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Funcionário do Guarani ganhou carro de luxo para revelar marmelada pró-Palmeiras em 68

Brinco de Ouro foi palco da polêmica partida entre Guarani e Palmeiras em 1968 - Adriano Vizoni/Folhapress
Brinco de Ouro foi palco da polêmica partida entre Guarani e Palmeiras em 1968 Imagem: Adriano Vizoni/Folhapress

Bruno Freitas

Do UOL, em São Paulo*

23/02/2012 06h00

O Palmeiras escapou matematicamente do rebaixamento no Campeonato Paulista de 1968 graças a um empate com o Guarani em Campinas, em partida com circunstâncias nebulosas, expostas pelo blog do jornalista Juca Kfouri no UOL, na última quarta-feira. Parte afetada diretamente pelo resultado em questão, o Comercial de Ribeirão Preto conseguiu evitar o seu descenso provando o acerto prévio entre os dois alviverdes, em atuação nos bastidores que contou até com um suborno usando um carro de luxo Simca Chambord.

SOBRE O CARRO

Ícone do seu tempo, o Simca Chambord foi produzido pela Simca francesa entre 1958 e 1961. No Brasil, ele marcou época por ser o veículo usado pelo ator Carlos Miranda, protagonista da série de TV "O Vigilante Rodoviário" (na foto acima). O carro também foi eternizado na cultura pop nacional graças a uma canção da banda Camisa de Vênus, de Marcelo Nova.

Presidente do Comercial à época, o advogado José Fernando de Ataíde contou à reportagem do UOL Esporte que deu um carro deste modelo para um funcionário do Guarani em troca de documentos que atestassem a entrega de resultado ao Palmeiras, ou pelo menos que identificassem o "compromisso" de que apenas reservas bugrinos fossem mandados a campo.

"Eu estudei em Campinas e sempre tive muitos contatos por lá. Cheguei a fazer estágio em uma delegacia da cidade. Portanto, conhecia bem as pessoas. Me passaram o contato de um funcionário do Guarani que talvez pudesse me ajudar. A pessoa pediu inicialmente 50 milhões [de cruzeiros]. Depois pediu um carro igual ao meu. Na época, tinha um Simca Chambord azul claro. Mandei buscar em Ribeirão Preto", relata José Fernando de Ataíde, hoje com 75 anos, sem identificar o interlocutor em questão.

Os documentos que provam o acerto entre Palmeiras e Guarani antes do jogo decisivo de 1968 foram publicados na revista dos 100 anos do Comercial, lançada em 2011, com edição do jornalista Luiz Eduardo Arruda Rebouças. Os papéis, no entanto, hoje estão com o ex-presidente Ataíde. A história era conhecida, mas a novidade é a papelada que assegurava o acordo.

ADEMIR DA GUIA REBATE ARMAÇÃO

Como prometido, o Guarani não escalou nenhum titular contra o Palmeiras naquela partida de 1968 e, de quebra, ainda mandou a campo durante o confronto o amador Flamarion, ultrapassando o limite de dois atletas com este status por jogo.

Em compensação, o Palmeiras cedeu por empréstimo um jogador de graça ao Guarani. O atleta em seguida acabou negociado com o XV de Piracicaba, em transação que fez o clube da capital depositar 50 mil cruzeiros na conta dos campineiros.

Titular do time de Mário Travaglini naquela tarde de sábado de 1968, Ademir da Guia admite que os comentários sobre armação rondaram aquela partida do Paulistão. No entanto, o ídolo palmeirense diz que sua memória não identifica nenhuma irregularidade sobre a partida em questão.

"Lembro do jogo contra o Guarani. O Palmeiras tinha que perder para ter problemas. Mas empatamos. Na época se falou em jornais sobre jogo arranjado, de o Guarani colocar um jogador que não estivesse inscrito. Mas não colocou. Não tem nada a ver esse tipo de coisa", diz o ex-meia, sem a lembrança da entrada do terceiro amador no time adversário.

No empate do Brinco de Ouro, Suingue abriu o placar para o Palmeiras aos 5min do segundo tempo e Wilson empatou 11 minutos mais tarde.

Ademir da Guia diz que o Palmeiras sofreu naquele ano com um cenário que hoje em dia complica a vida de clubes do país, com batalhas simultâneas na temporada. "Acabamos priorizando a Libertadores [perdeu a final para o Estudiantes-ARG] e deixamos o Estadual em segundo plano", relata.

Naquele ano, o Palmeiras havia priorizado a disputa da Libertadores e acabou tendo de jogar uma série de partidas seguidas, anteriormente adiadas, no Paulista. Foi então que o Guarani escalou um time reserva e com um jogador em situação irregular, de maneira que, se a equipe do interior vencesse, o rival da capital poderia buscar na Justiça esportiva os pontos perdidos.

O Palmeiras entrava na penúltima rodada com chances remotas de rebaixamento, em situação amenizada pela vitória sobre o América de Rio Preto na partida anterior. Neste cenário, um empate asseguraria matematicamente a permanência na elite.

"Na época os times podiam escalar até dois jogadores amadores por vez. Neste dia o Guarani escalou três", conta o jornalista Luiz Eduardo Arruda Rebouças, responsável pela pesquisa histórica a respeito desta partida.

Mas a brecha para manobra no tapetão acabou não precisando ser utilizada, pois o placar de 1 a 1 no Brinco de Ouro, no dia 29 de junho de 1968, um sábado à tarde, assegurou o Palmeiras na divisão de cima do Paulista.

Prejudicado pelo empate em Campinas, o Comercial acabou destinado ao rebaixamento. Mas, inicialmente, o clube de Ribeirão Preto foi à Justiça esportiva contra a Portuguesa Santista, protestando contra escalação irregular de um jogador, e não reclamando de qualquer problema na partida entre palmeirenses e bugrinos.

"Perdemos de 8 a 1 na Federação Paulista, de 9 a 0 na antiga CBD [Confederação Brasileira de Desportos] e de 9 a 0 no pleno da mesma entidade. Somente no CND [Conselho Nacional de Desporto] conseguimos a vitória por 11 a 0. Foi só neste último julgamento que conseguimos anexar os documentos do jogo do Palmeiras", descreve o ex-presidente do Comercial, responsável pela "compra" da papelada.

Assim, o Comercial conseguiu anular seu rebaixamento e ainda fez a Federação Paulista suspender o descenso no Estadual por alguns anos. Tudo graças ao suborno do Simca Chambord e à ingenuidade dos dirigentes da época, que firmaram compromisso de favorecimento registrado em cartório.

"Temos toda a autenticidade e o reconhecimento destes documentos. Temos a prova do acerto entre os dois clubes. Um caso inédito no Brasil de entrega de jogo comprovada", afirma o jornalista Luiz Eduardo Arruda Rebouças.

*Veja mais detalhes sobre o caso e a reprodução dos documentos sobre a partida entre Guarani e Palmeiras no blog do jornalista Juca Kfouri

*nota atualizada às 13h40