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Sem dinheiro e com futuro ameaçado, Juventus transforma o passado em combustível para sobreviver

Livro "Juventus: Glória de um Moleque Travesso", do jornalista Fernando Galluppo - Divulgação
Livro "Juventus: Glória de um Moleque Travesso", do jornalista Fernando Galluppo Imagem: Divulgação

Luis Augusto Símon

Do UOL, em São Paulo

07/02/2013 06h00

Quando, diante de 88 mil pessoas, em Wembley, o português Pedro Proença autorizou Luís Fabiano a tocar a bola para Neymar, 9.500 quilômetros longe dali, 539 pessoas estavam felizes. Uma parte delas, talvez 10%, cantava emocionadamente seguindo o toque de um bumbo, bem ao estilo Mercedes Sosa. Para eles, a torcida juventina, a parada estava resolvida no estádio Conde Rodolfo Crespi – “e quem precisa de Wembley?, pergunta seu Antonio, pertinho dos 80 anos – na rua Javari.

No coração da Mooca, a avalanche vertical já havia dado as caras. Foi quando, no início do segundo tempo Rafael Magalhães cobrou um escanteio, a bola bateu em Sandoval e foi para o fundo do gol do Rio Branco. O 1 a 0 foi a senha para que a turma do Setor 2 comemorasse ao contrário da torcida do Grêmio. Eles não descem correndo até o alambrado. Eles escalam o alambrado. E, por trás, é possível ler o que está escrito nas camisas grenás. Coisas como Mooca é Mooca, Orra, eu sou da Mooca e Casa Nostra, ilustrando uma foto do estádio.

O canto continuou seguindo o toque do bumbo. “Por toda minha alegria / Por toda minha vida / Moleque Travesso / Da Mooca querida / Ganhando ou perdendo / Estou sempre contigo / É meu sentimento / É meu bom amigo/ daleo/ daleo/ daleo....

Só foi trocado quando Moacir Bastos, o Tuta que já jogou na Itália, Palmeiras, Fluminense e Grêmio, aos 38 anos, conseguiu em câmera lentíssima se desvencilhar de um zagueiro e sofrer um pênalti. Bateu bem, fez o gol – talvez um dos últimos da carreira - e não esperou a avalanche vertical. Antecipou-se a ela e escalou o alambrado. Foi para a galera, literalmente.

CANOLI, O TRADICIONAL DOCE ITALIANO DA RUA JAVARI

  • Luis Augusto Símon/UOL

A torcida se entusiasmou e começou a ironizar quem nem estava ali. Os grandes da cidade e Ferroviária, da longínqua Araraquara, a 250 quilômetros. “Eles também são da cor grená e a gente azucrina”, diz Caio Tores, antes de embarcar na música “Somos campeões paulistas / e do Brasil também / Ferroviário seu p... / que não ganha de ninguém / Somos a torcida maia louca / da Mooca e do Pacaembu / Corinthians, São Paulo e Palmeiras vai tomar no c...". O termo 'ferroviário' se refere ao Nacional, clube do bairro da Barra Funda com o qual o Juventus tem rivalidade.

A “beleza’ da letra exalta os títulos mais importantes da história do Juventus: o primeiro acesso do clube, em 1929, a conquista da Taça de Prata, em 1983 e o título da A-2 de 2005. Uma enorme bandeira com os números 29, 83 e 05 é balançada incessantemente. Ao lado, uma mais moderna promete Loucura e Travessura.

Existe futuro para um futebol que leva 539 pessoas ao estádio, com renda de R$ 6.500? Com jogos sempre à tarde, porque o campo não tem iluminação? Johnny Gasparoto, vice-presidente do clube explica: “Futebol é deficitário para nós. Temos outras fontes de renda que são nossos associados, mas é muito difícil. Vamos viajar para Monte Azul Paulista (360 quilõmetros de distância) e gastamos dez mil reais. Nossa folha de pagamento é de R$ 150 mil por mês e recebemos apenas R$ 120 mil da federação paulista para os 3 meses de campeonato”. Para melhorar as coisas, o clube está lançando seu programa de sócio torcedor, por 30 reais mensais. Espera 500 adesões.

