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Espaço para liderar pode fazer a diferença para Lúcio no Palmeiras

Zagueiro Lúcio vai à área em sua estreia pelo Palmeiras - Silva Junior/ Folhapress
Zagueiro Lúcio vai à área em sua estreia pelo Palmeiras Imagem: Silva Junior/ Folhapress

Mauricio Duarte*

Do UOL, em São Paulo

30/01/2014 06h00

Depois de uma passagem conturbada pelo São Paulo, o zagueiro Lúcio chegou ao Palmeiras cercado de incertezas. Aos 35 anos, o jogador carrega consigo um histórico de extremos: se por um lado ganhou tudo por onde passou, por outro tornou célebre seu temperamento intempestivo e intransigente que muitas vezes o prejudicou e incomodou colegas. Para o palmeirense, a questão fundamental é saber qual Lúcio é este que chega ao clube alviverde e que, com a saída de Henrique para o Napoli, será o xerife da zaga.

“Acho que essa experiência negativa dele no São Paulo pode servir de alimento e desafio para vingar no Palmeiras. De vez em quando ele precisa levar umas porradas da vida para cair a ficha. Espero que o clube e o técnico Gilson Kleina  saibam tirar o melhor dele”, afirmou ao UOL Esporte João Paulo Medina, que era coordenador técnico do Internacional quando Lúcio surgiu no clube.

A declaração de Medina é importante para dar a medida de como é importante para Lúcio ter autoridade nos grupos em que trabalha. É o que ele precisa ter no Palmeiras. No São Paulo, não encontrou isso, e houve uma crise de comando. Em determinados momentos na Europa, seja na Alemanha ou na Itália, também sofreu com o mesmo problema.

“Teve uma passagem em que nós tínhamos um capitão, o Carlinhos, que estava machucado. O Zé Mario, que era o treinador do Inter, me consultou porque estava em dúvida sobre quem seria o capitão. Eu disse para colocar o Lúcio. Ele me achou louco, mas acabou fazendo. Foi uma coisa pedagógica, porque ele começou a ter uma visão mais madura e solidária da atividade dele”, conta Medina. Isso aconteceu quando o jogador tinha apenas 20 anos.

Lúcio tem fama de brigar e discutir até mesmo em treinamentos recreativos caso ele perceba que um companheiro não esteja se empenhando como ele acha que deveria. Alguns consideram um excesso. Outros, não.  “É do espírito dele essa coisa de treinar forte, de treinar como joga. Às vezes as pessoas interpretam isso como negativo. Eu não acho. Ele contagia muito o time”, disse o zagueiro Juan, do Internacional, que jogou duas Copas do Mundo ao lado de Lúcio (2006 e 2010), e também formou dupla com ele no Bayer Leverkusen, da Alemanha.

O treinador Celso Roth foi outra figura importante na formação do jogador, quando o comandava no Inter, e entende que seu perfil realmente é de liderança. “O Lúcio chegou no Inter como lateral direito para o time júnior. Em três meses, ele era zagueiro e capitão do time principal. Ele tinha muita capacidade, força física e personalidade. Foi capitão da seleção, capitão de times. É um vencedor por natureza”, afirma.

O ex-lateral da seleção Roberto Carlos, hoje técnico do Sivasspor, da Turquia, e velho conhecido da torcida do Palmeiras, conviveu com Lúcio durante três Mundiais. Segundo ele, o grupo alviverde precisa se adaptar às características do defensor. “Na seleção ajudava aquela maneira de ele querer ganhar sempre. Jogando no futebol europeu ele se tornou um líder mais forte. Agora, o comportamento dele depende muito do clube e do treinador”, afirma.

“É um atleta que está sempre querendo fazer algo a mais, entendo que com isso pode melhorar. Em algumas ocasiões precisa até conversar para orientar, para maneirar. Essa coisa do temperamento dele eu percebo para o bem. A forma com que ele se expressa às vezes não é bem compreendida. Mas ele nunca foi insubordinado”, lembra Paulo Paixão, preparador físico da seleção brasileira.

O ex-jogador Edmilson, pentacampeão com a seleção ao lado de Lúcio, e que também já defendeu o Palmeiras, acha que ele vai corresponder às expectativas da exigente torcida. “Acho que ele vai fazer uma excelente temporada no Palmeiras. O Lúcio sempre foi meio tímido, mas muito sério, comprometido. É um cara que dispensa comentários. Ganhou tudo na carreira. Vai ser diferente do São Paulo”.

No Tricolor paulista, Lúcio foi afastado pelo então técnico Paulo Autuori. O treinador não teve uma discussão pontual com Lúcio. Simplesmente percebeu em conversas e pequenos desentendimentos que o jogador tinha um perfil que não lhe agradava. Quem viveu o dia a dia do clube, no CT, afirma que o afastamento do zagueiro foi uma das principais iniciativas do treinador para reconstruir o bom ambiente de trabalho, que herdou despedaçado do ex-técnico Ney Franco e do ex-diretor de futebol Adalberto Baptista.

A diretoria diz não ter quaisquer reclamações sobre a postura de Lúcio após o afastamento. Segundo dirigentes, o zagueiro sempre cumpriu os horários com pontualidade e postura profissional. Não reclamou, nem criou problemas. Seguiu o cronograma proposto pela comissão técnica em isolamento. No entanto, recentemente, em uma entrevista ao programa "Bem, Amigos", do SporTV, o defensor deixou claro que se sentiu desrespeitado.

