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Ex-Barça, Sylvinho diz que Neymar deve esquecer Messi e respeitar Xavi

Gustavo Franceschini e Jones Rossi

Do UOL, em São Paulo

05/11/2013 06h00

Com a experiência de quem é um especialista na observação dos colegas e chegou a ajudar Lionel Messi como um “titio”, Sylvinho não dá conselhos a Neymar, mas aponta caminhos. Hoje assistente de Tite no Corinthians, o ex-lateral crê que um dos segredos para o brasileiro se dar bem no Barcelona é esquecer as comparações com Lionel Messi. Antes, ele deve conquistar o respeito de Xavi, Iniesta e Puyol.

“Quem sou eu para aconselhar o Neymar? Longe de aconselhar o Neymar, até porque ele está muito bem respaldado, e é um atleta inteligente. [...] Ele chega no Barcelona e todo mundo começa a comparar ele com o Messi. Calma. Isso é pra nós, brasileiros. Pro catalão existe ainda Xavi, Iniesta e Puyol, que mandam no vestiário de uma forma positiva. [...]Não é bater continência, mas tem de respeitar esses caras”, disse Sylvinho, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Revelado no próprio Corinthians, o ex-lateral ainda passou com sucesso por Arsenal, Celta de Vigo e Manchester City. Ao lembrar todos os lugares, ele se orgulha da leitura que fez do dia-a-dia com os companheiros, e de ter colocado o “vestiário no bolso”, como ele mesmo gosta de dizer. No Barcelona, por exemplo, ele foi um dos que ajudaram a integrar o tímido Lionel Messi ao resto do elenco.

“Você vê que, nas entrevistas que ele dá ainda hoje, mesmo depois de ser eleito quatro vezes o melhor jogador do mundo, ele é muito grato àquela época. Ele entendeu que era uma época de afirmação e por maior talento que ele tivesse e tem, era interessante ter essa aceitação”, disse Sylvinho, o “titio” do Barça, que até hoje troca mensagens com o ex-companheiro.

Veja, na íntegra da entrevista a seguir, mais detalhes sobre a passagem pelo Barcelona, as decisões do fim da carreira e a rotina ao lado de Tite no Corinthians:

UOL Esporte: Qual a diferença do Corinthians de quando você começou para o Corinthians de hoje?
Sylvinho:
O futebol, de uma forma geral, evoluiu. Foi assombrosa a diferença de 1999, quando eu saí do clube, para a volta agora, depois de 12 anos na Europa. Mas a grandeza do Corinthians não mudou nada daquela época para cá. O que mudou foram as estruturas internas, o profissionalismo e tantas outras coisas que evoluíram de uma forma assombrosa. E é realmente o que se exige nessa área. É necessário ter essa estrutura toda para o futebol de alto nível que o Corinthians disputa: campos, hotel, o refeitório, e todos os aparelhos de fisioterapia. A mudança aos meus olhos foi rapidíssima.

UOL Esporte: Quais sãos as principais lembranças da sua primeira passagem? Seriam a Copa do Brasil de 1995 e o Campeonato Brasileiro de 1998?
Sylvinho:
As mais importantes sim. Mas em 1995 também tem aquele Campeonato Paulista contra o Palmeiras, que me marcou muito. Logo no primeiro ano de profissional, duas finais inéditas, difíceis, nas quais não fomos como favoritos para nenhuma das duas. Então foi uma afirmação importante pra mim, foi muito bom. E, evidentemente, também porque foi contra um Palmeiras que tinha todo um time montado com figuras importantes, jogadores consagrados no cenário brasileiro. Aquilo me marcou muito, mas esses foram os principais. Aquilo era o Corinthians que eu vivi desde os 12 anos de idade: reverter situações, sempre acreditar que as coisas são possíveis. Até porque o Grêmio também era uma situação diferente, e difícil. Foi uma experiência maravilhosa, boa. Para suportar essa situação foi crucial minha primeira parte no clube, de 12, 13 anos, acostumar a vestir uma camisa dessas e se acostumar com uma pressão dessas. Foram momentos importantes da minha vida.

