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Do Olaria a "capo" da seleção, Américo Faria poupa Dunga e ataca comunicação da CBF

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

14/11/2012 06h00

Se Ricardo Teixeira era visto por seus críticos e até aliados como uma espécie de “poderoso chefão” na presidência da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), pode-se dizer que Américo Faria foi um dos principais “capos” de sua gestão. Seja como supervisor, coordenador, planejador ou qualquer atribuição que tenha alguma conotação burocrática, Faria esteve presente no ambiente da seleção brasileira de 1991 a 2010, com um breve hiato na virada do século. Sua influência variou de acordo com a sua relação com Teixeira. Participou de conquistas surpreendentes e esteve à frente de derrotas marcantes. Seu ato final foi a queda diante da Holanda na África do Sul. O apoio a Dunga lhe custou o cargo e iniciou um “exílio” de dois anos, quebrado há pouco tempo.

Hoje, Américo Faria é diretor de futebol do modesto Boavista, que disputa o Campeonato Estadual do Rio. João Paulo Magalhães, gestor do clube e responsável pela contratação, define seu reforço como um “avião”, pela experiência de seis Copas do Mundo e contato com alguns dos principais jogadores do futebol mundial.

O “avião” de Magalhães tem uma das histórias mais curiosas e longevas da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Histórico treinador e dirigente do modesto Olaria, Américo Faria teve sua primeira chance na seleção brasileira em 1991.

Ele roeu o osso até o tetra em 1994, sofreu com as disputas políticas a caminho de 1998 e foi demitido pela primeira vez após a derrota na França. Voltou em 2001 com o aval de Ricardo Teixeira e ganhou um poder inédito a partir do titulo na Ásia. De 2002 a 2006, foi o homem forte nos bastidores da seleção, concedeu inúmeras entrevistas e ditou o ritmo da equipe de Parreira fora de campo.

O fracasso na Alemanha, no entanto, iniciou um processo de fritura interno que só acabaria quatro anos depois. Abraçado à postura de Dunga, Américo Faria foi demitido junto com o treinador que defendeu. Hoje, ele segue confiante de que fez o melhor na África do Sul e não esconde a decepção com os acontecimentos.

“Aqui no Brasil não se cultua muito os vencedores. Eu não esperava nenhuma homenagem para mim. Se eu gostaria de ter continuado? Gostaria, mas é a decisão do presidente”, disse Américo, em entrevista exclusiva para o UOL Esporte na qual coloca o setor de comunicação de CBF, comandada desde 2001 pelo jornalista Rodrigo Paiva, como um dos motivos para alguns dos problemas que teve em seus últimos anos com a seleção.

Leia abaixo a conversa completa com o cartola:

UOL Esporte: Há pouco tempo você acertou com o Boavista, depois de dois anos afastado. O que te motivou?
Américo Faria:
Na verdade eu não estava afastado. Estava com algumas consultorias, mas sem fazer a gestão. Eu trabalhei 21 anos como treinador, depois passei a exercer funções fora de campo. Achei que era uma boa oportunidade de colocar isso em prática com a possibilidade maior de fazer os acertos dentro desse caminho. O maior desafio foi exatamente esse.

UOL Esporte: Então o fato de você ter o controle total das ações, o que seria mais difícil em um clube grande, pesou?
Américo Faria:
A gente vê que entre você fazer o que é certo e deixar de fazer às vezes está a vontade política. Em um clube nos moldes do Boavista, este ‘senão’ deixaria de existir.

UOL Esporte: O que aconteceu para que você saísse da CBF?
Américo Faria:
Foi uma decisão do presidente. Eu só tive divergência com um membro da assessoria de comunicação. Eu achava que a informação era um bem comum. Queria que a informação fosse primeiro ao site oficial, e quando eu via já tinha determinada emissora sabendo antes. Eu discordava disso. 

UOL Esporte: No último fim de semana, o Dunga falou ao “Esporte Espetacular” que não se arrepende das decisões tomadas em 2010 e que errou ao responder por problemas que não eram dele. Você concorda?
Américo Faria:
Basicamente, a situação é que houve uma crítica muito grande à situação anterior [2006], e essa repercussão não foi boa. Na entrevista, o Dunga ainda teve o cuidado de frisar que não havia nada fechado, como se dizia. O que houve foi a organização. Decidimos que a imprensa teria acesso naqueles momentos, só que quem deveria passar isso para a imprensa não passou, e ele sendo criticado por isso.

RELEMBRE OS MOMENTOS DE AMÉRICO FARIA À FRENTE DA SELEÇÃO BRASILEIRA

  • Toni Pires/Folha Imagem

    Américo comanda churrasco da seleção na Copa de 1998 com Fábio Koff, então chefe de delegação

  • Eduardo Knapp/Folha Imagem

    Américo Faria em uma pelada da seleção durante a Copa de 2010, com o técnico Luiz Felipe Scolari

  • REUTERS/Kai Pfaffenbach

    Américo Faria, Dunga e Jorginho durante o sorteio dos grupos da Copa do Mundo da África do Sul

UOL Esporte: Desde que você saiu da CBF, muita coisa mudou por lá, inclusive o presidente. Como você viu a saída do Ricardo Teixeira?
Américo Faria:
Olha, tudo que eu posso dizer é que foi o período em que se ganhou um terço dos títulos da CBF, então não pode ter sido ruim.

