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Futebol do Bahrein tenta se reerguer após ter jogadores presos e torturados

Manifestantes transportam caixões simbólicos com fotos de vítimas da repressão no Bahrein - AFP
Manifestantes transportam caixões simbólicos com fotos de vítimas da repressão no Bahrein Imagem: AFP

Omar Almasri

Especial para o UOL, em Manama (BHR)

11/12/2013 22h00

O povo do Bahrein nunca vai esquecer o ano de 2004. Naquela temporada, a China foi a sede do campeonato de futebol mais importante do continente – a Copa da Ásia. Bahrein, com uma geração dourada de jogadores, surpreendeu o continente ao chegar à semifinal, mas terminando em quarto lugar.

Com o crescente progresso do futebol do Bahrein, que chegou à fase final de duas eliminatórias de Copa do Mundo, nada parecia capaz de parar esse momento de ascensão. Mas não foi isso que aconteceu, já que o país estava à beira de uma de suas maiores crises desde sua independência, em 1971.

Depois da bem-sucedida campanha que promoveu a queda de regimes ditatoriais da Tunísia e do Egito, ativistas políticos contra o governo do país lotaram as redes sociais com mensagens sobre protestos democráticos no dia 14 de fevereiro de 2011 na hoje destruída praça Pearl.

Mas o que começou como um protesto pacífico acabou virando uma tragédia. No terceiro dia de manifestações, armas foram disparadas na praça Pearl por forças do governo. Quatro pessoas morreram e centenas ficaram feridas num dia que ficou conhecido como “Terça Sangrenta”. Com a onda de violência, manifestantes aumentaram suas reivindicações, exigindo o fim da ditadura de Al Khalifa.

Em meio a um país dividido, o futebol não ficou fora do levante da população. A Fifa (Federação Internacional de Futebol) sempre adotou o lema de que futebol e política não se misturam, mas este não foi o caso. Fotos e vídeos de jogadores famosos do país como Ala'a Hubail, Mohammed Hubail e Sayed Adnan em protestos contra o governo se espalharam pelas redes sociais. Muitos dos fãs mais conservadores passaram a chamá-los de traidores e criminosos e pediram suas prisões.

“O que ainda acontece com os atletas no Bahrein é uma campanha orquestrada pelo governo para se vingarem por eles terem participado de protestos pacíficos pedindo por democracia”, explica Faisal Hayyat, jornalista esportivo do Bahrein que esteve entre os presos pelo governo. “É só olhar para a lista de jogadores para ver que há a intenção de vingança. Todos os atletas pertencem ao grupo muçulmano xiita, que em sua maioria está pressionando por reformas democráticas e mudanças.

Ala'a Hubail e seu primo Mohammed Hubail, além do goleiro da seleção nacional Ali Saeed, estavam entre os 160 atletas que foram presos com acusações que passavam por sequestro, ataque a policiais, incêndio de pneus, dar abrigo a procurados pela justiça, homicídio de policial e incêndio de casas.

“Muitas dessas pessoas foram presas sem qualquer evidência contra elas”, explica Hayyat. “Eles foram detidos em circunstâncias arbitrárias, levados à força de suas casas sem qualquer mandado de busca e forneceram confissões questionáveis por terem sido coagidos e torturados física e psicologicamente”, completou.

No meio dos protestos, Sayed Adnan buscou asilo na Austrália e assinou com o Brisbane Roar por temer por sua segurança após seu clube, o Al Khor, ter rescindido seu contrato abruptamente.

“Nunca havia acontecido nada como a Primavera Árabe, nunca haviam visto a população pedindo para o rei ou para o governo que eles queriam suas renúncias. Nossa situação era difícil. Todos nós queremos uma boa vida e é só isso”, explicou Adnan em uma entrevista para o "The Brisbaine Times".

“Mas eu não fui lá para falar: ‘porque você matou meu primo, eu vou protestar’. Eu vou porque nós não queremos mais problemas. Não importa se você é sunita, xiita ou cristão, nós não nos importamos. A gente só quer viver a vida como antes e respeitar todo mundo”, disse.

Depois de pressão da Fifa, as acusações contra Ala'a, Mohamed e outras personalidades esportivas foram retiradas. Ala'a saiu do país para tentar uma transferência ao Al Taleea, de Omã.

“Eu servi meu país com amor e continuarei enquanto puder”, disse Ala'a após sua prisão em Sitra, sua cidade natal. “Mas eu não esquecerei essa experiência pelo resto da minha vida. O que aconteceu comigo foi por causa do preço da fama. Participar de um protesto de atletas não foi um crime”, completou.

A tortura dos jogadores do Bahrein foi colocada em questão pelo recém-eleito presidente da Confederação Asiática de Futebol , o xeque Salman Bin Ibrahim Al Khalifa – que teria tido um papel central no abuso dos jogadores. As acusações foram desmentidas.

Muitas organizações de direitos humanos, como o Centro do Bahrein para Direitos Humanos e a Sociedade Jovem do Bahrein para Direitos Humanos, protestaram contra sua candidatura por causa dessas alegações e também pelo rebaixamento forçado dos times Malkiya e Al Shabab, dois clubes cujos jogadores foram aos protestos.

Apesar das dificuldades, o jogador Ala´a Hubail afirmou que gostaria de retornar à seleção nacional.

“Quem não pensa em representar seu país? É uma honra para qualquer atleta ser parte de sua nação, não importa qual esporte pratique. Além disso, eu não me aposentei como alguns chegaram a dizer. Mas, no fim, quem decide é o técnico e tenho que respeitar isso”, afirmou.

Infelizmente, com o time passando por uma transição, esse desejo pode nunca se realizar. Ala'a retornou recentemente ao país e está de volta ao seu clube de infância – o Sitra – onde ele provavelmente ficará até o fim de sua carreira. Enquanto isso, Sayed Adnan ganhou títulos importantes na Austrália, foi alçado ao posto de herói nacional e passou uma temporada no Kuwait. Ele agora retornou ao Qatar e assinou com o Al Arabi por um ano.

“Prender nossos melhores jogadores nunca é uma boa ideia e, como o Bahrein vinha em ascensão e chegou bem perto de se classificar para as Copas de 2006 e 2010, isso foi ainda pior”, explica o especialista em futebol asiático John Duerden.  “As eliminatórias para a Copa de 2014 mostraram que o time está desaparecendo como uma grande força no futebol asiático. Apenas um país unido poder fazer com que o time tenha sucesso, mas o Bahrein está longe disso”. A seleção nacional foi eliminada na terceira fase das eliminatórias para o Mundial no Brasil.

A classificação tranquila para a Copa da Ásia de 2015 e a contratação do experiente técnico Anthony Hudson podem ser bons indicativos de que o time pode começar a se reerguer.

“Eu penso que a juventude do Bahrein é muito promissora. Eles têm muita habilidade. Eles querem aprender e melhorar”, disse Hudson, que tem apenas 32 anos e já foi chamado de “o novo José Mourinho”.  

“Eu acho que o Bahrein tem um grande futuro. O despertar da juventude é muito empolgante e, com um bom comando , eles podem virar algo especial. Os jogadores têm trabalhado muito, mostram muita disciplina e é um prazer trabalhar com eles”.