Dima Korotayev/Reuters
Depois de quatro, cinco, seis semanas de campeonato e eu já com dificuldades, jogando na linha de quatro na frente.Então foi difícil até dar o estalo: "eu tenho de me adaptar a esses caras. Eu tenho que entender esse vestiário"

Sobre o início duro no Arsenal

UOL Esporte: Quando você vai para o Arsenal em 1999, como primeiro brasileiro no clube, o que passou pela sua cabeça? Deve ter sido difícil, por ser um clube pouco habituado com brasileiros.
Sylvinho:
Foi difícil. Foram duas etapas e eu tive de ser muito rápido para analisá-las, digeri-las e colocá-las em prática. Tudo é muito bom. A Europa é um sonho de atleta, só que na chegada o cenário muda. Por mais que bonito que seja Londres, o centro de treinamento do Arsenal, a Liga Inglesa,  conviver no vestiário com atletas como Emanuel Petit, Vieira, Henry, Bergkamp, Suker… De repente me acendeu a luz: “Sou o primeiro brasileiro aqui, os caras acreditam em mim”. Teve um primeiro mês difícil, um segundo mês difícil.  Na verdade, o primeiro mês foi “tranquilo”, fiz a pré-temporada e já queria jogar. De repente vem o campeonato. Depois de quatro, cinco, seis semanas de campeonato e eu já com dificuldades, jogando na linha de quatro na frente. Não havia confiança para o Wenger me colocar na linha de quatro de trás. Só que isso era um pensamento para ele que ia desenvolvendo ao longo dos meses. Só que para mim ia ficando pesado não jogar, jogar fora da minha posição, eu não rendia o que eu queria. Então foi difícil até dar o estalo: “eu tenho de me adaptar a esses caras. Eu tenho que entender esse vestiário. Eu tenho de falar esse idioma. Eu tenho de abrir portas para que eles confiem em mim.” Eu não estou brigando com o Arsenal, não estou brigando com o Arséne Wenger, com a Liga Inglesa. Os caras estão confiando em mim. Então a forma de eu ver as coisas começaram a mudar. Então eu vou responder a essa expectativa deles. Comecei treinar com paciência para esperar o momento. Teve um período em que eu tive de esperar, mas quando eu entendi isso eu me adaptei e foi muito bem. Então foi uma escola pra mim.

UOL Esporte: Como é trabalhar com o Wenger? Ele era de te chamar para conversar, bater papo?
Sylvinho:
A escola que eu tive com ele foi muito boa, de tentar tirar o melhor de cada um. Ele não é de falar muito, é um gestor muito capacitado. Ao longo dos anos você vai analisando onde ele vai buscar jogadores, como ele busca e o encaixe que vai ter no clube. Ou seja, ele tem uma visão além daquela que as pessoas têm. Na minha época já era assim. Tinha outros laterais muito ofensivos no futebol brasileiro, eu tinha sido muito criticado por não ser tão ofensivo no começo da carreira. Quando ele bate o olho aqui ele diz: “quero esse. Um lateral não tão ofensivo, para uma linha de quatro”. Ele é extremamente inteligente, um gestor que sabe quem ele tem de pegar, o que tem de fazer no time dele e o tempo que precisa para essa adaptação. Espetacular, o que ele faz é de tirar o chapéu. Fala pouco e mantém uma linha de educação impressionante, de um respeito incrível que não te permite entrar além daquilo. Ele é o chefe, é o manager. Uma das poucas vezes em que estava perdendo minha paciência, com três, quatro meses, ele me chamou para conversar. “Como é que está o teu inglês? Já arrumou um carro? Já mudou, arrumou uma casa?” Eu dei umas respostas bem curtas. Ele disse: “Calma, sei que tua paciência está pequena, a minha projeção para você é para estar jogando numa linha de quatro, você já está mais agressivo, já entendeu o jogo.” Aquilo me deu um certo conforto, mas passou algumas semanas para eu entender que o que ele me disse aquele dia era verdade, que ele não estava me enrolando. Eu precisava entender que eles não estavam de sacanagem comigo. Eles pagaram US$ 6 milhões por mim. Eu tinha de ter calma. Foi um baita prazer trabalhar com ele.

