Topo

Do futebol ao salto alto, marroquinas se libertam e rebatem regras

Luiza Oliveira

Do UOL, em Marrakech (Marrocos

21/12/2013 11h02

Os traços fortes do lápis preto realçam a expressão do olhar. Os cabelos soltos e volumosos mostram a sensualidade que muitas vezes se esconde por trás dos véus. As mulheres marroquinas se liberaram. Do futebol ao salto alto, elas querem ter voz e encaram de frente as regras culturais.

Pelas ruas de Marrakech, é comum ver mulheres que vestem o lenço e as roupas largas apenas nos momentos de oração. No dia a dia, o salto é alto, altíssimo, de todos os tipos. Coloridos, com brilhos e até spikes (tarrachas). Os cabelos são poderosos, e a roupa tem paetês e brilhos.

Com 99% da população muçulmana, o Marrocos é um dos países árabes que aceita bem a cultura ocidental. Nas ruas, muitos gostam de dizer que são meio europeus, e as mulheres repetem com frequência duas palavrinhas mágicas: somos livres.

No salão de beleza Mouna, são vários os procedimentos que deixam a mulher ainda mais bonita. A escova e o babyliss no cabelo saem por 100 dirhams, aproximadamente R$ 29, e fazem sucesso. Todos os dias dezenas delas se produzem. Gostam de maquiagem e até as unhas recebem tratamento especial com desenhos feitos com carimbo, algo inovador para o Brasil. “Estou pronta para a noite. Vou me divertir hoje”, brinca a produtora de eventos Souaâd Oukaka.

A jovem estudante de medicina Sara Benchaouch, de 21 anos, também faz parte desse time. Não dispensa olhos pretos, exibe cachos generosos e dispensa o véu. “Não vejo problema em me arrumar. Gosto, me sinto bem. O cabelo representa 50% da beleza feminina. E, desde criança, minha mãe me dá liberdade para eu fazer o que quiser”. A mãe de Sara ainda usa véu. 

Como boa parte das mulheres, Sara gosta de comprar roupas. Olha atenta as peças de uma loja de grife em Marrakech e experimenta um blazer e uma blusa com brilhos. É o figurino de inverno. No verão, o forte calor com uma sensação térmica perto de 50ºC a obriga a usar roupas mais leves. Blusas sem manga, bermudas e vestidos são bem-vindos.

Nem por isso ela se sente menos ligada a sua religião. Cumpre os rituais do islamismo. “Eu adoro minha religião, rezo cinco vezes por dia e acredito em um único Deus com Maomé como profeta. Meu sonho é ir a Meca, mas ainda não consegui porque é muito caro”.

O pensamento de Sara é compartilhado pela moderninha estudante de economia Zineb Lesnassi.  Para ela, o caráter da pessoa não tem relação com a vestimenta. “Tem pessoas com véu que fazem coisas ruins, que podem mentir, fazer mal para os outros. A honestidade não está na roupa”.

Até no futebol, um esporte tão machista, as mulheres se aventuram no Marrocos. Ainda são raras no estádio, mas quem é fã do esporte não deixa de ir e torcer pelo seu time. Algumas vão desacompanhadas de homens e se sentem seguras.

É o caso de Sarita Belkasse. Torcedora do Kawkab, o time de Marrakech, ela vai ao estádio desde pequena. No fim de semana, foi acompanhada apenas de sua mãe ao jogo em meio a milhares de homens. “Eu não tenho problema com isso. Não vou deixar de ver meu time em campo porque algum homem não pôde vir comigo”, conta.

Apesar da liberdade, Sarita, por exemplo, precisa pedir autorização do pai para ver seu time jogar e é proibida de fazer parte da torcida organizada da equipe. Os Crazy Boys, como são chamados, não aceitam meninas. “É ruim, né? Eu queria estar lá, mas eles não deixam. Eu acho que é um pouco de preconceito, mas tudo bem. Vejo o jogo daqui mesmo”.

Sara Benchaouch já viveu situação mais difícil e foi vítima de violência. Ela se preocupa em não abusar das roupas curtas nas ruas porque se sente intimidada e já sofreu com a agressividade de alguns homens.

“Já me perseguiram porque eu estava de short, tentaram me raptar. Ficaram falando coisas horríveis. Minha sorte é que outras pessoas me ajudaram. Ainda acontece esse tipo de coisa, infelizmente. É um país livre, mas ainda com um lado ainda bem conservador”.