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Banda usa pior time do mundo para inspirar músicas derrotistas como 'Assume a lanterna'

Banda de punk rock tem o Íbis do ídolo cult Mauro Shampoo (dir.) como inspiração - Divulgação
Banda de punk rock tem o Íbis do ídolo cult Mauro Shampoo (dir.) como inspiração Imagem: Divulgação

Bruno Freitas

Em São Paulo

25/05/2011 12h00

Se uma equipe em fase trágica fosse uma música, bem poderia ser um daqueles boleros arrastados que faz o ouvinte quase cavar um buraco no chão. Mas se for o pior time do mundo, que tal um punk rock de letras autodepreciativas? Pelo menos esta é a proposta da banda Íbis, que escolheu o clube pernambucano de mesmo nome e sua folclórica mediocridade para basear seu universo artístico derrotista.

MÚSICAS DA BANDA ÍBIS

ASSUME A LANTERNA
"Nossa vitória está na sua cara
Quando a gente leva goleada e ainda sai fazendo farra"
O PERDEDOR
"Eu perdi de goleada, pra você eu sou piada.
Mais um pé-de-chinelo, sou uma ameaça
Mas não a você, o juiz o dono do campo.
A derrota estava escrita no placar antes do jogo começar"
SORTE
"Se eu não tivesse respondido quando o juiz me chamou a atenção
E se eu não tentasse agredi-lo quando ele me mostrou o cartão
Talvez hoje o Íbis seria (sic) campeão, talvez hoje o Íbis seria (sic) campeão"

Com músicas como Assume a lanterna e O perdedor, a banda Íbis usa e abusa de analogias futebolísticas para fazer o que denomina de “rock de várzea”. Na verdade, trata-se de um repertório de canções de punk rock recheado de deboches autodepreciativos.

E nada mais conveniente para a proposta da banda do que tomar emprestado o nome do Íbis Sport Club, clube que fincou sua bandeira dentro do folclore do futebol brasileiro através da propaganda de “pior time do mundo”.

Fundado em 1938 em Recife, como forma de entretenimento para trabalhadores de uma fábrica de tecelagem, o Íbis ganhou notoriedade nacional no fim dos anos 70, quando alcançou a façanha de permanecer três anos e 11 meses sem uma vitória sequer. A série negativa levou a equipe ao Livro dos Recordes e inspirou a criação do apelido de pior time do mundo.

Mas, inicialmente, não foi apenas o teor das letras que aproximou a banda ao Íbis. No começo, a qualidade técnica dos músicos fez com que a associação com algum desastre dos campos inspirasse a busca por um nome de batismo.

“Todo mundo da banda curte futebol pra caramba. Pela habilidade dos músicos da banda no começo, a gente pensou em usar um nome de um time ruim, do pior time do mundo. E aí também pintou a ideia de usar as cores do Íbis em apresentações, vermelho e preto”, diz Ricardo Brasileiro, baixista do grupo.

“Uma banda independente, de garagem, é como se fosse um time de várzea, um time ruim. É nós vimos que o Íbis é isso, um símbolo de resistência. Então a gente usou essa analogia, da banda tentando gravar seu cd e o time pequeno, jogando de forma voluntária, etc.”, diz o músico.

HINO DO ÍBIS EM PUNK ROCK

Não é possível atestar cientificamente, muito menos nos padrões esportivos, que de fato o Íbis é o pior time do mundo. Mas a verdade é que a fama pegou. E foi este conceito por trás da equipe pernambucana que casou com as ideias artísticas da banda paulista.

“Literalmente todo mundo do Íbis joga como voluntário, às vezes só para realizar o sonho de assinar uma súmula, participar de um jogo oficial. Deixa de trabalhar para isso, um lance amador, de amor. A gente se vê num caminho parecido, dentro da cena independente. Tanto que até num material de divulgação nosso a gente se definia como uma banda de várzea ou um time de garagem”, afirma Brasileiro.

Além de Ricardo, a banda tem Vanessa no vocal, Tiaguinho na guitarra e João na bateria. Todos eles moram na cidade de Serrana, na região de Ribeirão Preto. E também todos se apresentam no palco usando as cores vermelha e preta do Íbis.

ENCONTRO EM RECIFE

  • Divulgação

    Integrantes da banda paulista encontram Mauro Shampoo, maior jogador do Íbis na história

Se por um lado a banda ensaia decolar no circuito alternativo, o time de futebol homônimo atravessa momento de penúria, que nem mesmo a reputação folclórica de pior do mundo consegue ajudar. O Íbis está prestes a estrear na Segunda Divisão do Campeonato Pernambucano, mas teve que mudar de cidade para jogar.

Sem estádio em Recife, o presidente Ozir Ramos Jr. levou o Íbis para a cidade de Ipojuca, próxima da renomada praia de Porto de Galinhas. Lá o cartola conseguiu uma parceria com a prefeitura para usar um estádio com capacidade para 5 mil torcedores.

“A gente tem sobrevivido com os próprios recursos da família, não temos patrocinador há muito tempo, mais de dez anos. Contamos com os recursos da família Ramos. Eu sou gráfico, meu irmão é delegado polícia, meu pai é aposentado”, conta o atual presidente.

A penúria do “pior do mundo” é tamanha que o uniforme de jogo é o mesmo já há algumas temporadas. “Não temos condições de uniforme. Usamos o mesmo há três anos e vamos lavando para usar de novo”, conta Israel Leal, historiador do Íbis e assessor de imprensa voluntário.

Recentemente, os membros da banda do interior paulista rumaram ao Nordeste para conhecerem o clube de onde tomaram a inspiração derrotista. Passaram dois dias conhecendo a história do glorioso Pássaro Negro e até conheceram o maior ídolo do clube, a figuraça Mauro Shampoo, hoje dono de uma barbearia.