 

UOL Esporte: Você guardou alguma mágoa pela maneira como foi demitido? Abalou sua relação com Ricardo Teixeira?
Américo Faria:
Não houve mais relação. Eu trabalho em futebol há muitos anos, devo ser um recordista de permanência em todos os lugares em que trabalhei. Infelizmente, futebol é assim. Eu sempre tive a visão de um trabalho de quatro anos, mas o futuro do futebol é o próximo jogo e o passado é o último. Às vezes, no calor, você toma decisões das quais pode se arrepender depois.

UOL Esporte: Você acha que o Ricardo Teixeira se arrependeu?
Américo Faria:
Olha, isso não sei te dizer [risos]. Só sei que ele se arrependeu uma vez. Aqui no Brasil não se cultua muito os vencedores. Eu não esperava nenhuma homenagem para mim. Se eu gostaria de ter continuado? Gostaria, mas é a decisão do presidente.

UOL Esporte: Enquanto você estava na CBF, era difícil ver um membro da entidade aumentar a pressão sobre um treinador ou colocar um cargo em risco, algo que acontece com frequência na gestão atual. Você considera isso um mérito seu?
Américo Faria:
Ao longo da minha vivência no futebol, vi diversas alterações. Uma delas foi que a comunicação e o marketing ganharam muita força. Em 1993, eu lembro que eu instituí a zona mista com os americanos, por exemplo. A partir do momento em que tem alguém especializado na função, ele é que tem o dever de proteger a marca. E isso o Dunga não teve, por exemplo.

UOL Esporte: Mas eu me refiro especificamente ao presidente. Ricardo Teixeira dificilmente dava entrevistas falando sobre os treinadores, ao contrário de José Maria Marin. Você conversava com o antigo presidente sobre isso?
Américo Faria:
Olha, no período em que eu convivi eu sempre dei total liberdade aos treinadores.

UOL Esporte: Nos últimos tempos, as pessoas têm feito muitas críticas ao calendário do futebol brasileiro, que obriga os clubes a perderem jogadores para a seleção. O que você, que já esteve dos dois lados, pensa sobre o assunto?
Américo Faria:
A Fifa criou um calendário para que todos os jogadores pudessem jogar pelas seleções sem desfalcar os clubes. A intenção era que todos respeitassem, mas algumas federações respeitam e outras não. Infelizmente aqui no Brasil não é a situação ideal. Você tem de ver os dois lados. O clube precisa do jogador e a seleção tem de se preparar. Enquanto [a mudança] não ocorrer, essa é a nossa realidade.

UOL Esporte: Nos seus tempos de seleção, qual foi o gerenciamento de crise mais complicado que você já teve de fazer?
Américo Faria:
Quando você trabalha de maneira disciplinada, dificilmente se vê em uma situação que não tenha previsto.

UOL Esporte: Mas em 1998, por exemplo, o problema com o Ronaldo às vésperas da final deve ter pego você de surpresa.
Américo Faria:
É verdade. De fato, essa situação foi inédita. O que aconteceu foi que o Ronaldo teve um problema, e na hora foi dito que era uma convulsão. Houve tanto cuidado com isso que criou-se uma repercussão negativa. Ele teve o problema às 14h, sendo que o jogo era às 20h. Às 16h, na hora do lanche, teve uma reunião e decidiu-se que ele não iria jogar, então vimos o que teria de ser feito. Nós o encaminhamos para os exames de forma discreta. Só que 25 minutos antes do jogo o Ronaldo chegou, dizendo que não tinha dado nada e que ele queria jogar.

UOL Esporte: E isso afetou o resto do grupo.
Américo Faria:
Todos os outros estavam com o aquecimento iniciado. O foco daquele grupo deixou de ser a final da Copa. Foi em uma situação inusitada. O Brasil perdeu, mas poderia ter ganho. Nunca tinha ocorrido uma situação assim, ainda mais por ser uma final de Copa do Mundo.

UOL Esporte: E qual o melhor momento que você se lembra?
Américo Faria:
A formação dos grupos. Na seleção você convive com jogadores multimilionários, e consegue colocar como objetivo para eles a vitória. Sei como é difícil. Em 2010, depois da derrota, todos estavam cabisbaixos. Perder uma Copa é quase como perder um parente. Mesmo assim, depois do jantar ninguém estava culpando nada, e todos foram, um a um, cumprimentar a comissão técnica.

UOL Esporte: Mesmo assim, menos de um mês depois o Robinho, um dos ícones do time, selou as pazes com a Globo ao exibir uma camisa da seleção com o nome do Alex Escobar, que tinha discutido com o Dunga. Isso te magoou?
Américo Faria:
Na verdade eu não sabia disso, fiquei sabendo agora. Eu acho que o próprio Dunga já reviu algumas coisas, como ele mesmo disse na entrevista desse fim de semana. Talvez, se ele tivesse sido melhor protegido, as coisas teriam sido diferente. E depois ele não teve ocasião de se desculpar. Quanto ao caso do Robinho, tem de ver a situação de cada um. Será que não existe a chance de que alguém tenha induzido ele a fazer aquilo? Seria uma forma de alguém se desculpar pela situação sem se envolver diretamente, usando um terceiro.