UOL Esporte: Aparentemente, o Edu [Gaspar, gerente de futebol] tirou muito do que ele quer para o Corinthians do Arsenal. Acha que esse é o caminho a ser seguido?
Sylvinho:
Acho que é um deles. Quando a gente fala de instituições, cada uma tem seu perfil, sua forma de ser. A Liga Inglesa é uma coisa, o Campeonato Brasileiro é outra. O Arsenal é uma coisa, o Corinthians é outra. Nem maior, nem menor, são coisas diferentes. A liga europeia é diferente da brasileira. A brasileira ainda está debaixo de muito equilíbrio. Eu afirmei e continuo a afirmar: “Nós somos reféns do futebol europeu, não adianta, prove-me o contrário”. A condição financeira do Brasil melhorou muito? Verdade. Nossos clubes cresceram muito? Absolutamente verdade, mas somos reféns. A verdade é que um clube da Ucrânia, da Rússia e grandes clubes europeus abastados, [aparecem] com contratos de quatro, cinco, seis anos para um atleta. Os jogadores vão e não dá para condenar. Eu fui. E os atuais continuam indo. Vivemos outro campeonato, outra realidade. É muito melhor que nos anos 1990? Sem sombra de dúvida. Conhecendo o Edu, sei que ele é capaz de captar coisas interessantes do Arsenal e colocar aqui. Talvez nem tudo, mas coisas interessantes e boas que são compatíveis, com certeza algumas coisas a gente acaba trazendo.

 

Martyn Hayhow/AP
Ali se buscava um reserva para o Roberto Carlos. Todos eram praticamente da mesma geração. Em alguns momentos foi o Serginho, em alguns momentos fui eu, e em outros o Júnior. Por algum motivo, talvez por uma afinidade maior do próprio Felipão, de repente ficou mais simples a decisão

A respeito do pouco espaço na seleção

UOL Esporte: Você era um dos principais candidatos a sucessor do Roberto Carlos, mas por algum motivo ficou para trás nessa briga. Como isso mexeu com a sua carreira e sua cabeça?
Sylvinho:
Olha, não mexeu. Ali se buscava um reserva para o Roberto Carlos. A grande realidade era essa. Todos eram praticamente da mesma geração. Em alguns momentos foi o Serginho, em alguns momentos fui eu, em alguma Copa Ouro, em Eliminatória, e em outros o Júnior. Por algum motivo, talvez por um conhecimento maior, por uma afinidade maior do próprio Felipão, de repente ficou mais simples a decisão. O que eu posso relatar é que nunca me incomodou. Eu estava focado no que eu tinha de fazer lá fora. Até porque eu entendia que era uma sequencia. Tem de ir bem para ir para a seleção brasileira. Então, se você não estiver bem, não estiver em condições, é melhor nem ir mesmo. Confesso, com toda a tranquilidade, nunca foi uma decepção. Se você perguntar se eu queria? Claro! Quantas Copas? Uma, duas Copas do Mundo. Mas nunca foi uma decepção no sentido de que eu tinha de ir de qualquer jeito pra seleção brasileira. Nos momentos em que eu fui, eu desfrutei e dei sequencia na minha carreira. Não é à toa que minha carreira na seleção estagnou, enquanto nos clubes ela foi ascendente. Cheguei no Barcelona aos 30 anos de idade. Tive meu contrato renovado aos 34 anos de idade. Poderia almejar mais na seleção, mais foquei muito nos clubes.

UOL Esporte: Quão especial é a final da Liga dos Campeões de 2006 para você, contra o seu ex-clube, o Arsenal?
Sylvinho:
Foi muito bonito. Eu já tinha jogado pelo Arsenal e até pelo Celta a Liga dos Campeões, mas não tinha a dimensão do que era uma final. E já tinha 31 anos. E de repente chegar para uma final contra o Milan em casa, e fomos para a final contra o Arsenal na França, aí eu vi o representava uma final de Liga dos Campeões. Aí virei menino. Toda a organização, como ia funcionar, quantos ingressos para cada atleta… Aí comecei a convidar gente da Europa inteira, do Brasil. A gente tinha direito a 30, 40 ingressos, algo por aí. Tinha de fazer uma lista… Para mim foi uma grandeza a primeira final de Liga dos Campeões. Eu pensei: “Meu deus, é maior do que eu estava imaginando.” Depois, o jogo correspondeu às expectativas. Foi um jogo difícil. O Lehmann [então goleiro do Arsenal] foi expulso, eles saíram na frente. O segundo tempo nosso foi melhor, mas mesmo assim foi difícil. Mesmo assim eles tiveram uma ou outra chance de matar o jogo, de fazer um gol. Mesmo com um a menos, o Arsenal jogou muito bem, estava muito bem armado. Mas nós tivemos a oportunidade de fazer o segundo gol depois do gol de empate do Eto’o e levar o título. E me senti como uma criança. Não sabia que esse campeonato representava tanto.