O MOLEQUINHO TRAVESSO, MASCOTE DO JUVENTUS, DA MOOCA

  • Luis Augusto Símon/UOL

Para o jornalista Fernando Galluppo, o Juventus é algo para se ter na memória, mas sem nenhum tipo de futuro. “Nem o Juventus e nem esse tipo de futebol tem futuro. Hoje, é tudo muito profissional, é necessário marketing. O Juventus vive na memória afetiva, no tempo idílico. O time que enfrentava os grandes, que causava surpresas e conquistava glórias não tem mais”.

Ele retratou as glórias juventinas no livro “Glórias do Moleque Travesso”, que está sendo lançado. “Conto a história dos títulos, da Máquina Juventina, time que foi terceiro colocado no Paulista de 1932, tem a biografia de 60 jogadores que passaram por aqui, como Julinho Botelho, Oberdan Cattani, Hércules, Pinga,  Carbone, Milani, Luisinho Pequeno Polegar, “Professor” Clóvis e outros”.

Galluppo pretende fazer um almanaque do Juventus, com todos os jogos do time. O que seria impossível para outras pessoas – onde conseguir fichas técnicas – para ele não é problema. “Eu sou da Mooca, moro aqui perto e venho em todos os jogos do Juventus, desde 1980. Anoto todas as escalações, tenho todas as ficha, tudo manuscrito em caderninhos como esse aqui”, diz, tirando do bolso da camisa a fonte de informações que ninguém tem.

Interessa para alguém? Um registro histórico maravilhoso, é lógico, mas fica difícil imaginar que a torcida queira saber a escalação de jogos atuais. Mesmo quem está pulando como louco, cantando canções de louvor ao time não consegue escalar o time que esta em campo. “Sei o nome do Tuta e de mais alguns”, diz Caio, de 16 anos “Precisa saber o nome? É o Juventus, é a Mooca", fala Miguel, de 15 anos

ESTÁTUA DE PELÉ NA FRENTE DA ENTRADA DA 'RUA JAVARI'

  • Luis Augusto Símon/UOL

A teoria do “perdendo ou ganhando” é comprovada logo na entrada do estádio, através de duas estátuas. Uma é de Clóvis, zagueiro que defendeu o clube de 1957 a 1968. O “professor” Clóvis. A outra é dele, Pelé, homenageado por haver feito um do mais belos gols de sua carreira, ali na Javari, contra o Juventus.

Homenagear o algoz parece coisa do passado. Quando o Rio Branco fez seu gol aos 43 minutos do segundo tempo, toda a calma acabou e o desespero baixou na Javari. O senhor que comprava canoli – doce italiano vendido ali – deixou o troco e foi correr do lado do bandeirinha, xingando suas marcações e seu corte de cabelo, o casalzinho que discutia a relação desde o início do jogo, deu um tempo e voltou a torcer. E o apito final foi saudado como se determinasse o fim de uma guerra sangrenta.

Na saída, muita gente para no Bar do Tostão. Comem espetinhos de calabresa e pensam em novas músicas. A seleção está jogando, na tela plana e grande da Pizzaria São Pedro, ali ao lado, mas ninguém quer ver. “A seleção faz tempo que não representa mais a gente. É muito mais legal torcer pelo Juventus, que é o nosso time aqui do bairro. Acho que nós somos mais da Mooca que do Brasil”, diz Mario Coloneze.

No caminho para o metrô, um garoto balança a camisa grená e canta “Sou um operário da Mooca, sim senhor”... Não é, mas canta bem. Canta seu rincão, seu time que não tem futuro no mundo do futebol moderno.