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Herói do Galo na Libertadores revela fome na Arábia e mágoa do Cruzeiro

Leonardo Silva sai para comemorar o gol que levou a final da Libertadores para a prorrogação - EFE/FERNANDO BIZERRA JR
Leonardo Silva sai para comemorar o gol que levou a final da Libertadores para a prorrogação Imagem: EFE/FERNANDO BIZERRA JR

Luiza Oliveira

Do UOL, em São Paulo

25/10/2013 06h02

A rivalidade entre Atlético-MG e Cruzeiro transcende as quatro linhas. E Leonardo Silva se tornou mais um capítulo dessa história. O zagueiro saiu 'brigado' do time celeste e sua contratação foi anunciada pelo Galo logo após ser personagem da revista oficial do Cruzeiro. Era um indício de que logo cairia nas graças da torcida alvinegra.

Não demorou a acontecer, e o melhor estava por vir. Leonardo se tornou um dos principais heróis da história do clube ao marcar o gol salvador, aos 41 minutos do segundo tempo, na final da Libertadores que levou o duelo contra o Olímpia para os pênaltis. Ainda converteu a cobrança nas penalidades e ajudou a levantar a taça.

Se Leonardo foi fundamental para os alvinegros, o Atlético representa a consolidação de uma carreira que demorou a engrenar.  Leonardo só se destacou em um clube grande perto dos 30 anos e passou por vários problemas antes de colher os frutos de ser jogador. Não tinha dinheiro para pagar o ônibus para ir treinar na infância, passou 'fome’ na Arábia e diz que se sentiu desrespeitado em sua saída do Cruzeiro.

Leonardo conta que estava se recuperando de uma lesão no fim de 2010, quando seu contrato terminou e a diretoria celeste não quis renová-lo. “Não houve acerto. Eles decidiram não contar com meu futebol e contratar outro jogador. Recebi a proposta do Atlético. Foi uma proposta boa, um momento diferente e eu aceitei”, afirmou.

“Tentaram justificar minha saída, colocando a responsabilidade em cima de mim, quiseram colocar a torcida contra mim, mas a culpa foi deles em não renovar. O contrato já estava encerrado, eles tentaram denegrir minha imagem, me processaram por quebra de contrato. Juridicamente isso já foi resolvido, não devo nada a ninguém. Tentaram colocar como quebra de contrato, mas não foi para a frente porque não era verdade”.

Leonardo fala sobre os problemas com a mesma calma e frieza que demonstra ao marcar gols, apesar de atuar como zagueiro. Tranquilidade que ele adquiriu com a maturidade de seus 34 anos e as dificuldades que enfrentou.

Ele representa o caso clássico do menino de baixa renda que viu no futebol a única chance de crescer na vida. Carioca, morava em São Gonçalo e precisava de três ônibus e 3h para chegar a Marechal Hermes, onde treinava. “Não tinha como pagar a condução. Tinha que pedir para passar por baixo da roleta. Não gastava dinheiro nem com uma bala, tinha que pensar no dia seguinte”.

Já no profissional, teve passagens por Brasiliense e Bahia até chegar ao Palmeiras, em 2005, onde não conseguiu muitas oportunidades. “Foi um momento turbulento com muita troca de treinadores e jogadores. Foi uma época instável”.

Mas suas maiores aventuras foram nos Emirados Árabes, onde defendeu o Al-Wahda em 2007 e 2008. A cultura, o forte calor e a culinária foram adversários mais perigosos que qualquer atacante habilidoso. O perrengue foi ainda maior porque ele chegou ao país justamente no período do Ramadã, mês em que os muçulmanos praticam o seu jejum.

As refeições só eram permitidas após as 18 h e, mesmo não sendo adepto da religião, foi preciso cumprir com rigor os rituais. “Você precisa respeitar muito a religiosidade deles, senão eles se sentem ofendidos. Você não pode comer no meio da rua e, neste período, eles só podem comer depois de 18 h. Eu ficava com fome, aí comecei a trocar a noite pelo dia. Todo o treinamento era feito à noite por causa do calor, eu ficava acordado de noite, dormia o dia todo e já acordava na hora do treino.”

DE VILÃO A HERÓI

  • Leonardo Silva se tornou um dos principais jogadores da Libertadores ao fazer o gol que garantiu a vitória por 2 a 0 na final e levou a decisão contra o Olimpia para os pênaltis. “Foi um êxtase total. Fazer aquele gol, colocar o Atlético de volta na competição. Foi maravilhoso andar nas ruas e ver todo mundo agradecendo e elogiando”, disse.

    Mas Leonardo quase pôs tudo a perder. Foi ele o autor do pênalti no fim do jogo contra o Tijuana, pelas quartas de final. Tudo estaria perdido se não tivesse brilhado a estrela de Victor em uma defesa nos acréscimos que se tornou símbolo da campanha.

    “Ninguém faz nada por querer. Aconteceu a penalidade num momento complicado, ainda bem que pôde brilhar a estrela do companheiro. Poderia não haver mais tempo para nos recuperarmos, mas o Victor foi brilhante. Foi ali onde tudo começou, absorvemos mais energia e fomos nos recuperando de todas as dificuldades”.

    Leonardo ficou um longo tempo abraçado a Victor após o lance e confessa o que disse ao colega. “Só agradeci, dizia parabéns e muito obrigado”.

A passagem não durou muito e Leonardo voltou ao Brasil para atuar pelo Vitória, ainda por empréstimo, onde teve um bom desempenho no Campeonato Brasileiro. Perto dos 30 anos, o zagueiro já parecia um atleta mediano que caminhava para a fase final de sua carreira. Mas a ida para o Cruzeiro transformou sua vida.

“Eu estava em um momento muito seguro, sabia o que poderia desenvolver no futebol, consegui assimilar a responsabilidade de estar num clube grande, demonstrei confiança e segurei essa oportunidade. Tenho lembranças boas, fomos campeões mineiros e fui vice da Libertadores”, disse.

Mas foi no Atlético que ele deu passos mais largos. Foi convocado para a seleção brasileira, sagrou-se campeão da Libertadores como um dos protagonistas e vai concretizar um de seus maiores sonhos: disputar o Mundial de Clubes, em dezembro, no Marrocos.

“Nunca sonhei e não passo o dia pensando nisso. Mantenho os pés no chão. Para nós, é um caminho muito longo até chegar ao Bayern, ainda temos um jogo antes, não dá para pensar na frente. E não temos que temer ninguém. Temos excelentes jogadores na nossa equipe, como o Ronaldinho que é um dos melhores do mundo”.

Leonardo terá uma árdua missão, mas não desperdiça noites de sono pensando em Robben, Ribéry, Schweinsteiger e companhia. Aliás, é difícil tirá-lo do sério, mas ele admite que perde a calma em uma situação. "Não gosto de ser provocado. Jogando sou um pouco nervosinho".