UOL Esporte: Qual foi a preleção do Frank Rijkaard neste jogo?
Sylvinho:
Não lembro, é muito difícil guardar. Sei que teve uma mudança radical no meio tempo. Até pela expulsão do Lehmann, ele tira o Edmilson e coloca o Iniesta, com 19 anos, para jogar como primeiro volante e dar a saída de bola. O Iniesta já fazia isso com uma facilidade tremenda. Eles tinham um jogador a menos e ele se aproveitou desta situação. O Iniesta fez muito bem, nós tomamos conta do jogo, mas não conseguimos penetrar. O Arsenal estava muito bem montado. Tinha o estilo inglês, com duas linhas de quatro, um homem na frente, que era o Henry, o Fred Ljungberg dando muito trabalho pela direita. Um jogo difícil, muito complicado. Nós encontramos os gols, entendo que fomos merecedores porque tivemos mais posse e mais chegadas no gol, mas o Arsenal, até pela expulsão, jogou 60 minutos com um a menos e bem. Deu muito trabalho para a gente.

UOL Esporte: O processo de integração do Messi, coadjuvante naquela conquista, ao elenco do Barcelona teve muito a ver com os brasileiros, certo?
Sylvinho:
Você vê que, nas entrevistas que ele dá ainda hoje, mesmo depois de ser eleito quatro vezes o melhor jogador do mundo, ele é muito grato àquela época. Ele entendeu que era uma época de afirmação e por maior talento que ele tivesse e tem, era interessante ter essa aceitação. Eu vejo muito ele falar em entrevistas, além de mim, do Ronaldinho e do Deco, que sempre foram ídolos para ele. Ele nos viu jogar em altíssimo nível. Eu sempre tive amizade com ele. Eu era um dos mais velhos e ele era um dos mais novos. Eu não gosto da palavra ‘ajudavam’, mas, enfim, foi um processo pelo qual ele é grato. Para nós foi um prazer, porque nós já víamos nele o jogador impressionante e uma pessoa calada, quieta como sempre, tímida, mas muito esperta, observadora. Era um moleque de 16,17 anos, que já convivia na roda com gente de 25, 28, eu com 31. Ele podia ser um deslumbrado da vida. Mas não, é um cara perceptivo, inteligente, observador.

UOL Esporte: Você lembra o teu primeiro contato com o Messi?
Sylvinho:
Foi em uma pré-temporada na Ásia. Lá eu passei a conhecê-lo melhor, porque ele ficava na nossa mesa. Estava se formando um grupo novo. Saíram muitos holandeses. O Ronaldinho foi o primeiro a chegar, num ano anterior. Depois chegaram mais brasileiros, como Belletti, Edmilson e o Deco, além do Samuel Eto’o, do Rafa Márquez, que já estava, e do Giuly. E acrescentou alguns moleques da base e o Messi era um deles. Havia duas mesas de 12. Uma do outro lado formada pelos espanhois que estavam lá há muito tempo, e a nossa dos estrangeiros. Ele fazia parte da nossa mesa, observava todo mundo, e a gente andava junto. Ficamos 12 dias na Ásia (Coreia, China, Japão), então ficamos muito tempo juntos conversando e ali se formou uma amizade interessante.

