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Promotor pede condenação da Portuguesa Santista por tráfico de pessoas

Justiça condena Atlético e processa Cruzeiro, VIlla Nova e América por trabalho infantil  - Arte UOL
Justiça condena Atlético e processa Cruzeiro, VIlla Nova e América por trabalho infantil Imagem: Arte UOL

Roberto Pereira de Souza

Do Uol, em São Paulo

16/05/2012 13h02

A Portuguesa Santista poderá ser enquadrada na lei de tráfico de pessoas (Protocolo de Palermo) por ter usado jogadores de categorias de base em campeonatos estaduais com a camisa do clube. Doze jogadores mirins dormiam em colchonetes, passavam fome, não tinham escola nem atendimento médico e psicológico, o que  “contraria a Lei Pelé, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as leis internacionais que condenam a exploração de pessoas”, disse o promotor da Infância e Juventude de Santos, Carlos Carmello.

Carmello apresentou recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo, após conseguir a condenação parcial da Portuguesa Santista por exploração de trabalho infantil. Ele quer que os jogadores de base trazidos do Pará sejam indenizados pelo clube. “O juiz que deu a sentença mencionou o Protocolo de Palermo mas negou o enquadramento da infração como tráfico de pessoas”, explicou o promotor de Infância e Juventude. "Se usarmos o tráfico de pessoas podemos indenizar as vítimas. Por isso entrei com recurso no Tribunal de Justiça, para reformar a sentença de primeira instância".

A assessoria do clube enviou email a UOL Esporte dizendo que os fatos que levaram à condenação foram gerados "em um período em que o departamento amador era adminstrado por uma empresa terceirizada e que, agora, tudo estava em ordem."

O Brasil é signatário do Protocolo de Palermo desde 2004. A convenção firmada em 2000 foi encampada pela ONU para combater o crime organizado transnacional que usa o tráfico de pessoas para tirar vantagens.

“A Portuguesa desrespeitou a legislação. O Protocolo de Palermo foi incorporado à legislação brasileira por decreto assinado pelo presidente Lula”, lembrou o promotor. ”Sabemos que ainda não existe um artigo no Código Penal que puna esses crimes de exploração de seres humanos de  maneira genérica, mas somos signatários e devemos cumprir a lei internacional em casos como o abuso de atletas menores, maiores ou qualquer outa pessoa”.

Várias sugestões para mudança do Código Penal estão sendo estudadas pelo Ministério da Justiça, por juristas de notório saber e por parlamentares que investigam o tráfico de pessoas no Senado e na Câmara dos Deputados.

.O promotor Carlos Carmello e a procuradora da República Ela Castilho querem inibir a ação de exploradores de pessoas que agem na oferta de vantagens aos pais de menores, prometendo sucesso profissional e riqueza na carreira de jogadores de futebol. "Soubemos que as família enviavam dinheiro para o "olheiro" alimentar seus filhos, mas as crianças passavam fome. O dinheiro ficava com o intermediário e isso é exploração".

“A exploração não é apenas sexual. A exploração de pessoas que vivem em fragilidade social também é coberta pela legislação internacional que combate o tráfico de pessoas”, explicou a advogada Juliana Armede, responsável pelo tema junto à Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo.

Tráfico de pessoas no esporte

Promotores e procuradores do Trabalho se baseiam na definição internacional sobre tráfico de pessoas para enquadrar agentes e "olheiros de futrebol",  que trabalham com crianças, adolescentes e até maiores de 18 anos em vários estados brasileiros.

O artigo 3º do Protocolo de Palermo define o tráfico de pessoas:

 “É o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, para fins de exploração".

Preocupada com o tema, a procuradora da República Ela Wiecko de Castilho escreveu artigo técnico sobre a exploração de pessoas, diante da nova legislação internacional, da qual o Brasil é signatário.

Em seu artigo, a procuradora Castilho esclarece que no caso de crianças e adolescentes (menores de 18 anos de idade), “o consentimento é irrelevante para a configuração do tráfico”.

No caso dos pais dos meninos que deram autorização escrita para que seus filhos viessem para São Paulo do interior do Pará, pelas mãos de um “olheiro” , "a fragilidade social é mais forte que o consentimento legal", analisa o promotor Carmelo.

“São famílias que vivem em fragilidade social e não podem discernir diante de um quadro de sedução e promessas de vantagens”, expconcorda o promotor Carmelo.

Na opinião dos especialistas consultados por UOL Esporte, a questão semântica da exploração pode ser corrigida nos próximos meses quando o novo Código Penal for aprovado e entrar em vigor.

“O Protocolo emprega a cláusula para fins de exploração,  o que engloba qualquer forma de exploração da pessoa humana, seja ela sexual, do trabalho ou a remoção de órgãos. A enumeração é apenas ilustrativa’, defende a procuradora Castilho.

O decreto presidencial que aceita integralmente o texto do Protocolo de Palermo foi assinado no dia 12 de março de 2004 mas (até agora) nenhuma sentença condenatória enquadrou o abuso contra jogadores mirins na lei internacional.

As ações contra os clubes têm o respaldo do Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

O Atlético Mineiro e Portuguesa Santista já foram condenados e se não respeitarem a sentença judicial serão multados: o clube mineiro deverá pagar multa diária de R$5 mil por criança; a Portuguesa arcará com multa de R$ 50 mil por criança usada ilegalmente.

O Cruzeiro, o América e o Villa Nova se negaram a assinar um termo de ajuste de conduta para se enquadrar ao que determina a Lei Pelé e o ECA e foram processados pela Justiça do Trabalho de Minas Gerais. O Villa Nova é ameaçado com multa de R$ 800 mil pela justiça do Trabalho, em Minas Gerais.

No Rio de Janeiro, o Vasco é investigado pela morte de um jogador de base  em fevereiro de 2012. O clube se negou a assinar um termo de ajuste de conduta e agora enfrenta uma ação movida pelo Ministério Público do Estado e pelo Ministério Público do Trabalho.