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Supersticiosos do futebol apostam em cueca puída e voltas no quarteirão

Eridan Correia (dir.) só faz a barba depois que acabam os jogos do Botafogo - Reprodução/Facebook Torcida Paracambi Botafogo
Eridan Correia (dir.) só faz a barba depois que acabam os jogos do Botafogo Imagem: Reprodução/Facebook Torcida Paracambi Botafogo

Danilo Valentini

Do UOL, em São Paulo

04/06/2014 12h00

As atitudes e decisões racionais, que pautam o futebol moderno, nunca serviram de parâmetro para o torcedor apaixonado e irracional. Por mais que uma equipe esteja recheada de craques, com um técnico competente no banco de reservas e jogando em casa com o apoio irrestrito de sua torcida, o fanático não abre mão da superstição ou de uma mandinga que pode beirar o surreal e que, para ele, será o fator decisivo para uma vitória.

Muitas manias já são famosas: uma peça de roupa repetida, um hábito adquirido em um bom dia do seu time, uma oração ou um pedido de "abertura de caminho" para um pai de santo. Maneiras de usar o sobrenatural como uma forcinha extra para aliviar o sofrimento em frente à TV não faltam.

Eridan Correia, por exemplo, mistura um pouco de crenças pessoais e religiosas para empurrar o Botafogo do sofá da sua casa. “Fico ao lado da imagem da Nossa Senhora da Conceição e com a barba por fazer. Acabado o jogo, vou para o banheiro e me barbeio”, conta o funcionário público de 47 anos, morador de Paracambi, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, citando a padroeira do clube carioca.

Mas de onde veio a ideia de não se barbear em dia de jogo do Botafogo, Eridan? “Ah, percebi que nos dias que eu ficava barbudo o Botafogo jogava melhor”. Além disso, seu guarda-roupa só tem peças brancas, pretas e cinzas. “Agora comecei a usar umas coisas douradas também”, lembrando do terceiro uniforme da equipe.

O vestuário, por sinal, é item fundamental para incrementar uma superstição. “Comecei a usar uma cueca preta e branca na campanha da segundona de 2008 e só parei de usar quando estreamos o estádio”, conta Nelson Alves Bueno Neto, o Alemão, corintiano de Amparo (distante 130km da cidade de São Paulo).

“Minha cueca foi campeã da segundona, do Paulistão e da Copa do Brasil de 2009, da Libertadores e do Mundial (ambos em 2012), e de mais um Paulista, no ano passado”, afirma Alemão, que precisou de muita sinceridade para convencer sua atual namorada a razão de usar uma cueca tão velha no primeiro encontro dos dois. “Contei que era superstição e que só usava em jogo do Corinthians. Como começamos a sair em um dia de jogo…”, lembra ele, que decidiu enquadrar a cueca para pendurá-la na parede do seu bar. “Vai ficar ao lado de quadros e camisas do Corinthians e de um caixão do Palmeiras”.

A decisão de trocar de amuleto aconteceu a partir do momento da inauguração do Itaquerão, em 18 de maio. A nova cueca, porém, falhou no seu objetivo: o Corinthians perdeu do Figueirense por 1 a 0. “Não tem problema, vou dar nova chance a ela”, revela Alemão.

O fracasso do Corinthians no primeiro jogo em seu tão sonhado estádio, aliás, não derrubou apenas a mandinga de um torcedor. “Às vezes eu peço por uma vitória, já que Ogum é meu padroeiro e sou corintiana. Mas contra o Figueirense eu não pedi. Deveria ter pedido”, diz Kátia do Ogun, mãe de santo que atende na zona sul de São Paulo e que se diz filha de Ogum, orixá que tem em São Jorge, o padroeiro corintiano, o seu similar no sincretismo católico.


“O torcedor que ora ou faz macumba exerce o que chamamos de representação social. Quando a ciência não explica uma causa, o indivíduo cria o conhecimento para amenizar a angústia de não saber de algo”, explica João Ricardo Cozac, psicólogo e presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte.

O especialista afirma que o processo psicológico que caracteriza a pessoa que se envolve de maneira irracional com algum interesse particular é chamado de projeção maciça de identidade. E complementa: o papel exercido conscientemente pelos clubes de futebol é decisivo para alavancar o fanatismo e fazer tê-lo uma importante força comercial.

“O indivíduo abandona a própria individualidade do contexto social e afetivo mobilizado pelas massas e institucionalizado pelos clubes, que incentivam o fanatismo via marketing, produtos, marcas, uniforme. Há a indústria do fanatismo próxima dos indivíduos que tem pré-disposição e que dão valor a tradições criados por pais e avôs que já eram torcedores de determinado time de futebol”, finaliza Cozac, que já trabalhou como psicólogo nas comissões técnicas de Corinthians, Palmeiras e Cruzeiro.

Clube muito ligado às suas tradições de origem italiana, o Palmeiras tem um exército de torcedores que criam manias e crenças peculiares. “Em véspera de dia de jogo decisivo, eu pego meu carro e dou três voltas no quarteirão do clube, com o hino tocando no último volume. Tentei isso um dia antes de uma semifinal contra o São Paulo e ganhamos de 2 a 0. Faço isso até hoje antes de um clássico ou de um jogo importante, como na final da Copa do Brasil de 2012”, relembra Roberto Bovino, produtor de eventos de 36 anos.

As crenças de uns, entretanto, não são compartilhadas por outros. “Muitas vezes sou procurado com esses objetivos, mas tenho meu nome a zelar”, diz Pai Guian, que prefere ser chamado de zelador de santo em vez de pai de santo. “Zelo pelos orixás de quem me procura, mas sempre aviso que o milagre é ilusório. Não pense que eu vá fazer algo para que o seu time ganhar. Seria mentira”, diz ele, que atende em um centro em Itaguaí (distante 69 km do Rio de Janeiro). “Abomino o fanatismo”.