UOL Esporte: Sobre o que vocês conversavam? Davam dicas para ele?
Sylvinho:
Esse negócio de dica, ainda mais fora de jogo, não se fala. Jogador não tem paciência para isso. Jogador aprende em campo. Agora minha relação com isso é um pouco diferente, sou da comissão técnica, então muitas vezes sinto que há necessidade de encostar no jogador e falar de futebol. Mas jogador não gosta. E quando estão entre eles é muita brincadeira, tiração de sarro, e se aprende no campo. Por isso às vezes o mais esperto, o mais inteligente, o mais observador aprende rápido. Você tem poucos momentos para aprender, embora o convívio seja de muito tempo. Então é muito convívio de vida, de família, amigos, de tiração de sarro, e ele só ficava observando, ouvindo. Quieto, sempre, na dele, mas caiu nas graças. É aquela coisa: “Vem juvenil, vem sentar aqui, vamos conversar, um dia você vai ser grande e não vai olhar na nossa cara”. As brincadeiras eram sempre essas, mas não de aprender futebol.

Toni Albir/EFE
Quando você vê um cara desse nível atuando, jogando e treinando já tem uma dimensão: 'Normal não é'

Sobre a primeira impressão de Messi

UOL Esporte: Quando você viu que o Messi seria esse Messi que conhecemos hoje?
Sylvinho:
Quando você vê um cara desse nível atuando, jogando e treinando já tem uma dimensão: “Normal não é”. Agora, não sou hipócrita de dizer que lá atrás diria que ele seria quatro vezes melhor do mundo. Isso aí tem uma história longa que ele está construindo. Ser quatro vezes melhor do mundo não é fácil. Ganhar a Liga dos Campeões, os recordes que ele está batendo não são fáceis. Porque a trajetória é grande. Depende da cabeça dele, depende da família dele, depende de lesões, depende de muitas coisas. Mas que se tratava de uma joia rara, quem entende de futebol via e dizia que havia algo diferente, bem diferente. Mas o que mais me impressionava - ele não era titular, era um moleque de 16 anos - era quando, um dia depois do jogo, quem não jogava ia para campo jogar em times de cinco contra cinco, com gol reduzido. O que esse menino fazia… O jogo sempre terminava 8 a 6, 8 a 7, e ele fazia 5 dos 8 gols. Um poder de definição impressionante, uma rapidez de movimento… Isso me marcava, chamava a atenção. “Esse moleque é impressionante”. Quem jogava no time dele já saía com uma vantagem incrível.  Quem tem poder de definição de gol unido ao poder físico de rapidez,  agilidade e de força… isso é tudo que o jogo pede. Já víamos que se tratava de um moleque diferente.

UOL Esporte: Como o Neymar pode conquistar o respeito do elenco do Barcelona?
Sylvinho:
Quem sou eu para aconselhar o Neymar? Longe de aconselhar o Neymar, até porque ele está muito bem respaldado, e é um atleta inteligente. O Messi, mesmo sendo tímido, colocou o vestiário no bolso, conquistou o respeito. Não é por contar piada ou ser muito extrovertido que você conquista o vestiário. Esse “vestiário no bolso” funciona assim. Por exemplo, no caso do Neymar. Ele chega no Barcelona e todo mundo começa a comparar ele com o Messi. Calma. Isso é para nós, brasileiros. Para o catalão existe ainda Xavi, Iniesta e Puyol, que mandam no vestiário de uma forma positiva. Então, pôr o vestiário no bolso, neste caso, é respeitar o Iniesta, campeão do mundo que fez o gol da final, com Liga dos Campeões nas costas. É respeitar o Xavi, que está aí batendo recordes de jogos. Não é bater continência, mas tem de respeitar esses caras.

UOL Esporte: Muito se fala do vestiário do Real Madrid do início dos anos 2000, que seria rachado entre espanhóis e brasileiros. O vestiário do Barcelona era um vestiário positivo?
Sylvinho:
Positivo, extremamente positivo. Só que tudo tem limite. É minha casa, e por mais talentoso que ele seja, não vai chegar jogando as coisas para cima e dando tapa na cabeça do meu filho. Se ele for inteligente, ele vai frequentar essa casa muito tempo. Acho isso uma questão de inteligência. Dificilmente você vai chegar em um lugar e ter uma boa aceitação dando tiro no telhado. E não há necessidade disso. Você tem de conquistar as pessoas, é normal. Eu entendi assim no Arsenal. Ele não vai chegar lá e enfrentar o Messi. O Messi conquistou todo mundo na simplicidade, na timidez, no ouvir, no estar quieto. No futebol, os grupos têm dificuldade em aceitar o mala, o cara que já chega dando tiro no telhado. Às vezes tem até muita brincadeira, mas a aceitação é muito difícil. Tratando-se no caso de Neymar e falando do vestiário do Barcelona, extremamento positivo, é questão de tempo para ter uma boa amizade e uma aceitação, como já está tendo, e desenvolver com tranquilidade a vida dele no clube.