"Quando um clube ou diretoria não está satisfeita com jogador, tem que ser homem e dizer: 'você não se encaixou no time. Tem jogadores que se encaixam melhor'. Eu acho que tinha que ser conduzida dessa forma. O que mais deixou triste é que não fiz nada para merecer aquilo. Não digo pelo meu currículo, mas nenhum jogador merece isso. Não é só o atleta, também tem o homem, que tem família, responsabilidades, caráter", lamentou.

Em sua apresentação no Palmeiras, porém, fez questão de deixar o ex-clube para trás. “Poderia ser tratado de outra forma. Tudo poderia ter sido conversado, mas não aconteceu. Mas não tenho raiva, rancor, mágoa de ninguém de lá. Como jogador só tinha que acatar as decisões. Não fui injustiçado. Eles tomaram a decisão que cabia a eles. Eu, como profissional e com o caráter que tenho, acatei. Não fui lá discutir, não bati boca", disse.

“Cada jogador tem suas características, seus pontos fracos e fortes. O Lúcio trouxe uma experiência, isso é inegável. Ele tem uma história no futebol muito grande, muita vivência, dentro e fora de campo. Ele, o Valdivia, o Wendel, se impõe naturalmente. Com o tempo ele vai se soltando cada vez mais, conhecendo como cada companheiro responde a uma cobrança ou a um incentivo. A convivência e percepção do vestiário vão dar para ele essa liberdade”, diz o goleiro alviverde Fernando Prass.

Com dois jogos como titular até o momento no Palmeiras, Lúcio foi bem e mostrou segurança. No cotidiano do clube, na Academia de Futebol, tem mostrado um bom relacionamento com os companheiros e já dá sinais de liderança tanto nos treinamentos quanto nas partidas. A saída do capitão Henrique deve aflorar ainda mais esse lado no jogador. O desafio de Kleina será dosar as cobranças.

Religião

Outro ponto sempre vinculado à imagem de Lúcio é a religião. Evangélico, as histórias de que gosta de levar pastores para a concentração ou que tenta evangelizar colegas chegaram ao Palmeiras. O treinador Gilson Kleina, que tem como postura separar as coisas, conversou com a comissão técnica sobre o assunto, porque temia que a atitude desagradasse alguns atletas. Como colega de quarto de Lúcio, colocou o atacante Leandro, um dos poucos evangélicos do elenco.

“Ele sempre foi religioso. Na época, eu tentava minimizar esse fato. É uma questão de administrar entre os atletas, é um desafio para quem comanda o grupo. Tem momentos em que você tem que intervir”, analisa Medina, lembrando, no entanto, que o desejo de Lúcio em ser um atleta de ponta sempre se sobressaiu.

Para o zagueiro Juan, a questão é vista de fora de uma maneira muito maior do que realmente é. “Eu sou a prova de que isso não atrapalha em nada no relacionamento. Não sou religioso como ele, não carrego essa bandeira, e a gente se dá muito bem. Não pode misturar. É que tem gente que tem menos tolerância”, conta.

“Na seleção brasileira o fato de ele ser evangélico até ajudou. Ele sempre foi líder e sempre teve opiniões corretas. Ele tem um estilo próprio de se comportar e isso nunca vai mudar”, opina Roberto Carlos.

Para Paulo Paixão, desde que as coisas sejam tratadas de forma independente, não há problema. “Ele aprendeu a dividir muito bem as coisas. Sabe trabalhar isso. Hoje em dia há um respeito muito grande da parte de todos. O Lúcio é como um vinho. Quanto mais velho, melhor. Está mais experiente, super lapidado”, diz.

Lúcio brincalhão e a Yoga

É raro, mas Lúcio também pode ter um lado brincalhão. Desde que ele confie plenamente no amigo, como no caso de Juan. Quando um defendia a Inter de Milão e o outro a Roma, havia uma situação curiosa. “A rivalidade é muito grande, então a gente dava uns carrinhos um no outro de propósito. Se pegava um pouco. E depois, no fim do jogo, dava risada. Mas eu levava a melhor”, brinca.

Roberto Carlos, por sua vez, diz que os jogadores da seleção gostavam de pegar no pé dele por ele se achar habilidoso. “A gente enchia o saco de porque ele se achava um cara de habilidade. Saía naquela passada dele, atropelando todo mundo,  e a gente chamava ele de cavalo. A gente chegava no vestiário e falava ‘Tá achando que é habilidoso para ir para a frente? Zagueiro é aqui atrás, paradinho’”, conta.

Outra situação no mínimo curiosa foi contada pelo ex-jogador alemão Klinsmann, atualmente treinador da seleção dos Estados Unidos. Ele foi capaz de fazer o enfezado Lúcio praticar ioga, uma milenar prática de meditação.

“Eu não pratico ioga. Mas eu ofereço aulas de Yoga para os meus jogadores. Porque eu acho que eles têm que experimentar o que pode ajudá-los. Pode ser Yoga, Pilates. Eu digo: experimente e veja se você gosta. No Bayern de Munique, Zé Roberto e Lúcio experimentaram e acho que eles gostaram”, comenta. Klinsmann talvez não saiba, mas Lúcio já não pratica mais ioga.

*Colaboraram Paulo Passos e Vanderlei Lima