o futebol como um negócio. Chega de passionalidade no esporte. Dirigente faz muita besteira por pensar com o coração”, finaliza o ex-jogador.

Festa para comemorar os cem anos

O Centenário do Guarani acontece neste sábado, dia 2 abril, e tanto Neto como Careca já confirmaram presença na comemoração. “Acho sensacional essa festa. Vou participar sim. E tem mais: acho que tem motivos para comemorar porque o Guarani tem uma histórica riquíssima. O passado vitorioso não pode ser punido pela crise do presente. Sempre é bom rever aqueles ídolos históricos, como os heróis de 78. E na festa todos irão participar”, confirmou Neto.

“Sinto-me feliz e honrado por ter feito parte desta história, fiquei seis, sete anos jogando aqui e fico muito feliz de participar da semana festiva do clube e espero que anos melhores possam chegar, com uma boa administração e pessoas que possam vestir a camisa do Guarani”, completou Careca.