UOL Esporte: Não existe uma chance de polarização Brasil-Argentina ou Brasil-Espanha e, por consequência, um boicote ao Neymar?
Sylvinho:
Não há chance porque não é do perfil deles e não é do perfil do Neymar.  É um jovem que é extrovertido, agregador. E o perfil do vestiário é assim. O Neymar vai conquistar do jeito dele, é normal. Etapas não se queimam, isso se passa com todos os atletas. Alguns casos são mais notórios, como o Neymar, que todo mundo está olhando. Não tenho dúvida que o Neymar em breve estará brigando pelo título de melhor do mundo em condições de ganhar, se as coisas correrem da forma como estão indo. Mas tem etapas a serem cumpridas. Deixa o tempo correr.

UOL Esporte: Você mantém contato com o Messi?
Sylvinho:
Eu mantenho.

UOL Esporte: Ele perguntou alguma coisa do Neymar para você?
Sylvinho:
Não e eu também não toquei no assunto. Como eu vivi muito tempo no futebol e sei como as coisas funcionam, não gosto de me intrometer a não ser que um dia as coisas levem a uma conversa. É mais conversa assim: “parabéns pelo jogo”, “como vai a família?”, “você vem para cá?”. Coisas assim… Por mais que eu conheça, e o vestiário ainda é 60% o mesmo, eu não vivo mais lá. Os poucos momentos de conversa, é conversa de amigo. A gente pode até entrar nisso, mas eu evito. Prefiro conversas bem light.

UOL Esporte: Você viveu as duas épocas, Ronaldinho Gaúcho e Messi. Você vê muita diferença entre o time campeão em 2006 e o de 2009?
Sylvinho:
Você me perguntou quem é o maior, Ronaldinho ou Messi? É difícil comparar jogadores. O Ronaldo ainda está naquele último estilo do meia armador que chega como atacante. Então o Ronaldo vai fazer por temporada, no auge dele, 12 gols. É bastante para um meia. O Messi já vem de uma geração que começa a mudar. Que é o que o Pelé fazia, o que é surpreendente nos anos 1960 e 1970, que é o segundo atacante que vai fazer 50 gols por temporada. Eles tomaram o lugar do número 9. O Messi foi artilheiro na Liga dos Campeões, do Campeonato Espanhol e da Copa do Rei, mais do que todos os atacantes. Ele tinha mais gols que o Eto’o, que o Ibrahimovic, que o Villa. Assim também acontece com o Cristiano Ronaldo. É um novo estilo de jogador, que é muito incisivo, que faz 50 gols por temporada, que te mata todos os jogos. Que te acrescenta 25 pontos, muitas vezes sozinho. É muita coisa. Tive o prazer de pegar o auge, a arte do Ronaldo, jogar pelo lado esquerdo com ele, ele gostava, eu passava e ficava com um a menos para ele. Ele brincava de jogar futebol. É outro estilo. O brincar de jogar futebol do Messi é ignorância, é fazer oito gols no treino. O Ronaldo era dar chapéu, meter uma bola milimetricamente. É injusto comparar. Eu não gosto de comparar. Mas eu tive o prazer de vê-los no melhor da vida deles.

