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Vinte e cinco anos depois, Inglaterra ainda tenta entender Hillsborough

Fernando Duarte

Do UOL, em Londres

15/04/2014 14h25

Torcedores internacionais habituados ao rigor dos horários de início de partidas no futebol inglês podem ter estranhado o atraso na rodada do último fim de semana, em que todos os jogos tiveram início sete minutos depois do usual. Foi a maneira de marcar o 25o aniversário do Desastre de Hillsborough, uma tragédia que marcou profundamente o país inventor do futebol, mas cujas circunstâncias ainda permanecem sem uma explicação definitiva.

Às 15h06 do dia 15 de abril de 1989, a partida de semifinal de Copa da Inglaterra entre Liverpool e Nottingham Forest foi interrompida pelo árbitro Ray Lewis para que os jogadores das duas equipes fossem substituídos no gramado do estádio de Hillsborough, em Sheffield, por ambulâncias e paramédicos buscando acessos desesperado a um dos setores de arquibancada. Lá, numa combinação de superlotação e mau gerenciamento de multidões pela polícias, torcedores estavam morrendo pisoteados e prensados contra os alambrados.

No total, foram 96 mortes. Todas de torcedores do Liverpool, e diante das câmeras de TV. Se o time da cidade dos Beatles tinha sido vilão quatro anos antes, quando vândalos de sua torcida provocaram a morte de 43 pessoas a partir de uma briga com rivais do Juventus em Heysel (Bélgica), na final da Copados Campeões, em Hillsborough todos foram vítimas. Inclusive de relatos da mídia sobre incidentes de ataques aos paramédicos e de cenas de roubos de objetos pessoais de feridos.

“O (tabloide) sensacionalista ‘The Sun’ basicamente publicou acusações de que os torcedores urinaram sobre policiais prestando os primeiros socorros. Essas mentiras mancharam a imagem não apenas do time, mas da cidade e das vítimas”, afirma Sue Roberts, cujo irmão, Graham, foi um dos mortos na tragédia.

Por causa disso, o jornal desde então é alvo de um boicote em Liverpool e adjacências. Mesmo torcedores do maior rival do Liverpool, o Everton, também aderiram. Mas o alvo principal dos parentes é a polícia do estado de Yorkshire, cujo inquérito inicial sobre os eventos de Hillsborough, duvlgado em 1991, isentou as autoridades de segurança de culpa e disse se tratar de um caso de morte acidental “turbinado” pelo comportamento de torcedores – embriaguez  e violência foram citados.

Em dezembro de 2012, porém, anos de campanha por parte de organizações apoiadas pelo próprio clube resultaram numa vitória na Suprema Corte britânica ordenando nova investigação – uma comissão independente levantou suspeitas de falsificação de provas pela polícia de Yorkshire, responsável pelo policiamento em Sheffield.

Ainda que não se saiba a extensão do que fez a polícia, as denúncias foram suficientes para gerar um pedido de desculpas público pelo primeiro-ministro David Cameron. “Os torcedores do Liverpool não foram os culpados pela tragédia”, afirmou Cameron em 2012.

Se o novo inquérito vai finalmente encontrar a explicação final, ainda não se sabe. Mas os eventos de Hillsborough já foram suficientes para alavancar as mudanças que ajudaram a transformar o futebol inglês num sinônimo de sucesso comercial: se nos anos 80 os estádios ingleses tinham a contenção de hooligans (vândalos) como principal preocupação, um estudo encomendado pelo governo britânico, o Relatório Taylor, a partir da década de 90 forçou uma reforma radical nos estádios. Alambrados foram proibidos, assim como áreas para torcedores em pé. Os clubes passaram a ter maior responsabilidade sobre o controle do público, sobretudo no interior das arenas.

Estádios mais seguros e modernos foram fundamentais na revolução comercial inglesa dos anos 90, em que a criação da Premier League fez da divisão de elite do país o campeonato mais rico do mundo. Houve, sobretudo, uma mudança de atitude por parte do público, ainda que influenciada pelo choque de tantas mortes. Um exemplo foi a faixa com que torcedores do Manchester City, que no domingo fez um jogo de vida ou morte contra o Liverpool na casa do adversário, pediram “Justiça para os 96”, um slogan que invariavelmente vira ‘’trending topic” no twitter a cada abril.

Parte da mudança também deve ser atribuída ao fato de preços de ingressos terem acompanhado a qualidade das novas arenas – houve reajuste total demais de 600% entre 1992, ano de criação da Premier League, e 2002, o que muitos críticos afirmam ter excluído os fãs mais pobres do futebol. “Sim, há muita que não gosta do que o futebol se transformou neste país, mas pelo menos paramos de matar torcedores”, afirma Rogan Taylor, acadêmico e autor de livros e documentários sobre a tragédia.