UOL Esporte: Normalmente o jogador termina a carreira voltando para o Brasil e jogando em clubes cada vez menores. Você não. Terminou a carreira em 2010 no Manchester City. Por que você fez essa opção?
Sylvinho:
Foi uma opção. É difícil parar. Imagine um cara que toque violão bem demais e você chegue para ele aos 35 anos e diga: “Nunca mais você vai poder tocar na sua vida”. Não sei se a analogia é boa. Quando eu fui para o City existia também a possibilidade de ter voltado para o Corinthians, mas a minha condição não era mais a mesma. Quando eu vou para o City, eu vou para acrescentar um caráter vencedor para contagiar o elenco. Eu joguei dez jogos pelo City. Não bateu arrependimento de não ter vindo para o Corinthians porque eu não ia conseguir desenvolver o que eu precisava desenvolver. E eu falei, não vou peregrinar. Não tenho estômago para isso. E a condição não era a mesma. Já fui para o City numa condição abaixo da qual eu gostaria de estar, com 35 anos. Lateral sofre, é difícil. Por mais condição técnica e tática, chega uma hora que você precisa do lateral que faça seus 10, 11 quilômetros por partida, cruzando e marcando. Então eu parei depois do City. Havia algumas opções, mas eu não queria mais nada e encerrei.

UOL Esporte: Hoje você já pensando na carreira de treinador?
Sylvinho:
Era o que mais me chamava atenção, confesso.  Respeito e posso passar por esse processo. O ex-atleta está no clube, ele é um auxiliar, de repente ele vira um diretor… Você quer buscar um encaixe ainda. Uma coisa eu sei da minha vida: “Eu fui atleta de futebol profissional”. Agora, quando você está do lado de fora… Quem sabe amanhã não estou entrevistando alguém? Por que não posso virar um jornalista? Você tem de se encaixar, buscar… e não é simples.

UOL Esporte: Como foi teu contato com o Tite?
Sylvinho:
Antes, eu estive dois anos com o Wagner Mancini. Quem me inseriu neste mercado foi ele. Nós tínhamos uma amizade legal e um dia, jogando juntos, sentamos e conversamos e ele me disse que estava para receber um convite e estava sem auxiliar. Ele perguntou “você vai comigo?”. Eu disse: “Eu vou”. Aí surgiu o Cruzeiro, eu fui junto com ele. Aí estivemos juntos no Sport, no Náutico, até que surgiu o Corinthians. Estávamos parados já havia seis meses e o Edu me ligou. “Precisamos de um auxiliar”. Passou pelo Tite e foi um dos poucos nomes que ele aprovou. Aí liguei para o Vagner, ele disse: “Fique à vontade. Eu iria”.

UOL Esporte: E como você bota o vestiário no bolso sendo auxiliar?
Sylvinho:
A relação com o atleta de futebol é sincera. Tem todo um know-how. Tem de saber brincar com um jogador, quando brincar… às vezes vejo gente cometer gafes terríveis e não saber. É o meu ambiente. Eu estive do outro lado por 15 anos. Eu sei do que eu gosto e do que eu não gosto. Então isso aí é essencial. A partir daí é autenticidade e sinceridade. O poder de observação dos atletas é impressionante. Se você não tiver autenticidade e sinceridade, na hora você vai estar morto. O papel do auxiliar é importante. Se não tiver isso, o cara detecta do outro lado e se fecha uma porta e acabou.

UOL Esporte: Uma das marcas da sua carreira é a forma de lidar com as pessoas? Porque você nunca buscou o estrelato.
Sylvinho:
Está certo. É um perfil, discrição. Não me senti no foco e tomo muito cuidado com isso, porque sei que tive uma projeção muito grande na carreira, que às vezes até eu assusto. Você pega os técnicos que eu tive, o vestiário do Arsenal, do Barcelona, depois do City. Eu gosto de ser discreto.

UOL Esporte: E além da discrição, você se considera um cara de grupo?
Sylvinho:
Sem sombra de dúvida. Eu aprendi, até pelo Arsenal. Eu podia ter dado um chute na porta. Passei dois, três meses sem jogar. Eu fui campeão paulista três vezes, jogava para 80 mil pessoas no Brasil, que os caras querem te matar. E venho aqui pra fazer período de adaptação? Então, você começa a ver esse perfil. Pô, os caras pagaram US$ 6 milhões, vou fazer o possível e o impossível para mudar isso. Vou jogar aqui de qualquer jeito. Esse é um perfil que para muitos é negativo. Falam: “Você tem de aparecer”. Calma, tudo tem seu momento.